Chávez e Globo tinham uma história de beligerância explícita. Ambos defendem interesses antagônicos. Se estivéssemos na França de 1789, a Globo defenderia a Bastilha e Chávez seria um jacobino.
- por Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo
Noto, nas redes sociais, revolta contra a maneira como a Globo vem cobrindo
a crise na Venezuela.
A Globo ataca, ataca e ainda ataca o governo eleito.
Não existe razão para surpresa. Inimaginável seria a Globo apoiar qualquer
tipo de causa popular.
O problema começou com Chávez.
Chávez e Globo tinham um história de beligerância explícita. Ambos defendem
interesses antagônicos.
Se estivéssemos na França de 1789, a Globo defenderia a Bastilha e Chávez
seria um jacobino. Em vez de recitar Bolívar, ele repetiria Rousseau.
Chávez cometeu um crime mortal para a Globo: não renovou a concessão de uma
emissora que tramara sua queda. Veja: um grupo empresarial usara algo que
ganhara do Estado — a concessão para um canal de tevê — para tentar derrubar o
presidente que o povo elegera. Chávez fez o que tinha que fazer. E o que ele fez
é o maior pesadelo das Organizações Globo: a ruptura da concessão.
Há uma cena clássica que registra a hostilidade entre Chávez e a Globo.
Foi, felizmente, registrada pelas câmaras. É um documento histórico. Você pode
vê-la no pé deste artigo.
Chávez está dando uma coletiva, e um repórter ganha a palavra para uma
pergunta. É um brasileiro, e trabalha na Globo. Fala num espanhol decente, e
depois de se apresentar interroga Chávez sobre supostas agressões à liberdade de
expressão.
Toca, especificamente, numa multa aplicada a um jornalista pela justiça
venezuelana.
Chávez ouve pacientemente. No meio da longa questão, ele indaga se o
jornalista já concluiu a pergunta. E depois diz: “Sei que você veio aqui com uma
missão e, se não a cumprir, vai ser demitido. Não adianta eu sugerir a você que
visite determinados lugares ou fale com certas pessoas, porque você vai ter que
fazer o que esperam que você faça.”
Quem conhece os bastidores do jornalismo sabe que quando um repórter da
Globo vai para a Venezuela a pauta já está pronta. É só preencher os brancos.
Não existe uma genuína investigação. A condenação da reportagem já está
estabelecida antes que a pauta seja passada ao repórter.
Lamento se isso desilude os ingênuos que acreditam em objetividade
jornalística brasileira, mas a vida é o que é. Na BBC, o repórter poderia de
fato narrar o que viu. Na Globo, vai confirmar o que o seu chefe lhe disse. É
uma viagem, a rigor, inútil: serve apenas para chancelar, aspas, a paulada que
será dada.
“Como cidadão latino-americano, você é bem-vindo”, diz Chávez ao repórter
da Globo. “Como representante da Globo, não.”
Chávez lembrou coisas óbvias: o quanto a Globo esteve envolvida em coisas
nocivas ao povo brasileiro, como a derrubada de João Goulart e a instalação de
uma ditadura militar em 1964.
Essa ditadura, patrocinada pela Globo, tornou o Brasil um dos campeões
mundiais em iniquidade social. Conquistas trabalhistas foram pilhadas, como a
estabilidade no emprego, e os trabalhadores ficaram impedidos de reagir porque
foi proibida pelos ditadores sua única arma – a greve.
Não vou falar na destruição do ensino público de qualidade pela ditadura,
uma obra que ceifou uma das mais eficientes escadas de mobilidade social. Também
não vou falar nas torturas e assassinatos dos que se insurgiram contra o
golpe.
Chávez, na coletiva, acusou a Globo de servir aos interesses
americanos.
Aí tenho para mim que ele errou parcialmente.
A Globo, ao longo de sua história, colocou sempre à frente não os
interesses americanos – mas os seus próprios, confundidos, na retórica, com o
interesse público, aspas.
Tem sido bem sucedida nisso.
O Brasil tem milhões de favelados, milhões de pessoas atiradas na pobreza
porque lhes foi negado ensino digno, milhões de crianças nascidas e crescidas
sem coisas como água encanada.
Mas a família Marinho, antes com Roberto Marinho e agora com seus três
filhos, está no topo da lista de bilionários do Brasil.
Roberto Marinho se dizia “condenado ao sucesso”. O que ele não disse é que
para que isso ocorresse uma quantidade vergonhosa de brasileiros seria condenada
à miséria.
Do Blog TUDO EM CIMA.
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