Benefício solicitado por Azeredo mostra como foi errado julgar Dirceu, Delúbio e tantos outros na mais alta corte do país
A renúncia de Eduardo Azeredo pode ser examinada de duas formas. A primeira é técnica. A segunda, política.
Visto pelo angulo técnico, Azeredo tem todo direito de renunciar ao
mandato e, como cidadão comum, igual a você e eu, pleitear sua
transferência para a Vara de Justiça de Belo Horizonte onde estão sendo
julgados outros réus do mensalão PSDB-MG.
Com isso, seu caso entra numa longa fila de provas, testemunhas e denúncias que ira prolongar-se por alguns anos.
Pelo angulo político, deveria ocorrer o contrário. Enquadrado como
“exemplo,” como “símbolo” da luta contra impunidade, Eduardo Azeredo
deveria ser mantido no STF. Julgado pelas intenções, é fácil dizer que
ele pretende, apenas, encontrar um atalho para ganhar tempo. Este é o
debate em curso no STF hoje.
Escrevi um livro onde argumento que o julgamento da AP 470 foi um
processo político, com vários elementos de um espetáculo televisivo, que
criminalizou a democracia e seus principais atores, que são os
políticos.
Estou convencido de que a Teoria do Domínio do Fato foi uma improvisação
para se obter penas fortes a partir de provas fracas. Concordo com a
visão de que as penas foram agravadas – artificialmente – apenas para
permitir longas sentenças de prisão, em regime fechado. Já denunciei
que, levados à prisão, vários condenados têm sido submetidos a um
tratamento inadequado, e vexaminoso, apenas por “razões políticas.”
José Genoíno deveria ter sido retirado da cadeia definitivamente depois
do primeiro exame médico. José Dirceu tem direito a regime semiaberto e
não poderia estar trancafiado há mais de 90 dias. Por aí vai.
É claro que o debate técnico, no caso de Azeredo, deve prevalecer sobre o
político. Pode ser deprimente verificar que o ex-governador tucano pode
ter seus direitos respeitados, enquanto outros políticos, ligados ao
governo Lula, sofrem abusos e chegam a ser humilhados.
A verdade, no entanto, é que não se pode defender bons princípios apenas quando convém as nossas opiniões políticas.
A Justiça não se faz através da vingança nem da retaliação. O lugar
para se defender uma visão de mundo é a política e não a Justiça. Quem
não compreendeu isso apenas alimenta a judicialização, que é política
dos que não têm voto.
A situação de Azeredo, hoje, é assim. Muitos juízes sabem que como
ex-deputado ele tem direito a ser julgado em primeira instância. Não há
argumento legal capaz de sustentar o contrário -- só técnicas para
adivinhar o pensamento, que não estão previstas pela Constituição, e
coisas assim.
Mas serão pressionados a votar contra essa convicção em nome do
“espetáculo.” Sabe como é. Depois de produzir um tremendo show contra os
réus da AP 470, pode ser inconveniente ceder diante do primeiro
“poderoso” que é adversário do PT.
Inconveniente, sim. Mas talvez necessário.
Estamos falando de Justiça e não de teatro.
O erro de 9 entre os 11 ministros do STF foi cometido em agosto de 2012.
Naquele momento, eles resolveram julgar réus sem direito ao foro
privilegiado, tarefa que não é autorizada pela Constituição, como
explica o professor Dalmo Dallari, e que se ainda mais complicada depois
que eles já tinham desmembrado o julgamento do mensalão PSDB-MG.
Foi ali que se definiram caminhos diferentes para casos iguais. O resto é consequência.
A farsa de que se pretendia punir os poderosos no maior julgamento, do
maior escândalo, foi construída em agosto de 2012 e não será alterada
por uma decisão em 2014. Não será “corrigida” pela repetição de um erro.
Não haverá “justiça” se houver “menos” justiça.
Pelo contrário. Uma decisão correta, agora, pode abrir caminho para uma
revisão de erros do passado. Terá o valor de uma autocrítica e não é
por outro motivo, aliás, que assusta tantos campeões da AP 470.
Sua técnica não é a defesa da boa lei, mas da boa aparência, aquela que mantém a sujeira embaixo do tapete.
Caso Eduardo Azeredo venha a receber um benefício negado a maioria dos
réus em sua condição – só três dos 37 acusados da AP 470 deveriam ter
sido julgados no STF – ficará claro que há muito para ser debatido no
julgamento.
A repetição de um erro só tornará mais difícil corrigir outros erros.
É só lembrar que, se tivessem sido julgados pelos mesmos critérios,
Dirceu, Genoino, Delúbio, ainda estariam aguardando pela sentença em
primeira instancia. Não estariam na Papuda, nem teriam de enfrentar
aquelas decisões que levaram um dos maiores juristas brasileiros, Celso
Bandeira de Mello, a definir Joaquim Barbosa como um “homem mau.”
É isso que deve ser discutido.
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