Pouco a pouco, o julgamento da ação penal 470 vai chegando a hora mais
espetacular – aquela de tirar as fotos de José Dirceu, José Genoíno,
Delubio Soares e outros mais na porta da prisão.
Aprovado pelo placar de 11 votos a 0, o pedido de prisão teve uma
característica muito particular. Não se limitava aos réus de culpa
consolidada e sedimentada, que, formalmente, já haviam perdido direito
legal a apresentar novos recursos. O pedido foi além.
Fatiou as penas e incluiu aqueles condenados que têm direito assegurado
aos embargos infringentes, o que dá à medida um componente político
óbvio porque apenas com essa inclusão se garantiu a prisão imediata José
Dirceu, José Genoíno, Delubio Soares e outros mais. Ou seja: sem a
ampliação, não haveria a foto.
Sei que esse fatiamento não é uma medida original. O professor de
Direito Penal Claudio Lagroiva Pereira, da PUC de São Paulo, lembra que é
uma situação que ocorre vez ou outra, em instancias inferiores da
Justiça. Em qualquer caso, não é uma medida automática. Cabe a cada juiz
decidir se aplica ou não essa regra. No caso dos condenados do PT, ela
foi aplicada.
Deve ser coincidência, concorda?
Também são juízes do Superior Tribunal de Justiça que decidiram que as
penas de cinco diretores do Banco Nacional, condenados a sentenças entre
8 e 17 anos de prisão, ainda não transitaram em julgado. Por isso eles
não foram presos.
O banco sofreu intervenção em 1995 depois de aplicar um golpe de 5
bilhões (700 vezes aquilo que se diz que o mensalão desviou).
A condenação completou dez anos e até hoje o STF considera que não transitou em julgado.
Não custa lembrar. O fundador do Banco Nacional foi um dos líderes do
golpe de 64. Uma das sócias do banco foi nora de Fernando Henrique
Cardoso. Deve ser outra coincidência.
O caso tem 18 anos, na prática. Se tivessem os mesmos direitos, os réus
da ação penal 470 teriam direito a ficar em liberdade pelo menos até
2023. Bacana, né?
A proposta de prisão imediata dos condenados não estava na pauta do julgamento e foi colocada de surpresa por Joaquim Barbosa.
Atos de surpresa não são benvindos na Justiça mas, por 9 a 2, os
ministros recusaram o pedido de abrir a palavra aos advogados de defesa,
o que seria bastante razoável do ponto de vista dos direitos dos réus.
Ricardo Lewandovski sugeriu um prazo de cinco dias para uma discussão
melhor sobre o assunto. Foi apoiado por Marco Aurélio Mello e só. A
pressa pagou seu preço inclusive no plano técnico. Como se viu depois do
julgamento, o STF tinha necessidade de vários dias para recalcular as
penas e examinar a situação de cada réu.
Em vez do debate, do contraditório, que é a essência da Justiça, ainda
mais quando envolve a privação de liberdade de uma pessoa, o que temos é
um show, coerente com o princípio enganoso de que uma imagem vale por 1
000 palavras.
Muita gente, até hoje, associa o mensalão a uma imagem, daquele diretor
dos Correios que aceitou uma propina de 3 000 reais. Seria a primeira
“prova.” Esqueceram das palavras: tratava-se de um flagrante forjado por
amigos do bicheiro Carlinhos Cachoeira, interessados num acerto de
contas entre fornecedores da estatal. O assunto não tinha a ver com o PT
nem com José Dirceu.
O caso ficou fora da ação penal 470 e, por uma coincidência negativa –
não prejudica quem se gostaria de prejudicar -- ninguém sabe quando será
julgado.
Muitas pessoas lembram de Roberto Jefferson prestando depoimento no
Congresso, com sua voz de barítono e oratória perfeita. Outras palavras:
depondo à Justiça, ele disse que o mensalão era “criação mental.”
Em função dos mandados de prisão, já podemos ouvir vozes falando na recuperação da imagem do país. O próprio Joaquim disse”
“Quando as instituições se degradam, o País se degrada”.
Vamos prestar atenção. Ainda que se recorde que os protestos de junho
enviaram uma mensagem de descontentamento bruto, não é razoável perder a
medida das coisas.
É certo que há problemas em toda parte, inclusive no Supremo. A condução
do julgamento do mensalão está longe de ser uma unanimidade entre
juristas. Mestre insuspeito de simpatias petistas, Ives Gandra Martins
sustenta que os réus da ação penal 470 foram ofendidos em seu amplo
direito de defesa. É escandaloso que o próprio STF que decidiu
desmembrar o mensalão PSDB-MG tenha negado os mesmos direitos ao réus da
ação penal 470. Com isso eles teriam mais direitos, a começar por um
segundo grau de jurisdição.
O cirquinho talvez não fosse tão animado – quantas reportagens você já
leu sobre o julgamento em Belo Horizonte? -- a hora de tirar a foto
poderia demorar um pouco mais. Mas ninguém teria tantas dúvidas sobre
aquela noção de que todos são mesmo iguais perante a lei, não é mesmo?
Também seria possível debater com mais profundidade acusações que foram
tão mal demonstradas que só era possível sustentar a denuncia com base
numa teoria exótica para o caso, do domínio do fato.
Escândalo internacional, o propinoduto do PSDB-SP bateu um recorde de
engavetamentos. Ninguém sabe mais quantos inquéritos foram abertos e
arquivados. Nenhum dos oito pedidos de informações da Justiça suíça foi
atendido. O caso estava a caminho do esquecimento até que uma serie de
reportagens corajosas de Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e
Sergio Parcellas, na Istoé, mostrou os fatos em toda sua dimensão.
Cabe observar algumas questões, contudo. Do ponto de vista político, o
Brasil atravessa o mais longo período democrático de sua história. As
sucessões presidenciais se processam sem atropelos desde 1989, e a
campanha de 2014 está aí, com 3 candidatos – ou melhor, 3 ½ -- em pleno
fôlego. Na economia, o país não precisa se submeter ao FMI, como
acontecia antes. A vida dos pobres melhorou, os negros nunca tiveram
tantas oportunidades. Depois de passar uma década dizendo que o Bolsa
Família era demagogia eleitoreira, a oposição agora quer cobrar direitos
autorais.
É por isso que eu acho que nossos sociólogo e profetas da crise deveriam
ser mais atentos ao fatos. O país não está a caminho do precipício e,
como se percebe pela presença de três herdeiros de Luiz Inácio Lula da
Silva em campanha, o copo está bem mais cheio do que vazio. Quem não
percebe isso está confundindo a realidade com seus desejos, e só pode
querer abrir caminho para salvadores da pátria.
Apenas crises artificiais se resolvem com medidas artificiais – como uma foto.
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