Editorial do jornal Brasil de Fato:
Primeiro ato. Repórter ao telefone narra aos aflitos ouvintes: “parece que o revisor, que também emite uma opinião sobre esse tema, tratará agora da jurisprudência”. Do outro lado: “Mas será que isso é uma manobra para ganhar tempo?” Novamente a repórter: “Não sabemos, segundo um colega ainda há pouco, isso não seria necessário, já que ele cita jurisprudência do próprio Tribunal, e até mesmo do ministro Relator, como se esse desconhecesse os julgados anteriores. Tudo indica que levará tempo e pode ser uma ação para retardar o julgamento”. Sem querer a repórter da CBN, ao vivo, inaugurava o show naquele dois de agosto, uma quinta-feira nublada.
A dramaturgia brasileira ganhou novos atores e dramaturgos. De ministros do STF a jornalistas, alguns alçados a especialistas em ramos até então desconhecidos do Direito. A cobertura dos telejornais utilizando o mesmo estilo de cobrir UFC: falas duras, defesas, acusações, ataques, poesias trôpegas... Desconhecidos “atores” alcançaram status de celebridade, semelhante às tais lutas e a dramaturgia Global. “Revelações” de talento, como o Joaquim Barbosa, que meses antes acusado de adoecer ficticiamente para tardar no julgamento, renasce e brilha impávido. E gosta disso. As luzes, como encantam as luzes. Furacão Sandy, crise internacional, violência na grande São Paulo e outras cidades; enchentes, provas, jurisprudência, Constituição Federal; princípios gerais do Direito - em nada ofuscaram o brilho do show. A grande mídia não se intimidou, e cobriu com zelo, presteza e prioridade. O julgamento refundou a República. Pudera, deslocou o STF do Judiciário para a esfera da Política, no limbo entre o Legislativo e o Executivo. Não restam dúvidas: República refundada.
Não bastou combinar o “julgamento” com as eleições. Afinal, isso deve ter ocorrido puramente pela dinâmica do STF. Tampouco têm relevância as reiteradas manifestações – dentro e fora das Seções – pelos ministros claramente desejosos em ver as urnas refletirem os que se passava ali. Ou melhor, o que era mostrado do que se passava ali. Não é mera coincidência que o TSE, presidido por uma das ministras do STF, tenha feito uma campanha ostensiva no período eleitoral pregando aos eleitores o voto em candidatos “ficha limpa”, mesmo sendo uma eleição em que as candidaturas foram submetidas à referida lei (e, portanto, se foram homologadas pelo TSE e TREs estariam todas limpas). Ah, isso seria teoria da conspiração de jornal de esquerda.
Perderam nas urnas, assim como há dez anos, feito repetido em 2006 e novamente em 2010. E com governos de composição, com políticas nada radicais e centradas na democratização da renda, da educação, cultura, saneamento, etc. tais forças não foram derrotadas, perdem aqui, ali, mas seguem em luta. Esse julgamento, especialmente, demonstrou a correta lição do mestre Florestan Fernandes: a elite brasileira é antidemocrática, antipopular e antinacional. Portanto, não há uma mínima contradição em disputar o governo em cada ponto, cada oportunidade, e ao mesmo tempo, atacá-lo frontalmente.
Essa direita utiliza-se do STF para promover um verdadeiro justiçamento político. Desvela, com isso, a sua verdadeira faceta autoritária e antidemocrática, mobilizando os sentimentos mais obscuros da sociedade para legitimar e impulsionar violações de direitos fundamentais. Nesse aspecto, o relator Joaquim Barbosa agride a democracia brasileira. E não está só.
A direita, portanto, zomba das conquistas democráticas, frutos da árdua luta daqueles que arriscaram a vida contra a ditadura. Para além de vinganças pessoais, buscam reconstruir forças após as últimas derrotas eleitorais, assim como reduzir a legitimidade política do PT e enfraquecer o bloco de alianças conduzidas nos governos Lula e Dilma. E o resultado esperado é alterar o pêndulo da correlação de forças em vantagem do espectro conservador da sociedade.
Os ataques centram fogo no PT e aliados, mas engana-se, por isso, tanto quem acha que o julgamento do “mensalão” contribui para a luta popular, quanto quem avalia como sendo um problema alheio, no caso do PT apenas. Alguém tem ilusão de que o “mensalão tucano” vai ser julgado nos mesmos termos do atual? Alguém acredita que o rompimento de garantias jurídicas desmoraliza o Judiciário perante a sociedade? Quem sai mais fortalecido do julgamento: aqueles à direita ou à esquerda?
Nessa luta a omissão é uma postura que contribui para o avanço da direita, fortalecendo os seus instrumentos de poder: partidos e grande mídia. Com ajuda voluntária de alguns ministros do STF.
No segundo ato, um homem de capa preta caminha só. Brilhou, sorriu, bradou democracia, justiça, mas não serve mais. Não entendeu o herói, que não era ele o adorado, mas o que ele fazia. Por não entender bem isso, caiu no silêncio, no ostracismo, e ainda leva consigo cópias de reportagens, uma capa de revista, fotos recortadas de jornais. Ele não era mais útil. Ele caiu na lata do lixo, por escorregão, e se juntou aos amiguinhos de antes; Aires Britto o esperava ressentido. Achava, após refletir muito, que foram muito longe. Por instantes se pegava procurando a luz. As câmeras. Não as encontrava. Os antigos amigos, aliados, agora estavam andando com outros. Já não serviam mais.
