"Benefício solicitado por Azeredo mostra como foi errado julgar Dirceu, Delúbio e tantos outros na mais alta corte do país
Paulo Moreira Leite, ISTOÉ
A renúncia de Eduardo Azeredo pode ser examinada de duas formas. A primeira é técnica. A segunda, política.
Visto pelo angulo técnico,
Azeredo tem todo direito de renunciar ao mandato e, como cidadão comum,
igual a você e eu, pleitear sua transferência para a Vara de Justiça de
Belo Horizonte onde estão sendo julgados outros réus do mensalão
PSDB-MG.
Com isso, seu caso entra numa longa fila de provas, testemunhas e denúncias que ira prolongar-se por alguns anos.
Pelo angulo político, deveria
ocorrer o contrário. Enquadrado como “exemplo,” como “símbolo” da luta
contra impunidade, Eduardo Azeredo deveria ser mantido no STF. Julgado
pelas intenções, é fácil dizer que ele pretende, apenas, encontrar um
atalho para ganhar tempo. Este é o debate em curso no STF hoje.
Escrevi um livro onde argumento
que o julgamento da AP 470 foi um processo político, com vários
elementos de um espetáculo televisivo, que criminalizou a democracia e
seus principais atores, que são os políticos.
Estou convencido de que a
Teoria do Domínio do Fato foi uma improvisação para se obter penas
fortes a partir de provas fracas. Concordo com a visão de que as penas
foram agravadas – artificialmente – apenas para permitir longas
sentenças de prisão, em regime fechado. Já denunciei que, levados à
prisão, vários condenados têm sido submetidos a um tratamento
inadequado, e vexaminoso, apenas por “razões políticas.”
José Genoíno deveria ter sido
retirado da cadeia definitivamente depois do primeiro exame médico. José
Dirceu tem direito a regime semiaberto e não poderia estar trancafiado
há mais de 90 dias. Por aí vai.
É claro que o debate técnico,
no caso de Azeredo, deve prevalecer sobre o político. Pode ser
deprimente verificar que o ex-governador tucano pode ter seus direitos
respeitados, enquanto outros políticos, ligados ao governo Lula, sofrem
abusos e chegam a ser humilhados.
A verdade, no entanto, é que não se pode defender bons princípios apenas quando convém as nossas opiniões políticas.
A Justiça não se
faz através da vingança nem da retaliação. O lugar para se defender uma
visão de mundo é a política e não a Justiça. Quem não compreendeu isso
apenas alimenta a judicialização, que é política dos que não têm voto.
A situação de
Azeredo, hoje, é assim. Muitos juízes sabem que como ex-deputado ele tem
direito a ser julgado em primeira instância. Não há argumento legal
capaz de sustentar o contrário -- só técnicas para adivinhar o
pensamento, que não estão previstas pela Constituição, ecoisas assim.
Mas serão pressionados a votar
contra essa convicção em nome do “espetáculo.” Sabe como é. Depois de
produzir um tremendo show contra os réus da AP 470, pode ser
inconveniente ceder diante do primeiro “poderoso” que é adversário do
PT.
Inconveniente, sim. Mas talvez necessário.
Estamos falando de Justiça e não de teatro.
O erro de 9 entre os 11
ministros do STF foi cometido em agosto de 2012. Naquele momento, eles
resolveram julgar réus sem direito ao foro privilegiado, tarefa que não é
autorizada pela Constituição, como explica o professor Dalmo Dallari, e
que se ainda mais complicada depois que eles já tinham desmembrado o
julgamento do mensalão PSDB-MG.
Foi ali que se definiram caminhos diferentes para casos iguais. O resto é consequência.
A farsa de que se pretendia
punir os poderosos no maior julgamento, do maior escândalo, foi
construída em agosto de 2012 e não será alterada por uma decisão em
2014. Não será “corrigida” pela repetição de um erro. Não haverá
“justiça” se houver “menos” justiça.
Pelo contrário. Uma
decisão correta, agora, pode abrir caminho para uma revisão de erros do
passado. Terá o valor de uma autocrítica e não é por outro motivo,
aliás, que assusta tantos campeões da AP 470. Sua técnica não é a defesa
da boa lei, mas da boa aparência, aquela que mantém a sujeira embaixo
do tapete.
Caso Eduardo Azeredo venha a
receber um benefício negado a maioria dos réus em sua condição – só três
dos 37 acusados da AP 470 deveriam ter sido julgados no STF – ficará
claro que há muito para ser debatido no julgamento.
A repetição de um erro só tornará mais difícil corrigir outros erros.
É só lembrar que, se tivessem
sido julgados pelos mesmo critérios, Dirceu, Genoino, Delúbio, ainda
estariam aguardando pela sentença em primeira instancia. Não estariam na
Papuda, nem teriam de enfrentar aquelas decisões que levaram um dos
maiores juristas brasileiros, Celso Bandeira de Mello, a definir Joaquim
Barbosa como um “homem mau.”
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