O presidente do Supremo Tribunal Federal é eleito pelos ministros da Corte.
Ele representa a vontade da Corte, muitíssimo mais do que a sua própria.
E, por isso, é o primeiro a dever respeito para com as decisões da maioria de seus pares.
O que Joaquim Barbosa fez, entretanto, hoje, ao ter de proclamar o
resultado da votação dos embargos infringentes sobre o crime de formação
de quadrilha foi do mais profundo desrespeito aos demais ministros.
Dizer que foi formada “uma maioria de circunstância”, e “sob medida”,
com a finalidade de “lançar por terra” o trabalho do STF é acusar seus
pares de uma conspiração e de uma indignidade.
Acusação falsíssima, e Barbosa sabe disso, porque não resiste ao mero exame dos fatos.
Em primeiro lugar, a condenação questionada já tivera quatro votos pela
absolvição. Votos de juízes que, em relação a outros crimes e aos mesmo
réus, já haviam proferido sentenças condenatórias, e de prisão.
Portanto, as condenações, originalmente, se deram por apenas 5 a 4, o
que está mil léguas de tornar sólida uma decisão unânime e até mesmo
sólida.
Os dois ministros que recompletaram a Corte foram regularmente
escolhidos, sabatinados e aprovados pelo Senado. Ninguém questionou o
saber jurídico e sua idoneidade moral de Luis Roberto Barroso e de Teori
Zavascki, ambos professores renomados e, este último, ministro do STJ
há mais de uma década.
Cada um votou como pensava: Celso de Mello votou pela admissibilidade
dos embargos infringentes e, agora, pelo seu não provimento. Rosa Weber,
contra a admissão dos embargos e, hoje, pelo seu provimento. O próprio
Marco Aurélio Mello, mesmo não concordando com a absolvição, votou pela
redução das penas até um nível que as tornasse, na prática, prescritas, o
que produziria o mesmo efeito para os réus. E Mello votara contra os
infringentes.
O Supremo reformar suas próprias decisões também não é novidade. No
início de 2012, por exemplo, numa votação sobre medidas provisórias, a
decisão foi mudada de um dia para outro e ninguém disse que o Ministro
Luiz Fux, que mudou seu voto contrário por um favorável o fez de
encomenda.
Há dezenas ou centenas de precedentes de decisões reformadas ao longo do
curso processual – e o processo estava no curso que o próprio STF
decidiu seguir – sem que isso tenha sido motivo para os ministros
ofenderem-se uns aos outros.
O plenário do STF é soberano. Não o seu presidente um soberano.
Não havia coisa julgada e o recurso na forma de embargos infringentes
indica que havia possibilidade de reforma da sentença. obviamente em em
favor dos réus, já que o contrário seria o vedadíssimo “reformatio in
pejus”, que é o agravamento da pena quando só o réu recorre.
Não existe precedente de um presidente da Corte afirmar, solenemente, em sessão, que o voto de seus pares foi “pífio”.
Não se pede ao presidente do STF “fair-play” por ter sido vencido.
Exige-se é compostura ao cumprir seu papel funcional de proclamar, como o
respeito devido, a decisão da maioria.
Barbosa parece, definitivamente, decidido a fazer-se de vítima do “voto
político”, da “maioria formada sob medida”, para dramatizar sua saída da
Corte, num grave gesto de desequilíbrio institucional.
Não importa que, politicamente, possa ser vantajoso a governo ou oposição um gesto destes.
É prejudicial ao funcionamento de uma corte que deve ser serena e independente.
Independente, mas não egoísta, solitária e megalomaníaca.
Tudo o que a figura de seu presidente se tornou.