quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Espremendo o inchaço da mídia


Copiado do Blog Oleo do Diabo, do Miguel do Rosário, que está em Minhas Notícias.

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Saraiva
Espremendo o inchaço da mídia

Link da pintura.
(Vou dar um descanso nas fotos dos sobrados da Lapa, senão vocês enjoam.
Inicio agora uma série de boa arte contemporânea).
Tornou-se redundante falar da importância da blogosfera para o debate político, mas na última sexta-feira me deparei com notícia, no blog do Nassif, que me surpreendeu de um jeito que pensei que já não era possível. É tanta barrigada, tanta manipulação, desmentidas cabalmente nos dias seguintes, que você acaba se cansando desse joguinho enjoado e tenso de credulidade e dúvida a que nos entregamos sempre que lemos um jornal. Depois de um tempo, por simples quebra de rotina, tentamos acreditar em alguma coisa, e o resultado é sempre frustrante.Pois então, a notícia em questão era uma nota de um comentarista do blog do Nassif, perguntando se ele tinha visto um estudo do Ministério do Planejamento, intitulado "O mito do inchaço da força de trabalho do Executivo Federal".O estudo é do início deste ano e eu já tinha ouvido falar dele. Inclusive o mencionei superficialmente em um ou outro post. Mas como a grande mídia não o divulgou e como não caiu (ao menos não na intensidade merecida) no boca a boca da blogosfera, esqueceu-se dele, e eu nem cheguei a passar a vista no documento original, disponível gratuitamente no site do Ministério (confira o PDF aqui). Daí que pensei duas coisas: primeiro, como ainda estamos dependentes da mídia, para deixarmos passar quase em branco um trabalho tão importante como este; segundo, como a blogosfera é fundamental para nos salvar dessa dependência.Esse estudo, ia dizendo, encaixa-se maravilhosamente na candente polêmica que a mídia tem provocado nos últimos tempos, a de que o governo federal estaria promovendo um inchaço do Estado; outro dia, o Estadão publicou editorial falando sobre "herança maldita" para o próximo governo. A gente sabe que se trata de uma acusação típica da direita, e ainda por cima importado da direita norte-americana, mas não deixa de ser um flanco mais ou menos vulnerável da esquerda, porque a população, naturalmente, não quer se sentir extorquida por um Estado perdulário. Pagar imposto é um ato doloroso em qualquer lugar do mundo, e ainda mais no Brasil, onde o senso de pátria é tão ridicularizado.Sempre fui micro-empresário, além de repórter e tradutor free-lancer; nos últimos tempos, porém, tenho andado muito sem dinheiro; sem embargo, o que já paguei de imposto, nesse mesmo tempo em que ando sem grana, permitiria-me bancar a sagrada cerveja por duas ou três gerações. Minha mãe, tadinha, professora aposentada pelo município, é outra martirizada pelos dentes implacáveis do Leão; caiu na malha fina da Receita, há poucos meses, por conta de uma confusão dos gastos dela com saúde, e terá que parcelar uma enorme dívida por cinco anos. Sei muito bem, portanto, o que é pagar imposto. Irrita mesmo. Mas é assim no mundo inteiro. A imprensa oposicionista, naturalmente, usa essa irritação natural contra o governo para aplicar um golpe partidário. Ao acusar o governo Lula de inchar o Estado, todavia, sem contextualizar a notícia, realiza antes uma desinformação interessada do que qualquer outra coisa. Seria útil que a imprensa pegasse no pé do governo federal para evitar que ele empregue mais que o necessário; mas o certo seria informar aos cidadãos, em detalhes, quais são os empregos criados; qual o histórico dos últimos anos na relação com o PIB e população; que fizesse a comparação com outros países; e que monitorasse também, para efeito de comparação, a situação nos estados, pois pagamos também altos impostos para o fisco estadual. Pois bem, a imprensa não quis fazer esse tipo de pesquisa, que não seria nenhum difícil empreendimento; com certeza, alguma empresa ou instituição ou sindicato patronal patrocinaria, com farta publicidade, uma iniciativa deste gênero.O Ministério do Planejamento, no entanto, fez. É a única uma importante pesquisa que temos (conferir comentário sobre uma outra pesquisa, de Wanderley Guilherme dos Santos, ao final do post). Se você não confia nos técnicos do Ministério do Planejamento, então arregace as mangas e faça você mesmo. Esses são dados essenciais para a população poder monitorar o poder público.Copiei os principais gráficos e tabelas do estudo e os publico aqui, abaixo, acrescentando um gráfico do PIB nos últimos anos, catado no site do Banco Central. Sobre o PIB, note que ele passou de menos de 500 bilhões em 2002 para 1,6 trilhão de dólares em 2008; um aumento de 220%. Enquanto isso, o número de servidores do Executivo federal, segundo o estudo citado, cresceu pouco mais de 11%, de 2003 a 2008. Creio que não é preciso mobilizar todas as células cinzentas para perceber que, se o PIB cresceu de forma tão relevante, temos mais responsabilidades e, portanto, necessidade de elevar um pouco o número de funcionários. A população também cresceu, de 169,6 milhões em 2000 para 191,7 milhões de pessoas hoje (site do IBGE); um aumento superior a 12%. O que a imprensa queria, que o país congelasse seu contingente de funcionários independentemente do crescimento da população e do PIB?