A Associação dos Juízes para a Democracia – AJD, entidade não
governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade a luta
pelo respeito incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado
Democrático de Direito, vem apresentar sua manifestação de repúdio ao
pronunciamento do Deputado Federal Jair Messias Bolsonaro, que, conforme
amplamente divulgado pela mídia, afirmou à colega congressista, em
plena ribalta parlamentar, que somente não a estupraria por ela não
merecer.
A lamentável fala do parlamentar, ao sugerir uma distinção entre
“mulheres que merecem” e “mulheres que não merecem” ser estupradas,
ultrapassou os lindes da discussão política protegida pela imunidade
parlamentar para desbordar ao puro e simples discurso de ódio,
atingindo, de um modo geral, todas as mulheres brasileiras e colocando
em risco conquistas arduamente aquinhoadas ao longo dos anos pelos
movimentos feministas e pela sociedade como um todo, por cuja
solidificação e necessária expansão ainda se luta com frequência diária.
Basta verificar que, segundo estudo divulgado pelo IPEA, estima-se que
527 mil pessoas são estupradas anualmente no Brasil, sendo 89% das
vítimas do sexo feminino, e que, de acordo com dados do Fórum Brasileiro
de Segurança Pública, a cada 12 segundos uma mulher sofre algum tipo de
violência no país, dados que revelam a sobrevivência de uma cultura
arcaica e retrógrada que coloca a mulher em posição de submissão com
relação aos homens, lógica que encontra no abuso sexual a sua mais
infausta expressão.
Esse odioso caldo cultural, cuja superação consiste em imprescindível
marco civilizatório a ser alcançado, foi reavivado e reforçado, sob os
holofotes de uma tribuna parlamentar, pelo pronunciamento do Deputado.
Em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto, de forma expressa ou
velada, irônica ou não, em retorsão à ofensa anterior ou não, é dado a
qualquer pessoa – sobretudo ao titular de um mandato eletivo – nem
sequer dar a entender que uma mulher, por qualquer motivo seja, mereça
ter sua liberdade sexual violada.
Em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto, o discurso de um
parlamentar – que não fala por si e nem apenas por seus eleitores, mas
por toda a sociedade – pode contrastar os fundamentos e objetivos da
República, valores imprescindíveis a um Estado Democrático de Direito,
tais como a dignidade da pessoa humana (artigo 2°, III, CF) e a
erradicação de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3°, IV, CF),
notadamente aqueles que impliquem ataques discriminatórios a setores
sociais historicamente vulneráveis.
É evidente que a imunidade material dos congressistas por suas opiniões e
palavras (artigo 55, II, § 1°, CF) não pode ser utilizada como
salvaguarda a práticas atentatórias a valores caros ao Estado
Democrático de Direito, sendo que o exercício
de tal garantia encontra limitação na própria Constituição Federal, ao
estabelecer ser incompatível com o decoro parlamentar “o abuso das
prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional”, (artigo 55, §
1°, CF), bem como no artigo 231, do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, e artigos 4°, I e 5°, III, do Código de Ética e Decoro
Parlamentar daquela Casa.
A Associação dos Juízes para a Democracia, ao tempo em que clama pela
apuração de quebra de decoro parlamentar pelas instâncias competentes,
manifesta sua repulsa ao sexismo e a qualquer forma de discriminação,
reforçando seu posicionamento de integral solidariedade e respeito às
mulheres que se viram aviltadas em sua dignidade pela manifestação
parlamentar, e colocando-se como aliada nas lutas pelo empoderamento e
isonomia do gênero feminino (artigos 1°, III e V, 3°, I e IV e 5°, I, da
Constituição Federal).
São Paulo, 11 de dezembro de 2014.
André Augusto Salvador Bezerra
Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia
Célia Regina Ody Bernardes
Secretária do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia
Dora Aparecida Martins
Tesoureira do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia
Do Blog CONTEXTO LIVRE.
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