por Rodrigo Vianna
Quis o destino que o corpo do presidente João Goulart chegasse a
Brasília no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal concluiu etapa
substancial do julgamento do “Mensalão” – o que deve levar ex-dirigentes
petistas para a cadeia, entre eles o ex-ministro José Dirceu.
Dilma emocionou-se ao lado da viúva de Jango, na homenagem ao presidente deposto. De alguma forma, Dilma é a ponte entre duas tradições políticas: o trabalhismo de Vargas/Jango/Brizola e o PT.
Ao fim da ditadura (depois de pegar em armas, sendo presa e torturada),
Dilma escolheu o PDT de Brizola para atuar politicamente. Dilma já fez
elogios abertos a Jango e à tradição brizolista.
Curioso que o PT tenha surgido nos anos 70/80 com um discurso de crítica
à herança trabalhista. Mas, no poder, Lula aproximou-se da simbologia e
das tradições varguistas. Curioso também pensar que, se o “Mensalão”
não tivesse existido, hoje o presidente talvez não fosse Dilma, mas
exatamente o ex-ministro agora ameaçado de prisão. “Se”. Se Gighia não
tivesse acertado aquele chute rente à trave, o Brasil não teria perdido
do Uruguai em 1950… Como dizem os comentaristas, não existe “se” no
futebol. Nem na política. Nem na vida.
Ainda assim, é possível estabelecer paralelos entre os ataques sofridos
pelo PT e o lulismo e aqueles desferidos contra Vargas e Jango. Vargas –
não resta dúvida – foi um ditador nos anos 30 e 40. Mas em 1950 voltou
ao poder como líder democrático, e foi acuado pelo conservadorismo a
serviço dos Estados Unidos. Lacerda tentou cobrir Vargas com o “mar de
lama”. Nos anos 50, o discurso udenista sustentava que Vargas comandava
um governo corrupto. Contra Jango, em 1964, pesavam as mesmas acusações,
e ele ainda era apontado como líder de uma certa “República
Sindicalista”.
Vargas deu um tiro no peito em 1954, dentro do Palácio. Jango foi
derrubado por um golpe. Na época, a imprensa golpista comemorou:
“Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de
legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame
líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas” - era o que
dizia a “Tribuna da Imprensa”, jornal de Carlos Lacerda.
Mentira, claro. Jango tinha apoio popular – era o que indicavam as pesquisas às vésperas do golpe, como mostra Jorge Ferreira, em excelente livro sobre Jango.
A imprensa golpista de 64 criou o clima de caos e deu a impressão de
que todos queriam o golpe. Jango não saiu “escorraçado” do poder. Foi
derrubado.
“O Globo” também curtiu e compartilhou a ditadura: “Ressurge a
Democracia! Vive a Nação dias gloriosos” – dizia editorial de Roberto
Marinho. Aqui, na Carta Maior, você lê outros textos publicados por nossa brava imprensa democrática, nos dias seguintes ao golpe.
Certos setores de esquerda cultivaram durante anos a tese de que Jango
foi “covarde” por não reagir ao golpe. Quem acompanhava de perto o
presidente deposto diz que ele estava preocupadíssimo com uma
possibilidade: se resistisse, daria aos golpistas a desculpa para pedir a
intervenção dos Estados Unidos. Numa conversa recente, o jornalista
Mauro Santayanna disse a um grupo de blogueiros que teve o prazer de
ouvi-lo: “Jango temia a divisão física do Brasil”. Assim como haviam
feito na Koreia (e como fariam depois no Vietnã), os EUA poderiam
intervir e dividir o Brasil em dois. Jango preferiu manter a integridade
territorial brasileira. Teoria conspiratória?
Durante anos, a ideia de que Jango teria sido envenenado em 1976
(durante o exílio) também parecia uma “teoria conspiratória”. Por
insistência da família Goulart, o Brasil finalmente vai tentar descobrir
a verdade. Foram muitos anos, e talvez os traços de um suposto veneno
já não possam ser encontrados. Mas o governo Dilma toma uma atitude de
imenso valor simbólico. O corpo exumado em São Borja (RS) foi levado a
Brasília.
Jango “acovardado-escorraçado” dizia Lacerda. Jango estadista, recebido
com honras de chefe de Estado. A história se escreve lentamente. O
passado está sempre em disputa.
Dirceu, em algumas horas, pode ser preso como símbolo do “maior
escândalo da história” – como dizem os mesmos jornais golpistas de 64. A
imprensa podre quer mostrar Dirceu algemado, humilhado – da mesma forma
que Lacerda tentou humilhar o presidente deposto em 64.
Postado há 10 hours ago por Blog Justiceira de Esquerda
Do Blog Justiceira de Esquerda.
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