A imprensa, o bem e o mal
Em um recente editorial, no qual, pretensamente, alega a defesa do
papel da imprensa, o “Globo”, referindo-se ao deputado Marcelo Freixo,
afirma que nem ele nem ninguém está “acima do bem e do mal”.
Não conheço o Freixo, não sou adepto do PSOL – ou de qualquer
agremiação política – e não sei se ele está ou não envolvido na questão
da morte do cinegrafista da Band. Seguramente teremos esses fatos
apurados e a verdade virá à tona.
Contudo, vi e vejo com apreensão o posicionamento que, previamente,
pretendeu atribuir ao deputado ou ao seu grupo o “financiamento” dos
manifestantes.
Vou mais longe, sem medo de ir contra a maré: não concordo com a tese
do assassinato doloso do jornalista e penso que está predominando,
agora como sempre, o velho corporativismo que conhecemos em diversos
segmentos da sociedade e, exponencialmente, no âmbito da imprensa.
Acho, sim, que ninguém se deve colocar acima do bem e do mal, a
começar por alguns jornalistas que se julgam inatacáveis e, por isso,
nos presenteiam – a nós, míseros mortais – com visões nem sempre
corretas, fruto de atitudes subservientes a quem lhes paga, com pautas
manipuladas e direcionadas para interesses às vezes bem evidentes.
Lamento a morte de Santiago como lamentarei sempre muitas outras
mortes absurdas como a dele. Lamento a morte dos operários na construção
dos estádios da Copa da FIFA, a morte de policiais no cumprimento do
dever, a morte de jovens aliciados pelo tráfico (e pela desigualdade
perversa), a morte de mulheres e de gays vítimas da saga machista, a
morte pela fome de muitos brasileiros espalhados Brasil afora.
Não posso ver as coisas como elas não são. O jornalista não foi
covardemente assassinado, não foi objeto de uma escalada contra a
imprensa, mas foi, sim, vítima da irresponsabilidade ditada por atitudes
impensadas de quem, talvez, tenha escolhido as armas erradas para
protestar.
A imprensa no Brasil não é perseguida e, pelo contrário, persegue,
quando vê seus interesses contrariados. Não é impedida de exercer suas
funções e, pelo contrário, tem mais força do que o próprio poder
governamental. Os segmentos da grande mídia tradicional falam sozinhos,
fazem e desfazem corações e mentes, em um processo perverso que,
infelizmente, conta com o auxílio de profissionais inebriados pelo
prestígio que julgam ter e pelo status de celebridade de que se acham
detentores.
O que acontece com essa imprensa é que, vez por outra, ela colhe os
frutos do que semeia, Não foi, evidentemente, o caso do cinegrafista
Santiago, um profissional que exercia suas funções com dignidade. Mas há
muitos jornalistas que, diariamente, instauram um caos fictício e a
falsa ideia de instabilidade, em nome (o que é pior) dos projetos
políticos dos seus patrões e dos grupos por eles apoiados.
A imprensa e seus profissionais não estão acima do bem e do mal. Às
vezes, podem até estar bem abaixo do mal, quando distorcem, manipulam,
mentem.
Um exemplo só, bem elucidativo: onde estão esses briosos jornalistas,
que se autoproclamam “investigativos”, que vivem fazendo caras e bocas,
sempre ávidos por mostrar a sua indignação contra a corrupção, diante
das inúmeras acusações que frequentam a internet sobre um suposto caso
de fraude fiscal e evasão de dinheiro para paraísos fiscais que tem como
atores principais justamente os seu patrões? Se as acusações são
falsas, se não é verdade que os cofres públicos foram lesados em um
montante que, corrigido, hoje chegaria a um bilhão de reais, por que
esses paladinos da moralidade não põem um ponto final no assunto,
mostrando que se trata de uma calúnia? Se as acusações são verdadeiras,
como ainda se atrevem a abrir a boca para falar no seu amor pela
profissão?
Estamos vivendo um momento perigoso na história política do país e, a
julgar pelo que se vê por aí, na história política da América Latina.
Há uma nítida vontade golpista no ar e ela conta, acintosamente, com a
desinformação promovida por essa imprensa que se diz “perseguida” , mas
que não honra os mais elementares princípios do bom jornalismo.
Não sei se está acessível na internet, mas seria ótimo que os
leitores tivessem acesso ao programa “Entre Aspas”, da Globonew, que
foi ao ar no último dia 18, no qual o tema eram as atuais
“manifestações” na Venezuela. Nele, MônicaWaldvogel teve dificuldade em
disfarçar o constrangimento quando um dos debatedores, o também
jornalista Igor Fuser, do curso de Relações Internacionais da
Universidade Federal do ABC (UFABC), depois de rebater, ponto por ponto,
a alegada ausência de liberdades democráticas naquele país, lembrou
que, nos 15 anos em que o povo venezuelano tem escolhido livremente seus
governantes, nunca viu, na Globo ou nos jornais brasileiros, uma
única notícia positiva sobre as ações governamentais naquele país. Ele
declarou: “Não é possível que só mostrem o que é supostamente ruim. Cadê
o outro lado? Será que os venezuelanos que votaram no Chávez e no
Maduro são tão burros, de votar em governo que só faz coisa errada?”
Esse texto e seus argumentos seriam desnecessários se tivéssemos em
nosso país a grande imprensa efetivamente plural. Aí a Globo, o Estadão,
a Veja e a Folha nem precisariam disfarçar os seus desígnios e o povo
brasileiro teria direito ao indispensável contraditório.
Um último convite à reflexão: Você já notou que não temos, nos mais
de cem canais da TV paga, um único deles voltado para os países da
América Latina? Por que será?
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