quarta-feira, 22 de abril de 2015

Como o Uruguai impediu a redução da maioridade penal



Militante da comissão “No a La Baja”, Andrés Risso fala sobre as estratégias que impediram a tentativa de redução da maioridade penal no país, levada a cabo por meio de um plebiscito; “Se a população tem acesso à informação, muda de opinião, porque é uma proposta muito primitiva”, afirma

Em 26 de outubro de 2014, o Uruguai foi às urnas para decidir se reduziria ou não a maioridade penal de 18 para 16 anos. Em 2011, quando os setores mais conservadores levaram adiante a proposta do plebiscito, cerca de 70% da população apoiava a redução. Três anos depois, 53% dos uruguaios disseram “não” à medida e impediram o retrocesso. A grande virada se deu principalmente graças ao trabalho da comissão “No a La Baja”, que uniu diversos movimentos sociais em torno da causa.

No Brasil, a direita também quer reduzir a inimputabilidade penal. Aqui, no entanto, a tentativa se dá por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que já passou pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados e agora é analisada em comissão especial.

Andrés Risso, do ProDerechos, um dos coletivos que encabeçaram a campanha contra a redução no Uruguai, conversou com à Fórum sobre as estratégias de resistência adotadas. Para ele, a união entre sociedade civil e classe política, além das constantes mobilizações nas ruas, foram fundamentais para a mudança da opinião pública. Confira:

Fórum – Como foi possível montar a rede de mobilização de vários movimentos para que a redução da maioridade penal não fosse aprovada?

Andrés Risso – Já no começo, a maioria dos movimentos sociais do país se posicionou contra a redução da maioridade penal e iniciou a construção de um debate com a opinião pública, já que no Uruguai se tentou reduzir a maioridade penal pelas urnas, por meio de um plebiscito. Nosso trabalho foi o de levar às pessoas argumentos e informações para que pudessem tomar a decisão. Sabíamos que a redução da maioridade penal não traria os resultados propostos, era ruim em termos de direitos e pior para a segurança pública. Historicamente, quando há problemas de segurança pública, o caminho escolhido é o da exclusão e repressão, o que não melhora os índices de criminalidade. Além disso, colocar o foco do problema nos adolescentes era errado, porque eles, no Uruguai, são responsáveis por uma porcentagem muito pequena dos delitos – 6%. Pensávamos que para acabar com a sensação de insegurança eram necessárias oportunidades, trabalho, educação, cultura, tentar outros caminhos. Também entendemos que, nessa etapa da vida, é importante que a pessoa não esteja presa, porque é o momento em que está aprendendo, formando sua identidade, sua personalidade. Colocar adolescentes na cadeia é muito contraproducente do ponto de vista da reinserção. Por isso, nessa etapa é muito importante que as experiências sejam positivas e alentadoras, e que se dê ferramentas para que a pessoa possa ter um futuro, levar uma vida normal.

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“O mais importante foi a articulação dos movimentos sociais e
a mobilização, sobretudo dos jovens, que constituíram o principal
motor da campanha”, afirma Risso
— No início do processo de discussão, cerca de 70% dos uruguaios eram favoráveis à redução. Qual foi a estratégia utilizada pelos movimentos sociais para inverter esse quadro?

Nossa estratégia foi ligada à comunicação, baseada em um triângulo: tratamos das razões pelas quais a proposta não servia, porque era ruim por si só e porque, na verdade, poderia piorar a situação. Como dizia antes, os argumentos favoráveis colocavam o cárcere como solução, não atendiam nem às vítimas. Era ruim de uma forma geral. A estratégia de comunicação, então, foi, por um lado, utilizar o fator racional, com os argumentos que já citei, e também o emocional, porque houve uma mobilização muito grande de jovens em todo o país [contra a redução], que saíam às ruas, organizavam apresentações musicais, debates etc, em defesa de seus pares. Foi fundamental a mobilização juvenil, que culminou em uma marcha de 50 mil pessoas — algo que no Uruguai é muito significativo. Foi muito importante também ter todas os movimentos sociais — os sindicatos, estudantes e também muitas das igrejas — do nosso lado. Nos ajudou muito com a opinião pública. Jovens de todos os partidos políticos se posicionaram em defesa de seus pares, da juventude.

— Vocês conseguiram fazer com que parlamentares importantes se manifestassem contrários à redução da maioridade penal?

Sim. Nos últimos meses de campanha, quem defendia a redução eram somente os impulsionadores da medida, que representavam um número mínimo — seu porta-voz era Pedro Bordaberry [filho do ditador uruguaio Juan María Bordaberry], integrante dos setores mais conservadores. No nível político, começaram a falar muitos deputados e legisladores, por exemplo, o então ex-presidente Tabaré Vazquez [reeleito para o cargo nas últimas eleições, em 2014] e José Mujica. Além dos dois presidentes nos últimos dez anos se posicionando conta a redução da inimputabilidade, tivemos também o arcebispo de Montevidéu, muitos ícones culturais e lideranças sociais. A Universidade da República e a Central Única dos Trabalhadores tiveram um papel importante no sentido de pensar propostas para os adolescentes que haviam cometido delitos e propostas de debates sobre segurança pública e adolescência.

— Considera que o apoio dessas pessoas com maior notoriedade foi importante para a virada da opinião pública?

Sem dúvidas. Isso, somado à mobilização juvenil ativas nas ruas, foi muito importante para a mudança da opinião pública. Mostrava que o Uruguai mobilizado e organizado não queria a redução. Era um retrocesso muito grande. Compreendemos que pode sim existir um problema de segurança pública — no Uruguai, 40% das pessoas pensam que esse é o principal problema do país —, mas, para além disso, sabia-se que essa proposta era muito primitiva e partia da mesma metodologia excludente, depressora e punitiva.

