A lição dos embargos
Paulo Moreira Leite
Paulo Moreira Leite
O resultado dos embargos infringentes confirma aquilo que era possível
saber há muito tempo. Se os réus da AP 470 tivessem tido direito a um
julgamento de acordo com os fundamentos do Direito, quando todos têm
acesso a pelo menos um segundo grau de jurisdição, o resultado teria
sido outro.
Iludidos por uma cobertura tendenciosa dos meios de comunicação, que
fizeram um trabalho faccioso, como assinalou mestre Janio de Freitas há
dois anos, muitas pessoas podem estar até inconformadas com o
resultado. Vão reclamar pelos bares, balançar a cabeça em tom de
reprovação. Errado.
Tradicional direito dos regimes democráticos, um segundo julgamento
oferece, a quem foi condenado, a chance de ser examinado por outro
tribunal. Outros juízes, outros olhares. Outras provas e outras
testemunhas. Quem reclama do voto de dois juízes novos deve ter em mente
que, num novo julgamento, haveria onze juízes novos.
Deu para entender? Eu acho que o resultado final corrigiu algumas injustiças, poucas.
Só foi possível debater as condenações que haviam obtido quatro votos em
contrário, isto é, que eram tão obviamente fracas que na primeira fase
foram rejeitadas por 40% de um plenário que muitas vezes tinha apenas 10
juízes. Se o STF tivesse desmembrado o julgamento, o que fez no
mensalão PSDB-MG, o saldo teria sido outro, obviamente.
Foi por isso que Joaquim Barbosa fez o possível para impedir os embargos.
O tom, nos debates sobre infringentes, era de ameaça e alerta.
Olha só: Joaquim não só tentou impedir o debate sobre embargos. Antes,
conseguiu impedir que os próprios juízes debatessem o inquérito 2474,
que tem indícios e testemunhos que oferecem uma visão mais equilibrada e
mais completa do caso, o que teria sido de grande utilidade para um
debate com mais fundamento sobre as provas.
Guardo na memória, conservada no Youtube, uma intervenção indignada de
Celso de Mello exigindo que o plenário tivesse acesso ao inquérito
sigiloso. Quem for a internet verá Joaquim, mãos nervosas, voz fraca,
frases saindo com dificuldade, dizendo que não era conveniente, não
havia grandes novidades e, importantíssimo!, gravíssimo!, iria atrasar a
decisão, que não poderia ocorrer no ano 2012 -- aquele, nós sabemos, em
que haveria eleições municipais.
As provas usadas no “maior julgamento da história” eram frágeis demais
para penas tão fortes. Escrevi isso aqui em 2012, depois de assistir ao
julgamento pela TV. Ninguém tinha noção, então, das falhas e
incoerências muito maiores, que temos hoje. A maioria dos analistas não
queria se comprometer. Não debatia o mérito das acusações. Queria
discutir o ritual, o processo.
Sabemos, agora, que não houve desvio de recursos públicos – e que isso
não foi uma descoberta recente, mas estava lá, nos autos da AP 470, em
auditorias, documentos e testemunhos de dezembro de 2005. Imagine você:
seis meses depois da entrevista de Roberto Jefferson era possível saber
que havia muito erro naquilo que dizia a denúncia.
Também sabemos de outra falha essencial. Acreditando, ou não, que eram
recursos públicos, também foi possível ter certeza de que as contas
batiam e que era difícil demonstrar – tecnicamente – que houve desvio.
Analisando um período de cinco anos de campanhas da DNA, que incluíram
dois anos de governo FHC, três de governo Lula, a Visanet, proprietária
assumida do dinheiro, como explicou nas inúmeras vezes em que foi
solicitada a se manifestar sobre isso, notou uma falha de R$ 6 milhões
de num total de R$ 151 milhões – uma diferença que depois seria
explicada pela agência. Mesmo assim, estamos falando de R$ 6 milhões. Se
for um desvio, equivale a 4% do dinheiro. Lembra do julgamento? Diziam
que o desvio fora de R$ 73,4 milhões, uma conta de chegar, mal feita e
improvisada. Descobriram que essa fora a verba para a DNA em quatro anos
e concluíram: 100% tudo foi roubado. Não provaram, não fizeram contas,
não demonstraram. Numa visão desinformada, amadora, da situação,
imaginaram que as pessoas abriam o cofre e pegavam o que tinha dentro.
Não dá para acreditar mas foi isso o que correu.
Ganharam no grito.
Perderam -- um pouco -- agora.
É por isso que a perspectiva, agora, é de obter uma revisão criminal do
julgamento. Ou seja: um segundo julgamento. É uma via estreita e
difícil, como disse com muita razão o ministro Marco Aurélio de Mello.
Podemos ter novas de teatrinho indignado, proclamações moralistas e
assim por diante. O mais importante, que é o debate sobre o mérito, o
conteúdo da denúncia, já começou. E basta abrir os olhos para entender o
que está acontecendo.
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