(A imprensa não informa ainda que, durante a gestão Fernando Henrique Cardoso, houve uma enorme transferência de vagas de concursados para empregos temporários, através de contratos com firmas terceirizadas; uma prática condenada pelo Tribunal de Contas da União, e que, felizmente, foi bastante reduzida no atual governo. Mas isso é outra história.)Enfim, o estudo do Ministério - que recomendo aos interessados ler com atenção (ou pelo menos examinar os gráficos abaixo), pois seu conhecimento será importante na disputa política que se trava hoje entre as divergentes correntes ideológicas - revela que o Brasil tem menos funcionários públicos, em relação ao total da população, que a maioria dos países com os quais vale a pena comparar. Nos Estados Unidos, por exemplo, pátria do liberalismo e das idéias do Estado mínimo, existem 9,82 funcionários para cada 1000 habitantes. Nós temos 5,32 funcionários. Comparar com a França, onde existem 38 funcionários para cada 1000 habitantes, é covardia. O México, sem nenhuma fama de nação que preza o bem estar social, tem 8,46 funcionários públicos por 1000 habitantes. Detalhe: os números referentes ao Brasil incluem funcionários de empresas estatais e de economia mista, o que significa que a piãozada da Petrobrás participa da brincadeira.O Ministério fez ainda uma comparação entre o tamanho do funcionalismo no Executivo federal e na unidade mais rica da federação, São Paulo; chegando a uma conclusão surpreendente. O Estado de São Paulo tem mais funcionários que o governo federal; incluindo aí apenas funcionários ativos do Executivo. Neste ponto, alguns leitores do Nassif, naturalmente os que defendem os tucanos de São Paulo, advertiram que pode haver diferenças de metodologia que afetem a comparação. Bem, isso somente uma análise rigorosamente técnica e neutra dos dados pode esclarecer e muito me espanta que a imprensa não tenha se dado sequer ao trabalho de fazer isso. Ela simplesmente escondeu o estudo, tão importante para o debate político nacional, do conhecimento de seus leitores. Fortunadamente, temos a blogosfera. Se depender de mim, esse estudo será lembrado toda a vez que eu escutar a ladainha do inchaço da máquina pública.Também quero pagar menos imposto. O que não admito é ser enganado ou assistir a imprensa tentando enganar o povo, vendendo um inchaço que não existe. Uma das razões d'eu votar na esquerda é que defendo um Estado com serviços públicos melhores e mais abrangentes. Não acredito que há futuro nos serviços médicos privatizados, porque as doenças são públicas e, se houver um doente pobre na rua, ele vai transmitir a doença para o rico com plano de saúde que por ele passar. A saúde, portanto, tem que ser pública, gratuita e universal. E a educação também, para termos uma cultura mais vibrante e democrática.Clique nas tabelas publicadas ao final do post para poder vê-las num tamanho decente.*
Post Scriptum:Dois dias depois de publicado o texto acima, eis que descubro uma retumbante ausência nele: o livro do professor Wanderley Guilherme dos Santos, publicado em 2006, intitulado "Ex-Leviatã Brasileiro", exatamente sobre esse tema. Encontrei-o na biblioteca nacional, li-o, e agora teço alguns comentários.Santos aborda em profundidade a questão do tamanho do funcionalismo público no Brasil. Junto à sólida argumentação científica, uma revolta discreta, nem sempre contida, perpassa a obra: contra a mistificação, constante na história brasileira, sobretudo no pós-vargas, de que o país possuía um funcionalismo "inchado", preguiçoso, incompetente, com salários de marajá. O principal problema identificado por Santos no funcionalismo estatal é a distribuição irregular de cargos, com excesso de burocratas em alguns setores e falta de pessoal em áreas sociais (médicos, professores, cientistas, por exemplo). Mas, no cômputo geral, a conclusão de Santos sobre o funcionalismo público no Brasil pode ser vislumbrada, em parte, nos seguintes trechos, que copiei do livro:
