domingo, 7 de junho de 2009

Briga de cachorro grande & firulas


Copiado do Blog Oleo do Diabo, que está em Minhas Notícias e em Meus Favoritos.

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Saraiva

Briga de cachorro grande & firulas
(esquina da rua do senado com gomes freire, onde funciona um bar com cem anos de idade)
Sentei-me aqui para escrever algumas reflexões egocêntricas, mas a internet sempre me desnorteia. Eis que agora temos uma nova diversão. A Petrobrás criou um blog e está respondendo aos grandes jornais! É briga de cachorro grande. Que digo? É luta de titãs! Eu deveria imaginar. Uma coisa é humilhar Renan Calheiros, um indivíduo singular cheio de pecados. Outra coisa é atacar a Petrobrás, a quarta maior empresa do mundo.Já inseri o blog da Petrobrás na lista ao lado, mas repito o link aqui. A idéia da Petrobrás é genial porque é a mais simples possível. Eles divulgarão as perguntas e respostas enviadas pelos jornalistas, dando transparência ao processo e publicarão ali as suas próprias versões dos fatos. Melhor do que publicar informes publicitários na grande imprensa com dinheiro do contribuinte.Nos três ou quatro últimos domingos, o jornal O Globo tem dedicado manchetes à Petrobrás. Sempre negativas, é claro. No primeiro, deu o mote para a oposição criar a CPI. Nos seguintes, dá munição para o PSDB botar fogo na empresa que mais simboliza a soberania nacional.Outro dia, o Globo comparava a Petrobrás à Vale. Dizia que a Petrobrás tinha centenas de pessoas trabalhando na área de comunicação, e que a Vale tinha só 80. Ou seja, a Petrobrás é gastadora, é cabide de empregos, a Vale não. A reportagem não informa, porém, que a Vale seguramente terceiriza o trabalho de comunicação. De qualquer forma, são empresas totalmente distintas. O que o Globo não diz é que, enquanto a Petrobrás não apenas descobriu novas jazidas de petróleo como está construindo refinarias para possamos processar o material aqui no país, a Vale paralisa os poucos investimentos que vinha fazendo em siderurgia. Ou seja, a Vale está, literalmente, entregando nosso ouro para o estrangeiro, para a China, ao preço de 60 dólares a tonelada. Ou seja, um tênis importado da China custa mais que uma tonelada de nosso ferro! Essa é a Vale que o Globo considera como exemplar!A Vale está dando manchete para os jornalões, porque fez demissões em massa e anunciou recuo de 40 bilhões de dólares em investimentos. Enquanto os investimentos estrangeiros diretos no Brasil batem recorde - em plena crise mundial -, incluindo investimentos em produção, a Vale, na contramão do resto do mundo, que acredita no Brasil, resolve paralisar investimentos, por causa de uma crise que já dá sinais de amortecimento.Por que a Vale faz isso? Seria porque seu presidente, Roger Agnelli, interessa-se apenas pelo lucro rápido, ou então procura esconder, desesperadamente, o fato de ter apostado em derivativos e perdido alguns bilhões?*A Petrobrás precisa captar mais de 100 bilhões de dólares no exterior, para explorar o petróleo no pré-sal. Essa CPI, aliada aos ataques diários da imprensa, certamente não irá ajudar a empresa a cumprir seu objetivo. Sempre é bom lembrar que o petróleo ainda é, de longe, o item que mais pesa em nossa balança comercial. A auto-sustentabilidade alcançada nos últimos meses acontece porque, apesar de importarmos bilhões de dólares em petróleo, também exportamos outros bilhões. A conta empata. Boa parte de nosso petróleo é de má qualidade, grosso, e não serve para uma série de coisas. Exportamos esse petróleo e importamos petróleo mais leve, além de gasolina, que é petróleo ultra-refinado. Quando mais rápido a produção do pré-sal, que possui petróleo de primeira qualidade, levíssimo, entrar em atividade, mais bilhões de dólares o país economizará. Mais rápido, portanto, chegaremos em estágios de maior desenvolvimento.Não havia momento, portanto, mais inconveniente para uma CPI do que agora. Mas tudo bem. A Petrobrás saberá se defender, e agora, como dizia Raul, fica mais fácil saber "de que lado estão certos cabeludos, se é da direita ou da traseira, não se sabe mais lá de que lado".