— Aqui no Brasil, a mídia tradicional contribui muito para a existência desse sentimento de insegurança que fortalece o apoio a medidas punitivas, como a redução da maioridade penal. Isso acontecia no Uruguai?

Sim, sobretudo no começo. Mais no final da campanha, a um mês do plebiscito, quando o contingente favorável à redução já era menor do que 50%, talvez a mídia tradicional e mais conservadora tenha parado de fazer tanta campanha. Mas, no início, quando a medida foi levada adiante por meio do recolhimento de assinaturas, a mídia duplicou ou triplicou o tempo dedicado aos crimes cometidos por adolescentes. Isso se deu de forma muito clara. Acho que isso acontece em todo o mundo, é sempre mais fácil atacar o setor mais vulnerável. Ao menos no Uruguai, faltam estímulos para que os jovens continuem estudando; dos 10% de pobres, até 20% são jovens; no trabalho, o mesmo: as maiores taxas de desemprego ocorrem na juventude. Esse é o setor mais debilitado e, no entanto, queremos castigá-lo pelos problemas que há no país. Expusemos essa contradição durante a campanha. O mais importante, na verdade, foi desvincular a sensação de insegurança da adolescência. E os meios de comunicação atuaram muito para conectar a insegurança aos adolescentes. A partir de um amplo processo de debate com a população, essa relação foi ficando cada vez mais debilitada.

— Em relação à estratégia de comunicação, que meios utilizavam mais?

Por um lado, investimos na via pública; por outro, produzimos spots radiofônicos — pois a população ouve muito rádio — e também na televisão, porém menos, porque o tempo de TV é muito caro. Foi fundamental sair por todos os bairros e cidades para levar informações às pessoas. Além disso, realizamos muitos eventos massivos e culturais.

— As redes foram importantes no processo?

Também. Tínhamos Facebook, Twitter e outras redes, e principalmente no fim da campanha as utilizamos muito para chegar em todos os lugares do país. Mas, em relação à estratégia de comunicação, talvez o mais importante tenha sido dialogar com as pessoas que não estavam convencidas — esse era o desafio maior. Para isso, realizamos grupos de discussões para os quais convidávamos quem não estava de acordo com a proposta. Pedíamos para que explicassem porque apoiavam a redução da inimputabilidade, e também apresentávamos nossos argumentos. Com essas informações nas mãos, consultamos publicitários altamente qualificados para saber quais seriam as mensagens mais potentes, conhecendo o perfil das pessoas favoráveis à redução. A partir disso, produzimos peças a nível nacional. Descobrimos que cerca de 50% dos indecisos eram sensíveis aos argumentos que utilizávamos, e que mais de 30% mudavam de posição depois de ouvir as peças, que duravam 15 minutos. Não achamos que podemos transferir nossa experiência a um país como o Brasil, que tem uma realidade tão diferente. Mas tivemos a possibilidade, durante três anos, de realizar uma campanha muito intensa, e há alguns dados que são importantes. Se a população tem acesso à informação, muda de opinião, porque [a redução] é uma proposta muito primitiva.

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“Esse [juventude] é o setor mais debilitado e, no entanto, queremos
castigá-lo pelos problemas que há no país. Expusemos essa contradição
durante a campanha”, conta o militante
— Em entrevista anterior à Fórum, você comentou que caso aprovada, a redução da maioridade penal poderia colocar em risco outras conquistas progressistas, como a legalização da maconha e do aborto. Poderia explicar isso melhor, por favor?

O que pensávamos, principalmente nós do ProDerechos, era que estávamos avançando muito em nossa democracia, principalmente em relação aos nossos direitos e à ampliação das liberdades das pessoas. Se a população decidisse por reduzir a maioridade penal, poderia ser o início de um retrocesso. Retrocesso esse levado adiante pela mão dos setores políticos conservadores, já que quem impulsionou a medida foram os setores mais fortes dos partidos tradicionais e conservadores. Na campanha, atuaram organizações de todos os tipos, e também estavam presentes aquelas responsáveis pelas outras conquistas [legalização da maconha e do aborto, por exemplo]. Participaram do princípio até o fim, porque sabiam que aquilo fazia parte da luta contra o Uruguai conservador.

— Levando em consideração todas as diferenças existentes entre Brasil e Uruguai, o que diria aos movimentos brasileiros que formam a frente de resistência contra a redução da maioridade penal?

Acredito que o mais importante foi a articulação dos movimentos sociais e a mobilização, sobretudo dos jovens, que constituíram o principal motor da campanha — a comissão “No a La Baja” no Uruguai é integrada quase todas por pessoas com menos de 30 anos. É uma boa causa para que os jovens comecem a militar, mas também fortaleçam a militância que já existe. Por outro lado, foi fundamental também a incidência sobre a opinião pública. Seria muito bom que o Brasil pudesse debater essa proposta em todos níveis, e que os movimentos possam fazer parte disso. Sinceramente, é um conselho de uma pessoa de fora, mas tomara que a sociedade brasileira se informe sobre esse assunto. Seguramente, pensará duas vezes se é isso que quer para resolver os problemas de segurança ou se é melhor tomar outro caminho. Rejeitar essa medida não quer dizer que não se pense em melhorar a segurança no país.

Fotos: Carlos Lebrato/Frente Ampla
Anna Beatriz Anjos
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