Mais responsável do que ninguém por um eventual segundo turno, Marina corre o risco de ficar de fora — se ele ocorrer
Uma cena decisiva da campanha de 2014 ocorreu num dos ultimos momentos
do debate de ontem, quando Eduardo Jorge e Marina Silva se encontraram
num momento pergunta-e-resposta.
Discutindo taxa de juros, politica economica e crescimento, o candidato
do PV falou uma verdade trivial. Condenou o rentismo, sistema de
enriquecimento dos endinheirados brasileiros, que permite que
investidores ganhem dinheiro
na ciranda financeira enquanto “passeiam pela Europa.” Falou que a taxa
de juros precisa cair para que o trabalhador tenha crédito para
consumir e para que o empresário possa pegar empréstimos no banco para
investir. Eduardo Jorge disse que os juros deveriam estar “um pouco
acima da inflação, como é no mundo todo,” e não nos patamares de hoje —
a taxa Selic se encontra em 10,9%.
Na prática, Eduardo Jorge foi simpaticamente demagógico em sua
colocação, e tentou facilitar as coisas para Marina. Deixou de lembrar
que, mesmo em seu patamar atual, a taxa de juros é uma das menores da
história e se houve um nível mais baixo, ele foi atingido em agosto de
2011 e nos meses seguintes, no próprio governo Dilma. Candidato de um
partido que definiu como conservador, reformista e revolucionário,
Eduardo levantou a bola, deixando a platéia presente ao debate na
espectativa de que Marina ajeitasse para um golaço.
O que se viu foi uma cena surpreendente. A candidata do PSB ficou em
silêncio, como se estivesse em dúvida e precisasse pensar muito para
maldizer os juros altos.
Quando abriu a boca, foi para usar palavras de economistas
conservadores: disse que os juros se tornaram altos no Brasil porque o
governo não controla os gastos nem a inflação.
Eu não esperava que Marina reconhecesse que o discurso exagerado sobre o
fantasma do “descontrole inflacionário”, muito mais imaginário do que
real, foi uma das bandeiras dos aliados do sistema financeiro para
pressionar o Banco Central a reajustar os juros a partir de 2013, numa
intervenção que ajudou a prejudicar o crescimento no final do governo
Dilma. Também não pensava que Marina fosse capaz de denunciar os lucros
espetaculares dos bancos brasileiros, em larga medida assegurados pelo
patamar dos juros. Mas achava que ela teria coragem de defender o
crescimento e o emprego, lembrando que os juros baixos são condição para
o investimento produtivo. Para quem não perdeu o costume de lembrar sua
origem no “seringal”, e ontem recordou sua passagem pela direção da CUT do Acre, seria uma oportunidade e tanto, vamos combinar.
A resposta evasiva de Marina demonstra que o principal traço de sua
atual personalidade política são os compromissos com o mercado
financeiro. Tão profundos que a candidata não se permitiu, siquer, uma
bravata demagógica nesse campo — embora tivesse tirado o 13º do Bolsa
Família do colete. Em sua última aparição antes da caminhada às urnas,
preferiu mostrar-se confiável aos senhores (e senhoras, como Neca
Setubal) que têm nas mãos os fios que pressionam os governos, todos
eles, e fazem a economia andar conforme seu gosto. Foi uma cena
didática.
Na fase atual da campanha, o desmanche da candidatura Marina Silva
provoca analistas e politicólogos. Um dos responsáveis reais pelo
desastre já achou outro culpado: “é o marketing selvagem Dilma x Marina,
calcado na exploração da credulidade, na mentira calculada e na
excitação do medo,” escreve Eduardo Gianetti, o bom-moço do
conservadorismo radical que ficou tempo demais na vitrine eleitoral de
2014 para que suas ideias impopulares não pudessem ser reconhecidas pelo
eleitorado.
Nenhuma candidatura foi tão protegida pela cobertura generosa dos meios
de comunicação, que santificaram a nomeação de Marina Silva como
substituta de Eduardo Campos. O tratamento se explica pelo que acontecia
antes de sua entrada na campanha.
Para tristeza da maioria dos analistas, quando Eduardo Campos morreu, a
eleição avançava para uma disputa com grandes chances de se resolver em
primeiro turno — a favor de Dilma. O Ibope de julho marcava 38% para a
presidente, contra 36% para a soma dos adversários. O Data Folha trazia
números semelhantes e era só imaginar o efeito do horário político sobre
eleitores indecisos, boa parte deles intoxicados pela cobertura
negativa da mídia adversária do governo, para entender o que poderia
ocorrer.
Aécio não saia do mesmo patamar em que se encontra hoje — em torno de
20% — e o concorrente do PSB ficava entre 10%. A novidade foi Marina e
bastava conhecer suas intenções de voto para adivinhar o que poderia
acontecer. O quase-nanico concorrente do PSB seria substituído por uma
candidatura tamanho grande. Arriscado para Aécio. Mas bom para a
estratégia de quem pretendia vencer Dilma de qualquer maneira. Marina
entrou na campanha para garantir votos que levariam a um segundo turno.
Por essa razão, jornais e revistas evitaram apurar qualquer fato que
pudesse atrapalhar sua escalada. Jamais se interessaram de verdade pelas
conexões — legalmente inseparáveis — entre a vice e o titular da chapa,
particularmente preocupantes depois que se descobriu que o Cessna caiu
num oceano de intermediários e papéis pouco explicados. Um pouco mais
tarde, quando um repórter procurou, como fazem absolutamente todos os
jornalistas investigativos, informações constantes de um inquérito da
Polícia Federal aberto para apurar fatos ocorridos durante a passagem de
Marina Silva pelo ministério do Meio Ambiente, o caso foi denunciado
como intromissão e aparelhismo petista. Contrariando a enxurrada de
acusações contra Dilma e as habituais proclamações em nome da liberdade
de imprensa e contra a censura prévia, aquelas informações, que poderiam
prejudicar Marina, permaneceram em segredo.
Outro caso só seria mencionado no debate, ontem. Antigo membro do
Greenpeace, o presidente do Ibama que Marina nomeou e Dilma demitiu foi
investigado pela CGU e proibido, desde então, de ocupar cargo público.
As semanas finais da campanha mostraram Marina como uma candidata frágil
do ponto de vista político, em episódios que seria ocioso recordar
aqui. A cena ontem mostrou uma candidata em busca de uma nova coerência.
Capaz de lançar uma proposta-isca para os eleitores, como o 13o no
Bolsa Família, ela não se atreve a cometer qualquer gesto — nem um
comentário — que possa arranhar seus parceiros do capital financeiro.
Mais responsável do que ninguém por um eventual segundo turno, arrisca-se a ficar de fora.
Do Blog CONTEXTO LIVRE.
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