Atropelados pelas denúncias, tucanos enfrentarão o ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, em local apropriado para discutir o
trensalão do PSDB.
Era uma vez um bando de tucanos - como se sabe, o coletivo de pássaros é
bando. Empoleirados e empertigados, um ao lado do outro, eles se
esforçaram ao máximo para demonstrar altivez, unidade e indignação.
Sua reunião mais parecia o quadro da Última Ceia, mas ainda não haviam
escolhido ninguém para Cristo. Negaram três vezes que estejam metidos em
maracutaias. “Não, não e não!”
Chamaram a imprensa para fazer disso uma coletiva. Como se tivessem
descoberto alguma novidade, exibiram uma papelada tirada do sarcófago de
uma investigação, nunca levada adiante, sobre o escândalo do trensalão
do PSDB, carinhosamente apelidado de “caso Siemens”.
Provaram, por “a” mais “b”, que alguém teve o desplante de traduzir “o
governo de São Paulo” por “governo do PSDB”. Onde já se viu? Onde se lê,
em Inglês, “pessoas do governo”, aportuguesaram para “tucanos”.
Definitivamente, alguém está querendo confundir as coisas.
Para dar mais sobriedade ao encontro, o bando colocou no meio o
candidato a presidente, Aécio Neves. Alckmin e Serra não compareceram.
Foi melhor. Havia o risco de levantarem a mão na hora da leitura do
documento e dizerem “sou eu”.
Conforme roteiro previamente ensaiado, esses descendentes mais próximos
dos dinossauros, fazendo jus à família do Tiranossauro Rex, rosnaram
ameaças, rogaram pragas e abriram a torneira de palavrões tirados do
Dicionário Carlos Lacerda de Golpes Abaixo da Linha de Cintura. Era para
cada membro do jogral proferir apenas um despautério, mas há sempre
quem quer aparecer mais que os outros. Esse, mais afoito, foi logo
chamando o ministro da Justiça de vigarista, sonso e membro de
quadrilha. Sempre ele, o tucano mais provocador e especialista em
promover dissensões, conforme uma qualificação dada por um companheiro
de partido.
Qual não foi a surpresa quando o ministro da Justiça reagiu. Fazia tempo
que algo assim não acontecia. Parece, pelo menos até agora, que os
petistas resolveram finalmente sair da retranca. Dizem as más línguas do
jornalismo isento, aquele que se isenta de pagar impostos, que a
orientação partiu da própria presidenta.
Precisávamos saber mais detalhes sobre que tipo de orientação terá sido
essa. Imagino algo como: “vá lá e mostre que não temos sangue de
barata”. “Chega de complexo de vira-latas”. “Manda brasa e depena esses
galináceos”.
E foi isto o que o ministro fez, duas vezes. Da primeira vez, o
jornalismo isento (de impostos) deve ter dormido em metade da coletiva e
só acordou ao final. Perdeu e não divulgou o mais importante. No dia
seguinte, o ministro teve que voltar a repetir tudo e servir café quente
para aquecer as más línguas. Finalmente, eles ficaram atentos e se
dignaram a dar uma declaraçãozinha mais generosa.
"O dia em que o ministro da Justiça aceitar ser chamado de vigarista,
sonso - no sentido de dissimulado, ou ser chamado de membro de quadrilha
e não reagir, ele não defende o seu cargo. Este é um cargo de Estado".
"Quem denuncia falso crime comete outro crime". “Isso é um vil pretexto
para criar uma cortina de fumaça sobre o fato de que o ministro tinha os
documentos e os encaminhou para a PF" [traduzindo: Polícia Federal].
"Acho lamentável que queiram transformar quem cumpre a lei em réu apenas
pelo fato de que existe uma investigação que, obviamente, existe desde
2008. A maior parte dos países em que houve esse escândalo já
investigou, já puniu pessoas envolvidas. O Brasil ainda caminha
lentamente"."É esse meu papel e de qualquer ministro da Justiça que não
quer ser um engavetador, como no passado já houve”.
Na próxima quarta-feira (4/12), o bicho vai pegar. Cardozo vai falar em
audiência pública na Comissão de Segurança e Combate ao Crime
Organizado, local certo para tratar do trensalão do PSDB. Os tucanos
queriam que o ministro fosse ao Congresso, e não é que ele topou? Agora,
os tucanos precisarão fazer um esforço ou tomar um Lexotan para evitar
que sua irritação demonstre o pânico que transpira em bicas a cada vez
que o assunto é ventilado. Vai ser necessário muito arroubo. Caramba, e
como traduzirão arroubo?