Do exame dos fatos resulta que a burocracia federal brasileira (...) é comparativamente reduzida, correspondente a reduzida percentagem da força de trabalho nacional, (...) face a totalidade do emprego privado, (...) educacionalmente bem qualificada, tendo em sua vastíssima maioria, ingressado no setor público através do exame, ou seja, por mérito, e se apropria de discreta parcela da renda nacional, sob a forma de salários modestos, por comparações internacionais. (...)Pesquisas internacionais mais recentes continuam DESAUTORIZANDO [a caixa alta é do blogueiro] manifestação de escândalo diante dos números nacionais. A participação do funcionalismo público brasileiro no emprego total continua significativamente baixa, mesmo quando se tomam todos os níveis de governo. A obra traz inúmeras estatísticas, de variadas fontes, para corroborar a tese de que o funcionalismo público no Brasil, comparativamente a outros países, é reduzido. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil possuía, em 1996, 7,8 milhões de funcionários públicos, em todas as esferas, o que representava 11,5% do total de empregados na economia. Considerando a pesquisa da OIT em 72 países, apenas sete "contavam com um quadro de funcionários públicos cuja participação no emprego total é inferior à brasileira".Participação do funcionalismo público no emprego total em alguns países:
Austrália - 21%
Canadá - 20,1%
Dinamarca - 26%
Finlândia - 16%
Inglaterra - 18,9%
EUA - 16%
Santos faz ainda uma outra observação fundamental. Em face do alto nível do desemprego no Brasil, em comparação com as nações desenvolvidas, a participação do funcionalismo público no quadro total do emprego parece maior do que é efetivamente. Tanto é assim que a queda no desemprego verificada em anos recentes tem acarretado em expressiva queda na participação do emprego público no emprego total do país.
Ao avaliar a evolução do emprego público no Brasil, portanto, NÃO É LEGÍTIMO OMITIR [caixa alta do blogueiro] as comparações internacionais, nem o elevadíssimo nível de desemprego no país, pois é sobretudo o desemprego total que favorece a disseminação da HIPÓTESE FANTASIOSA de que a burocracia brasileira é patologicamente desmesurada e está condenada por sua gênese clientelista.Sobre o livro de Santos cabem ainda muitos outros comentários. Arrisco-me a fazer alguns, à guisa de resenha.Santos faz uma crítica à forma superficial com que setores políticos do país (aí incluindo a imprensa, embora o cientista jamais a nomine) criticam o significado de Getúlio Vargas para o país. Ele observa que foi na chamada "era Vargas" que o Brasil iniciou, definitivamente, uma ruptura com a prática clientelista e nepotista do serviço público, com a instauração de processos de seleção mais imparciais e modernos. Com Vargas, o serviço público nacional efetivamente se moderniza, em linha com a evolução verificada nos países desenvolvidos.O livro observa a questão do funcionalismo público no mundo e verifica que o processo de desenvolvimento econômico e social implica, necessariamente, em aumento e sofisticação da participação do funcionalismo público nos serviços essenciais do país. É uma evolução natural e quase inevitável, diante dos problemas gerados pelo próprio desenvolvimento. Ele mostra gráficos, contudo, que indicam que a participação do funcionalismo público no quadro do emprego total tende a se estabilizar quando as carências básicas da nação começam a ser satisfeitas. Vários problemas complexos do funcionalismo são abordados no livro, inclusive de natureza psicológica. Algumas instituições fechadas, onde os debates, em função da natureza dos serviços (de ordem monetária, fiscal e econômica, por exemplo, que necessitam de segurança e segredo), são interditos, geram tensões emocionais enormes no corpo dos empregados. Invejas, vaidades, fobias, eclodem com violência singular. Enfim, as instituições públicas têm problemas naturais, vinculados à própria natureza do ser humano, e por isso nunca serão perfeitas. É necessário haver uma crítica ao Estado e ao funcionalismo público. O que se requer, todavia, é um mínimo de esclarecimento científico. A crítica leviana sobre "inchaço" do funcionalismo público, sem um mínimo estudo sobre a literatura especializada, ou seja, sem sequer abordar os estudos acadêmicos realizados sobre o tema, como o trabalho recente do Ministério do Planejamento e o livro de Wanderley Guilherme dos Santos, flertam com a desonestidade jornalística e a histeria anti-nacionalista, prejudicando, efetivamente, o debate político e, com isso, o próprio desenvolvimento do país. Na ponta dessa cadeia de injustiças, é bom não esquecer, estão milhões de brasileiros os quais, durante muitas décadas, foram e ainda são torturados pela fome e pela humilhação econômica, enquanto esperam as elites terminarem de bater boca através dos jornais e decidirem fazer alguma coisa em prol da sociedade da qual - embora de má vontade - fazem parte. *
# Escrito por Miguel do Rosário # Segunda-feira, Setembro 14, 2009 5 comentarios # Etichette:

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