Louvações a FHC lembram lenda da França do século XVII sobre monarca aprisionado pelo próprio irmão
Os elogios à presença de Fernando Henrique Cardoso na campanha de Aécio
Neves ameaçam transformar o ex-presidente numa versão tropical do Homem
da Máscara de Ferro.
Personagem de uma lenda política da França do século XVII que acabou
transplantada para um episódio dos Três Mosqueteiros, a estória diz que o
Luís XIV tinha um irmão gêmeo. Para evitar que ele resolvesse lutar
pelo trono, o Rei Sol resolveu trancafiá-lo em masmorras impenetráveis e
sombrias, escondendo sua verdadeira identidade com uma máscara de ferro
que mal lhe permitia respirar ou se alimentar.
FHC é o homem da máscara de ferro do PSDB. Em pleno século XXI, tenta-se
fazer o eleitor acreditar que ele se tornou prisioneiro dos próprios
colegas de partido, que teriam decidido esconder o ex-presidente dos
eleitores pelo receio de serem ofuscados pelo prestígio de Fernando
Henrique.
Eu acho ótimo que Fernando Henrique esteja presente à campanha de 2014.
Irá silenciar o coro interesseiro que sempre apontou a presença de Luiz
Inácio Lula da Silva na campanha de Dilma como sintoma de que o PT
queria instalar um regime bolivariano no Brasil.
Sua participação dará um pouco de memória à disputa, permitindo ao
eleitor estabelecer os troncos políticos de cada concorrente.
Em nossa quinta eleição presidencial por voto direto desde 1989, essa
continuidade é um avanço na construção de um sistema de partidos
representativos, com história e alguma coerência.
A dúvida é sobre o efeito FHC sobre os eleitores.
Em certa medida, este papel parece claro. O ex-presidente tentará
acentuar a tensão e o descontentamento de parte da elite econômica do
país com o governo Dilma. Tentará emprestar a Aécio uma parte da
credibilidade que possui.
Longe das urnas, até Dilma Rousseff reconheceu méritos no governo de Fernando Henrique.
Na prática, a dúvida é saber se FHC ajuda a ganhar votos, pois é para isso que as pessoas sobem no palanque, não é mesmo?
Em 2002, José Serra conseguiu atravessar a campanha inteira sem pronunciar um único elogio a FHC.
Em 2006, Geraldo Alckmin manteve o ex-presidente na sombra até que o
próprio Lula, no debate pela TV no segundo turno, colocou Fernando
Henrique em discussão, ao lembrar as privatizações. Alckmin perdeu o
equilíbrio e as últimas esperanças de gerar calor na corrida na reta
final.
Fernando Henrique criou o real, defendeu a moeda e fez um governo que teve muitos méritos.
Ganhou duas eleições no primeiro turno, o que Lula nunca conseguiu.
Mas FHC deixou o Planalto em ambiente de catástrofe, coisa que nunca se viu depois dele.
A inflação se aproximava dos dois dígitos. O Real descia para um fundo
de poço que transformava a "moeda forte" em motivo de piada do povo e
pesadelo dos empresários, nocauteados pelas dívidas em moeda
estrangeira.
FHC deixou o Planalto com a popularidade negativa em 13 pontos. Dilma
Rousseff caiu nos protestos de junho. Mas se recuperou em poucos meses.
Fernando Henrique não.
Ocorreu um dado mais grave, que complicou tudo. Lula não fez sua parte
para ajudar na recuperação de FHC. Não criou o efeito "eu era feliz e
não sabia" que tantos analistas adversários ofereciam como mercadoria
garantida.
Recebido pelo mercado com os piores presságios, inclusive um cálculo do
Goldman Sachs, chamado “lulômetro", que media o impacto negativo das
declarações do candidato do PT sobre a economia, Lula fez um governo
indiscutivelmente melhor do que o antecessor. A economia cresceu o
dobro: 4,4 por ano, em média, contra 2,2%. A renda foi distribuída. Os
gastos sociais se multiplicaram e o mercado interno ganhou impulso como
nunca se viu. O desemprego caiu.
E se havia uma conjuntura externa favorável, seria desonesto ignorar as
diversas medidas de política econômica do governo Lula que tiveram um
impacto positivo na economia. FHC também teve conjunturas favoráveis -- e
aproveitou menos. Também teve conjunturas desfavoráveis -- e reagiu
pior. A economia de Dilma, de quem os cronistas reclamam o tempo
inteiro, fechou 2013 um pouquinho melhor que a média de FHC: 2,3%. Mas o
desemprego sempre foi melhor. A distribuição de renda também. A redução
da desigualdade prosseguiu.
A maldade e a inveja são elementos conhecidos da política. Mas é essa memória que atrapalha FHC.
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