Como o jn trabalha com os detritos sólidos
Saiu no Viomundo:
por Marco Aurélio Mello, DoLaDoDeLá
Lembrei-me
do episódio que narro abaixo depois de ver a notícia de que o deputado
vai se candidatar à prefeitura de Salvador. E, segundo o presidente do
DEM, senador Agripino Maia, ACM Neto é o fato novo do partido, com
potencial para se projetar nacionalmente e reerguer a combalida legenda.
Pois bem, vamos aos fatos.
Minha chefe me convoca para ir a
Brasília. Pergunto se sou obrigado e ela responde que sim, que todos os
editores do Jornal Nacional em São Paulo (um por semana, quatro ao todo,
sendo três mulheres e eu). Quero saber se preciso ser o primeiro da
fila. Ela responde que não, que conversará com as outras editoras e
decidirá quem vai primeiro. Peço para, se possível, ficar por último.
Estamos em setembro de 2005.
A primeira colega foi, passou uma
semana e voltou, desamparada. A segunda também seguiu para lá e voltou
desmilinguida. A terceira editora entrou em licença médica. Assim,
sobrou para mim. Comprei uma caixa de Passiflora (calmante natural de
Maracujá) e segui viagem. Era para ser uma semana, mas fiquei duas.
Entrava ao meio-dia e saia depois que o Jornal da Globo terminava, não
raro depois da uma.
Minha tarefa era reforçar a edição do Jornal
Nacional e do Jornal da Globo, mas como chegava antes do Jornal Hoje
ainda ajudava a coordenar entradas ao vivo, isso quando não editava
alguma matéria bruta para eles também. Resumindo: trabalho semi-escravo,
desumano.
A capital federal ardia com duas CPIs simultâneas: a
dos Correios (Mensalão) e a dos Bingos, apelidade de “Fim do Mundo”, de
tão ampla. Investigou os assassinatos dos prefeitos petistas de
Campinas, Toninho do PT, e de Santo André, Celso Daniel; a “máfia do
lixo” em Ribeirão Preto; o escândalo da Loterj; a renovação do contrato
entre a multinacional GTech e a Caixa Econômica Federal para loterias;
os dólares de Cuba para a campanha de Lula; a máfia do apito no
Brasileirão, e por aí foi…
A “Fim do Mundo” teve papel importante
na derrocada do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, acusado de
envolvimento com a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo. O
caseiro afirmou ter visto Palocci na “casa do lobby”, mansão do Lago Sul
onde, segundo denúncias, a República de Ribeirão dava expediente e
festinhas para firmar negócios com empresários interessados em parcerias
com o Governo Federal.
Nas reuniões preparatórias dos
telejornais notei a existência de duas colegas, uma de São Paulo e outra
de Brasília, que não botavam a mão na massa. Ou melhor, botavam sim,
mas no cocô. Eram as duas porta-vozes do então todo-poderoso diretor de
jornalismo Ali Kamel.
O papel delas era articular a cobertura de
cima para baixo. Elas definiam no gabinete dos deputados quais seriam as
manchetes do dia seguinte de todos, digo, todos os jornais impressos e
telejornais do país. E como funcionava isso? Enquanto corríamos feito
loucos para assistir e noticiar os fatos daquele dia, elas se
encarregavam dos vazamentos.
Tudo o que era conversado a portas
fechadas, requerimentos sigilosos, acordos de bastidores, convocação de
depoentes, as duas tinham acesso primeiro e municiavam os colegas com os
desdobramentos daquilo que a Globo julgava mais conveniente à
cobertura.
O pivô desta relação promíscua, para não dizer
espúria, era o então deputado ACM Neto, apelidado carinhosamente de
“grampinho” (talvez inspirado pelo estilo do avô). Foi uma destas
colegas que delicadamente o aconselhou a parar de mascar chicletes nas
sessões da CPI, para que não passasse uma imagem de adolescente. Afinal,
o Brasil inteiro estava ligado, ou na TV Câmara, ou na TV Senado,
quando não na Globonews.
Alguma coisa começou a dar errado quando
houve os dois depoimentos mais esperados de todos: de Daniel Dantas, do
Banco Opportunity, à CPI do Mensalão e do doleiro Toninho da Barcelona à
dos Bingos: Tive o privilégio de assistir às mais de quatro horas da
fala do banqueiro e, ao final, saí convencido de que uma enorme pizza
estava no forno.
Ou melhor, começaria ali o plano de sangramento
homeopático do Governo, que deveria durar um ano, até a corrida
eleitoral de 2006, mas como todos sabemos, o plano não deu certo.
No
fim daquela semana este editor voltaria para São Paulo conhecendo um
pouco mais do tipo de jornalismo que se faz em Brasília, a partir de uma
das maiores emissoras de TV do mundo, e dos tipos de jornalistas
inescrupulosos que temos que encarar numa redação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário