Não é de hoje que a revista Veja monta matérias no mínimo suspeitas sobre medicamentos.
Quando preparava a série sobre a Veja, deparei-me com uma matéria
estranha, de um remédio antiaids da Pfizer que a revista - sem o
respaldo de uma fonte científica sequer - sugeria para compor o coquetel
antiaids do Ministério da Saúde.
Era uma reportagem comum, não um artigo científico, assinada por uma repórter sem formação médica (http://veja.abril.com.br/150807/p_101.shtml).
Falava das maravilhas de um novo princípio ativo da Pfizer, que traria avanços consideráveis no combate à aids, o Maraviroc.
Nos EUA, o FDA acabara de aprovar a droga. No Brasil, a Anvisa atuou de
forma surpreendentemente rápida, aprovando-a no mesmo ano.
E aí, uma repórter sem nenhuma especialização na área médica, sem
pesquisar sites especializados no assunto, sem recorrer a uma fonte
médica sequer, sugere que o remédio passe a integrar o coquetel antiaids
do Ministério da Saúde.
A matéria fecha com isso:
"É muito provável, de acordo com os médicos, que as duas novas classes
de drogas antiaids logo venham a fazer parte desse cardápio farmacêutico
(o coquetel antiaids do Ministério da Saúde, sonho de todo laboratório
que produz antivirais)".
A fonte da revista são "os médicos".
O que estava por trás desse soluço científico da revista?
A medicação só é eficaz para pacientes que possuam um determinado
co-receptor. Na época, nem o Ministério da Saúde nem a Sociedade
Brasileira de Infectologia concordavam com a inclusão do novo princípio
ativo, justamente devido ao fato de se exigir o teste prévio do
paciente, oferecido por apenas um laboratório norte-americano associado à
Pfizer.
Havia um conflito latente, discussões técnicas no Ministério da Saúde e
em organismos científicos. Aí a empresa monta essa estratégia de se
valer de uma revista sem nenhuma base científica, para "sugerir" ao
Ministério a adoção do remédio.
Histórico do Caso Maraviroc (Celsentri).
15/8/2007 – A revista "Veja" faz propaganda disfarçada do medicamento anti-retroviral Maraviroc, exaltando suas qualidades na matéria "Esperança Dobrada", de Adriana Dias Lopes.
24/9/2007 – "A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
aprovou ontem um novo medicamento anti-retroviral indicado para
pacientes com resistência ao coquetel antiaids, distribuído
gratuitamente pelo Ministério da Saúde."
Em matéria baseada na assessoria de imprensa da Pfizer, redigida por Léo Nogueira e publicada no mesmo dia (24/9/2007), lê-se:
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou hoje o
anti-retroviral Celsentri (maraviroc). O medicamento vai integrar o
coquetel de produtos para tratamento de pacientes com HIV/Aids que
apresentam resistência ou que não toleram os remédios disponíveis.
Favas contadas, portanto.
11/1/2008 – Na matéria " 'Conflito de interesse' pode atrapalhar
negociação de Maraviroc no SUS, diz Mariângela Simão diretora do
Programa Nacional de DST/Aids", vem a informação de que um pré-requisito
para a utilização do medicamentos por pacientes portadores do vírus da
Aids seria simplesmente este:
"... antes de utilizar o remédio, o paciente deve se submeter a um teste que está disponível em apenas um laboratório nos Estados Unidos, que mantém relações comerciais com a Pfizer. 'Temos uma situação complexa, há um potencial conflito de interesse, uma vez que o único laboratório que faz o teste de genotipagem tem relações comerciais com esta indústria farmacêutica', explicou em entrevista à Agência de Notícias da Aids."
Quer mais?
"... Só tem um laboratório no mundo que faz isso e foi contratado pelo laboratório produtor do Maraviroc [Pfizer] para validar o seu estudo [sobre a eficácia do medicamento]."
A clássica situação "Tamos juntos".
Repare como a matéria da "Veja" não mencionou essas duas informações jornalisticamente relevantes para o entendimento do caso.
2012 – O Celsentri não faz parte do coquetel antiaids (19
medicamentos) distribuído gratuitamente pelo Ministério da Saúde para
cerca de 200.000 pessoas.
Luis Nassif - O EscritorNo Advivo
Leia também: As capas médicas de Veja e os laboratórios
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