Primeiro ato. Repórter ao telefone narra aos aflitos ouvintes: “parece que o revisor, que também emite uma opinião sobre esse tema, tratará agora da jurisprudência”. Do outro lado: “Mas será que isso é uma manobra para ganhar tempo?” Novamente a repórter: “Não sabemos, segundo um colega ainda há pouco, isso não seria necessário, já que ele cita jurisprudência do próprio Tribunal, e até mesmo do ministro Relator, como se esse desconhecesse os julgados anteriores. Tudo indica que levará tempo e pode ser uma ação para retardar o julgamento”. Sem querer a repórter da CBN, ao vivo, inaugurava o show naquele dois de agosto, uma quinta-feira nublada.
A dramaturgia brasileira ganhou novos atores e dramaturgos. De ministros do STF a jornalistas, alguns alçados a especialistas em ramos até então desconhecidos do Direito. A cobertura dos telejornais utilizando o mesmo estilo de cobrir UFC: falas duras, defesas, acusações, ataques, poesias trôpegas... Desconhecidos “atores” alcançaram status de celebridade, semelhante às tais lutas e a dramaturgia Global. “Revelações” de talento, como o Joaquim Barbosa, que meses antes acusado de adoecer ficticiamente para tardar no julgamento, renasce e brilha impávido. E gosta disso. As luzes, como encantam as luzes. Furacão Sandy, crise internacional, violência na grande São Paulo e outras cidades; enchentes, provas, jurisprudência, Constituição Federal; princípios gerais do Direito - em nada ofuscaram o brilho do show. A grande mídia não se intimidou, e cobriu com zelo, presteza e prioridade. O julgamento refundou a República. Pudera, deslocou o STF do Judiciário para a esfera da Política, no limbo entre o Legislativo e o Executivo. Não restam dúvidas: República refundada.
Não bastou combinar o “julgamento” com as eleições. Afinal, isso deve ter ocorrido puramente pela dinâmica do STF. Tampouco têm relevância as reiteradas manifestações – dentro e fora das Seções – pelos ministros claramente desejosos em ver as urnas refletirem os que se passava ali. Ou melhor, o que era mostrado do que se passava ali. Não é mera coincidência que o TSE, presidido por uma das ministras do STF, tenha feito uma campanha ostensiva no período eleitoral pregando aos eleitores o voto em candidatos “ficha limpa”, mesmo sendo uma eleição em que as candidaturas foram submetidas à referida lei (e, portanto, se foram homologadas pelo TSE e TREs estariam todas limpas). Ah, isso seria teoria da conspiração de jornal de esquerda.
Perderam nas urnas, assim como há dez anos, feito repetido em 2006 e novamente em 2010. E com governos de composição, com políticas nada radicais e centradas na democratização da renda, da educação, cultura, saneamento, etc. tais forças não foram derrotadas, perdem aqui, ali, mas seguem em luta. Esse julgamento, especialmente, demonstrou a correta lição do mestre Florestan Fernandes: a elite brasileira é antidemocrática, antipopular e antinacional. Portanto, não há uma mínima contradição em disputar o governo em cada ponto, cada oportunidade, e ao mesmo tempo, atacá-lo frontalmente.
Essa direita utiliza-se do STF para promover um verdadeiro justiçamento político. Desvela, com isso, a sua verdadeira faceta autoritária e antidemocrática, mobilizando os sentimentos mais obscuros da sociedade para legitimar e impulsionar violações de direitos fundamentais. Nesse aspecto, o relator Joaquim Barbosa agride a democracia brasileira. E não está só.
A direita, portanto, zomba das conquistas democráticas, frutos da árdua luta daqueles que arriscaram a vida contra a ditadura. Para além de vinganças pessoais, buscam reconstruir forças após as últimas derrotas eleitorais, assim como reduzir a legitimidade política do PT e enfraquecer o bloco de alianças conduzidas nos governos Lula e Dilma. E o resultado esperado é alterar o pêndulo da correlação de forças em vantagem do espectro conservador da sociedade.
Os ataques centram fogo no PT e aliados, mas engana-se, por isso, tanto quem acha que o julgamento do “mensalão” contribui para a luta popular, quanto quem avalia como sendo um problema alheio, no caso do PT apenas. Alguém tem ilusão de que o “mensalão tucano” vai ser julgado nos mesmos termos do atual? Alguém acredita que o rompimento de garantias jurídicas desmoraliza o Judiciário perante a sociedade? Quem sai mais fortalecido do julgamento: aqueles à direita ou à esquerda?
Nessa luta a omissão é uma postura que contribui para o avanço da direita, fortalecendo os seus instrumentos de poder: partidos e grande mídia. Com ajuda voluntária de alguns ministros do STF.
No segundo ato, um homem de capa preta caminha só. Brilhou, sorriu, bradou democracia, justiça, mas não serve mais. Não entendeu o herói, que não era ele o adorado, mas o que ele fazia. Por não entender bem isso, caiu no silêncio, no ostracismo, e ainda leva consigo cópias de reportagens, uma capa de revista, fotos recortadas de jornais. Ele não era mais útil. Ele caiu na lata do lixo, por escorregão, e se juntou aos amiguinhos de antes; Aires Britto o esperava ressentido. Achava, após refletir muito, que foram muito longe. Por instantes se pegava procurando a luz. As câmeras. Não as encontrava. Os antigos amigos, aliados, agora estavam andando com outros. Já não serviam mais.
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