09/02/2014
Via Instituto João Goulart
Há muito tempo se sabia, por apurações da família e da imprensa, testemunhas, historiadores e depoimentos de ex-presos político, mas confirma-se agora pela undécima vez: oficiais do Exército montaram uma farsa para desaparecer com o corpo do deputado Rubens Paiva, morto em janeiro de 1971 após ser torturado em dependências do DOI-Codi-Rio, que funcionou durante a ditadura militar no quartel da força, na rua Barão de Mesquita.
O que já era conhecido de todos foi confirmado mais uma vez, agora pelo coronel reformado (da reserva) Raimundo Ronaldo Campos, em depoimento prestado à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro e divulgado ontem pelo Jornal Nacional, da Rede Globo. No depoimento à Comissão, segundo o JN, o militar contou que na noite de 21 de janeiro de 1971 ele e outros dois militares receberam ordens de seus superiores para atirar na lataria de um Fusca e incendiá-lo em seguida, no Alto da Boa Vista, no Rio.
Entre os superiores que deram as ordens estavam o major Francisco Demiurgo Cardoso – já falecido –, que ordenou a encenação do falso resgate do político. O coronel do Exército Raimundo Ronaldo Campos contou à comissão da Verdade que apenas participou do “do teatro montado, cineminha armado pelo Exército”, mas que não sabe do destino do corpo de Rubens Paiva.
Como toda a farsa foi montada
A montagem, prosseguiu o coronel Campos no encontro com a Comissão, era para sustentar a versão oficial do Exército de que, ao ser transportado por militares, o ex-deputado foi sequestrado por terroristas, que atearam fogo no carro. Campos sustenta que cumpriu a ordem que lhe foi dada já sabendo que se tratava de uma operação para “justificar o desaparecimento de um prisioneiro”, e informado de que Rubens Paiva já estava morto.
O absurdo da versão oficial tem sido mostrado pela mídia desde a 2ª metade dos anos 70, a primeira vez, pelo jornalista Fritz Utzeri, num caderno especial (sobre Rubens Paiva) no Jornal do Brasil: o ex-deputado era um homem alto, pesava mais de 100 kg e nunca teria conseguido fugir do banco traseiro de um fusca, cujos bancos dianteiros estavam ocupados por dois agentes armados da repressão.
Rubens Paiva perdeu o mandato de deputado federal nas primeiras levas de cassações pós-golpe de 1964 e foi preso dia 20 de janeiro de 1971, sob a acusação de que trouxera para brasileiros correspondência de exilados políticos no Chile. Foi preso em casa, diante da família. Sua mulher, Eunice Paiva, e uma filha de 13 anos também foram levadas e ficaram 15 dias presas no DOI-Codi. Foram levados por militares da Aeronáutica que os entregaram ao DOI-Codi do I Exército.
Vários militares do Exército já confirmaram a encenação
Pela versão oficial montada, o ex-deputado foi ouvido, depois conduzido de carro para fazer o reconhecimento de uma casa que funcionaria como aparelho subversivo e nesse deslocamento foi sequestrado. Logo em seguida os militares registraram esta história na 19ª DP, no Rio. Desde então Rubens Paiva consta da lista de centenas de desaparecidos políticos brasileiros assassinados pela ditadura militar.
O depoimento de Raimundo Ronaldo Campos não é o primeiro que contesta a versão oficial do Exército sobre a morte de Rubens Paiva. Em 1986, o ex-tenente Amílcar Lobo, médico do Exército, disse à Polícia Federal (PF) que tentou socorrer o prisioneiro, que encontrou em estado crítico após sofrer torturas. Lobo confirmou o mesmo à viúva de Paiva, Eunice. No ano passado, a Comissão Nacional da Verdade divulgou documento, encontrado na casa de um ex-comandante do DOI-Codi-Rio, coronel Molina Dias, confirmando a passagem de Paiva por aquele centro de tortura.
Ao comentar o depoimento de agora do coronel Campos à Comissão da Verdade, a filha do ex-deputado, professora e pesquisadora da USP, Vera Paiva, disse a Roldão Arruda, do Estadão: “É importante que mais gente faça isso. Interessa à família e ao Brasil, onde casos de tortura continuam sendo abafados por essa lógica de não se falar nada. Não há mais dúvidas de que meu pai não é um desaparecido: ele foi assassinado e a cena do crime está ficando cada vez mais clara”.
Ao que tudo indica, agora só falta a localização do corpo do ex-deputado, ou o destino final dado a seu corpo. Como várias vezes perguntou aqui o ex-ministro José Dirceu, diante disso nada pode ser feito? E até quando? O Brasil não pode mesmo processar e estabelecer sanção, nenhum tipo de punição contra os responsáveis por essa barbárie? Com a palavra, a justiça, a Comissão Nacional da Verdade, os juristas. E o Supremo Tribunal Federal (STF) que já validou uma vez o caráter recíproco da Lei de Anistia de 1979, mas ainda tem um último recurso a julgar a respeito.
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