*Voltando, porém, às reflexões egocêntricas, queria expressar uma insatisfação comigo mesmo e com as palavras. Depois que eu termino de escrever, é comum sair para dar uma volta na rua, com ou sem objetivo. Meus textos saem comigo, girando-me na cabeça. Penso numa palavra, numa frase. Quase sempre, repassando o texto mentalmente, descubro erros que provocam-me coceiras internas. Quero voltar logo, corrigir. Há erros fáceis de corrigir, outros que implicam em reformulações inteiras de um raciocínio. O problema reside na rebeldia natural de certas palavras, certos conceitos. Mal os formulo e publico-os, eles tomam vida própria e, ingratos, fogem por veredas opostas àquelas por mim esperadas. É irritante isso.Por exemplo, no post passado, eu falei de intelectuais. Depois lembrei-me, no entanto, quanta mediocridade, reacionarismo, pedantismo vulgar e idiotice existe nos meios intelectuais. Para vocês terem uma idéia, eu escrevi uma monografia na qual joguei meus pensamentos mais profundos sobre comunicação, estética, filosofia. Posso ter fracassado, mas a tentativa foi bastante nobre. Acreditam que a observação mais importante que um dos examinadores da minha banca conseguiu fazer foi que eu não havia feito justificação do texto à direita? Um professor universitário titular! É triste, mas já vi muitos casos similares.Quando eu falo de intelectuais, portanto, falo apenas de mim mesmo. Não confio em mais ninguém. Não porque me considere mais inteligente ou coisa parecida. É que eu não conheço ninguém a não ser a mim mesmo, e olhe lá.Muita gente tem implicância, e mesmo ódio, de intelectuais. Dou-lhes total razão. Não existe nada mais odioso do que um intelectual. E desconfio que intelectuais brasileiros são ainda mais irritantes. Porque o intelectual acha que sabe mais que os outros; e, no Brasil, esse sentimento de superioridade é agravado por razões históricas. Por exemplo: o sujeito que, atualmente, eu considero o mais imbecil dos seres humanos chama-se Roberto DaMatta. Ele me faz odiar intelectuais, além de causar-me um terror inaudito de um dia vir a tornar-me parecido com ele. Seu último artigo versa sobre um indivíduo que ele flagrou mijando na rua. Naturalmente, ele infere daí a desgraça profunda da personalidade brasileira. Eu também me aborreço muito com a mania dos cariocas de urinar na rua, mas usar isso para enfiar o dedo na ferida do brasileiro? Tenha dó! Outro dia, ele gastou sua saliva melada para explicar como o hábito de assoviar para chamar o garçom correspondia a outra terrível inferioridade cultural do brasileiro, derivada de uma sociedade primitivamente escravocrata. O auge de seu brilhantismo, porém, deu-se quando ele narrou sua resposta a pergunta de sua filha sobre o porque de "hoje ser domingo": ele respondeu que a razão estava em amanhã ser segunda-feira - não sem antes auto-elogiar, sem ironia, a "profunda sabedoria" contida naquela frase. Hum, lembrei de outro. Em que ele lamentava a frase de Lula, sobre "brancos e loiros", em artigo cheios de auto-elogios e referência a sua imensa biblioteca.Eu queria tanto encontrar uma expressão que ridicularizasse cabalmente esse tipo de puerilidade travestida em profundeza. É claro que um intelectual, um antropólogo, deve prestar atenção a cada detalhe do comportamento humano. Mas o intelectual, quando desprovido de bom senso, torna-se uma caricatura de si mesmo. Afinal, deve-se não apenas procurar as causas; é igualmente fundamental refletir sobre as consequências. Tudo se reúne, enfim, num sentido único, universal, cuja apreensão racional é o escopo de todo livre pensador. Não posso desculpar alguém que se leva tão à sério e se dá tanto valor como intelectual, usar um espaço nobre num jornal de grande circulação para reproduzir esse tipo de banalidade. De que mais irá falar DaMatta? Sobre o significado do peido na sociedade brasileira? Nem isso! Se falasse sobre o peido, pelo menos seria engraçado, e poderia até gerar algum pensamento original. DaMatta, contudo, se pretende extremamente sisudo e profundo. Sua descoberta sobre as diferenças culturais entre a esfera da casa e da rua valeram-lhe notoriedade acadêmica; seu inofensivismo beato e chulo de agora lhe valerá décadas de salário garantido. Se existir um inferno para intelectuais, no entanto, DaMatta seguramente terá um lugar reservado nos círculos mais tenebrosos. Qualquer dia eu releio a Divina Comédia para perguntar, ao mestre Dante, em qual círculo exatamente ardem os intelectuais pusilânimes e sonsos.