sábado, 22 de fevereiro de 2014

VENEZUELA - Golpistas em "mecha lenta"


 

Venezuela. Golpistas de mecha lenta

Antes as Forças Armadas tinham um papel muito ativo, praticamente toda a mídia era contra Chávez e a oposição não tinha líder. Agora há um protagonismo maior dos estudantes, há mais equilíbrio na mídia e a economia piorou.
 
Fonte: http://bit.ly/1eaMrBv  
A reportagem é de Mercedes López San Miguel e publicada no jornal argentino Página/12, 20-02-2014. A tradução é de André Langer.
As recentes declarações de Nicolás Maduro comparando a situação que a Venezuela atravessa hoje com o efêmero golpe de Estado de abril de 2002 fazem pensar nas semelhanças e diferenças que há entre aquela dobradiça na história desse país e nas atuais circunstâncias, onde se percebe um pulso desestabilizador. “Os grupos fascistas querem ativar o cenário de 2002”, disse o presidente ao referir-se à violência que se seguiu a uma marcha da oposição de 12 de fevereiro, que deixou um saldo de três mortos. As fortalezas e as debilidades da situação e da oposição, assim como o papel que exercem as Forças Armadas, os diversos setores sociais e a mídia, fazem parte da rede em um e outro momento.
Como precedente da situação atual aparecem as eleições antecipadas de abril de 2013 após o falecimento de Hugo Chávez. O candidato sucessor, Maduro, derrotou Henrique Capriles por uma maioria apertada, mas este convocou para ignorar o resultado das urnas, em uma espécie de desobediência de rua que provocou nove mortes e o repúdio da região. Ao contrário de 2002, a oposição conta com um líder que reúne uma heterogeneidade de partidos ultras e moderados na aliança Mesa de Unidade Democrática (MUD). Tendo aprendido a lição de 10 meses atrás, Capriles, desta vez, mostra-se cauteloso e são outros dirigentes opositores que convocam as mobilizações contra o governo: Leopoldo López e María Corina Machado. Aqui está uma semelhança: ambos apoiaram o golpe contra Chávez e assinaram a ata de constituição do governo de fato de Pedro Carmona.
José Sant Roz, escritor e professor na Universidade de Los Andes, compara a estratégia da direita com o passado. “Hoje o projeto é de mecha lenta. O método que se aplica na Venezuela é o de produzir várias explosões, causar comoção, manter um clima de agitação, gerar terror, que as pessoas se cansem. O objetivo último? A renúncia de Maduro”, assinalou ao Página/12.
No livro Tempos de escuridão, Marcos Roitman Rosenmann assinala que em abril de 2002, com a Venezuela inaugurou-se na América Latina “um novo golpe de Estado”, já não exclusivamente militar. “Um setor das Forças Armadas, em colaboração com empresários e os partidos tradicionais destituídos do poder em 1998, levantou-se contra o chefe de Estado. Não tiveram sucesso. Com o presidente Chávez sequestrado, o povo organiza sua defesa, e ao cabo de três dias, a mobilização popular, unida a setores majoritários e leais das Forças Armadas, consegue a libertação de Chávez, obtendo o seu retorno ao Palácio de Miraflores”.
Como pano de fundo está a situação econômica atual. Segundo o Banco Central da Venezuela, 2013 terminou com uma inflação de 56,3%, número inédito nos 15 anos de governo bolivariano. O índice de escassez, que mede o nível de abastecimento de produtos e alimentos diversos, situou-se em 28% em janeiro. Maduro acusa os setores privados ligados à oposição de exercer uma “guerra econômica” e especular com os preços.
Margarita López Maya, professora da Universidade Central da Venezuela, acredita que se tratou de um protesto estudantil em momentos de insatisfação de uma parte da sociedade: “Aqui, o que houve foi um protesto dos estudantes. Como se sabe, o movimento estudantil costuma surgir para manifestar o descontentamento social, neste caso pela inflação, pela insegurança e pelo desabastecimento de alguns produtos básicos, como a farinha e o milho”.
O que começou primeiro, a convocação dos universitários ou da oposição? Ou fazem parte da mesma engrenagem? A cientista política afirma a este jornal que se trata de uma manifestação que foi acompanhada pelos partidos antichavistas.
É possível que a oposição busque romper a unidade e o compromisso dos militares com o processo bolivariano? Sant Roz vê como altamente improvável que o consiga: “Os que eram cadetes em 2002 agora são oficiais que receberam a formação socialista e antiimperialista. Chávez era um grande pedagogo. A velha oficialidade se instruía na Escola das Américas; isso mudou de forma contundente. Na Praça Altamira, bastião da oposição, hoje não se vê um militar na ativa nem retirado. Naquela época havia 40 oficiais concentrados. Hoje, qual militar se atreveria a sair para fazer uma declaração pública contra Maduro?”
Enquanto avança a investigação para esclarecer a morte dos dois simpatizantes da oposição e um do chavismo, Maduro destituiu o general Manuel Bernal como diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), depois que reconheceu que membros desse corpo descumpriram a ordem de aquartelamento e não sair à rua na quarta-feira, dia 12. “As únicas polícias e funcionários que deviam estar nas ruas, para conter a violência, era a Polícia Nacional e a Guarda Nacional na retaguarda”, disse o governante.
Como em 2002, amplos setores populares apóiam o chavismo, ao passo que entre as classes médias e altas percebe-se o maior descontentamento com o governo. Em abril daquele ano, quatro canais de televisão apoiaram abertamente o golpe e exerceram um bloqueio informativo omitindo a transmissão das manifestações de apoio a Chávez. Exemplar é a imagem das sedes da Radio Caracas Televisión (RCTV), Globovisión e Venevisión rodeadas por simpatizantes do governo que clamavam: “informem a verdade”.
Mas a política de comunicação pública do chavismo mudou a partir dessa data, avançando contra a concentração da mídia em mãos privadas. Em 2007, o governo não renovou a licença à RCTV e começou a revisar a licença de uma dezena de canais de comunicação que descumpriram os pagamentos de impostos ou não estavam legalizados. No ano passado, a Globovisión mudou de proprietário e sua linha editorial deixou de ser ultra-opositora e diz-se que o dono da Venevisión compactuou com a situação, moderando sua oposição. O governo, além de contar com o canal estatal Venezolana de Televisión (VTV), incorporou outras emissoras afins: Telesur, TVES, ViveTV e Avila TV. Então, a cobertura do noticiário local é muito diferente, a tal ponto que a oposição se queixa de estar invisibilizada. O mesmo não acontece com os jornais: El Universal e El Nacional continuam sendo os mais importantes da Venezuela, com uma linha editorial opositora. Ao contrário de 2002, as redes sociais, desta vez, são utilizadas para veicular imagens e organizar concentrações.
É do conhecimento de todos que os Estados Unidos financiaram organizações não governamentais opositoras nos albores do efêmero golpe de 12 anos atrás. Basta revisar os cabogramas do Departamento de Estado revelados pelo Wikileaks. O governo venezuelano garante que funcionários consulares norte-americanos fizeram contatos entre 2012 e este ano com “dirigentes que captam para o entretenimento, financiamento e criação de organizações juvenis mediante as quais se promove a violência”, segundo explicou o chanceler Elías Jaua, na segunda-feira passada, ao anunciar a expulsão de três diplomatas estadunidenses. Washington negou as acusações. Os atores são os mesmos, mas o contexto nacional e regional é outro. A Venezuela conta com o apoio dos blocos Mercosul, Celac e Unasul, mas a situação econômica é mais complicada que há uma década.

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