*Continuando o papo, peço desculpas a quem prefere posts concisos, mas tenho muito o que falar. Quando se fala de si mesmo também se aperta o botãozinho universal que liga e desliga o mundo. Também tenho muitas implicâncias, confesso. A pior de todas, quase uma doença, é a alergia a estereótipos. Irrita-me ser rotulado, embora saiba o quanto isso é inevitável e, portanto, o quanto minha irritação é inútil e infantil. Por exemplo, outro dia uma moça mandou-me email perguntando-me se eu queria participar de um movimento lá dela. Até aí tudo bem. O que me irritou foi que ela disse que havia conseguido meu contato através de um blogueiro que, provavelmente querendo se livrar da moça, disse a ela que eu "com certeza" toparia ajudá-la. Irritou-me profundamente alguém ter pretensão de me conhecer a ponto de falar que eu "com certeza" participaria de alguma coisa. Fiquei imaginando a figura que essa pessoa faria de mim: um sujeito que participa de qualquer coisa. São puerilidades, eu sei, mas isso é um blog com espaço sobrando, e não uma coluna no Globo com máximo de dez mil caracteres; e é importante pra mim contar isso, até porque se conecta ao que direi a seguir.*Ser escritor, por exemplo. Esse é outro conceito que me entedia também. A literatura contemporânea, a meu ver, tornou-se alienada e reacionária, e quando afirmo isso, imediatamente me canso com a possibilidade de alguém reagir com bocejos e o pensamento: "hum, que saco, o escritor engajado continua tagarelando..." Esse rótulo de escritor engajado também me enfastia. Mas é que eu realmente entristeço-me ao observar artistas vestindo o figurino exato que lhes é oferecido. Caladinhos, inofensivos, no máximo protagonizando uma boemia estudada e astuta. Por outro lado, compreendo perfeitamente a necessidade de ser astuto. Eu invejo esse tipo de inteligência. Outra virtude que invejo é a ambição. Há momentos em que sinto-me aterrorizado com a ausência, em mim, de qualquer tipo de ambição. Como se eu fosse um ser mutilado, cujo destino miserável e obscuro estaria traçado, desde já. Quer dizer, eu tenho ambições. Mas todas elas são exclusivamente intelectuais, do tipo ler os clássicos, antigos e modernos, em suas línguas originais. Ah, minto, também queria conhecer outros países. Taí, talvez o meu caso não seja exatamente a falta de ambição. Talvez seja outra coisa.Não sei. Venho formando algumas convicções literárias e esse blog é meu bloco de rascunho. Ne jamais parler de littérature, era o lema de Stendhal e seus amigos. Eles discutiam política e economia, falavam de amor e guerra, não perdiam tempo com literatices. Literatura era seu ganha-pão, a paixão secreta de cada um. Mas a literatura fala de coisas reais, concretas, fome, angústia, revolução. Lima Barreto seguia essa linha; construiu sua trajetória literária em jornais alternativos, onde praticava a esgrima ideológica contra o PIG da época. Mas é errado procuramos exemplos nos compêndios amarelados da história. O passado oferece modelos para todos os gostos, e pegamos, naturalmente, os que nos convém. Devemos ser originais, ora bolas! E que outros sigam nosso exemplo!*Quando falo de literatura toco em pontos que interessam a todos, porque suas consequências extravasam o campo estético. Há uma discussão que se repete nos fóruns literários, e hoje, sexta-feira 05 de junho, o Globo publicou entrevista com o escritor português Lobo Antunes em que ele se alinha aos que consideram a linguagem a única esfera válida para a literatura. O conteúdo, para os escritores dessa escola, não importa.Eu discordo profundamente. Acho que essa é uma visão retrógrada, ingênua e confortável, de quem pretende justificar esteticamente sua própria incompetência narrativa. Claro que o conteúdo é importante! Faulkner revolucionou a forma, mas seus livros nunca seriam obras-primas não fossem possuídos de um profundo cuidado em torno do conteúdo. A mesma coisa vale para Guimarães Rosa, James Joyce, e para todos os escritores que se notabilizaram como mestres da forma. Forma e conteúdo operam juntos, inseparáveis, e querer dar prioridade a um desses fatores em detrimento do outro é sinal apenas de complexo de inferioridade em escritores que se acham fracos num deles.
# Escrito por Miguel do Rosário # Sábado, Junho 06, 2009 # Etichette: ,
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