sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Alguém tem que chegar pra campanha do PT e dizer: para tudo! Porque sério, tá tudo errado. É pra isso que trouxeram o Ciro Gomes pra coordenação? Pra sabotar de vez as chances da Dilma?
Vamos por partes. Não é segredo pra ninguém, e eu considero uma enorme miopia política não querer enxergar essa realidade, que vários religiosos (tanto evangélicos quanto católicos menos relaxados) iniciaram uma campanha dura contra o PT. Isso pelo menos umas duas semanas antes do primeiro turno. Eu falei sobre isso aqui, e manifestei meu medo de que esse discurso, muito mais que qualquer escândalo que a mídia produzisse, poderia tirar votos da Dilma. Aí teve gente que subestimou, disse deixa disso, é óbvio ululante que Dilma vai ganhar no primeiro turno, os evangélicos são nossos aliados, vamos dar as mãos e cantar Kumbaya, o senhor é meu pastor e nada me faltará. Essa mesma gente agora tenta negar que boa parte do voto da Marina veio dos religiosos. Notem: eu disse boa parte, eu não disse todos. Ninguém sabe quantos votos religiosos Marina recebeu. O fato é que a comunidade evangélica identifica Marina como uma das suas. No Espírito Santo, igrejas evangélicas fizeram campanha pra Marina, e agora estão com Serra. Um leitor meu conta que as igrejas evangélicas que frequenta deram enorme destaque à autobiografia da candidata do PV, Marina – A Vida por uma Causa, lançada no início de agosto. Nos templos tinha mais livro da Marina que bíblia, diz ele. E lamento informar que a autobiografia não foi publicada pela Editora Verde, ou pela Editora Terceira Via, ou pela Editora Ética, ou pela Editora Moderninhos, mas pela Editora Mundo Cristão.
Não estou dizendo que os religiosos todos só votaram na Marina (ou que todos que votaram na Marina são religiosos), ou que ela teve qualquer ligação com os emails caluniosos – a gente sabe daonde esses emails vêm, da Central Graeff de Boataria. Mas o fato é que a praga do terrorismo religioso se alastrou, e pra mim não resta dúvida que esse fator foi um dos principais responsáveis pelo segundo turno. A direita sabe disso muito bem, tanto que Serra mudou seu slogan correndo pra “Serra é do bem”, e nesta primeira semana após o primeiro turno, só falamos em assuntos religiosos. Dê uma olhada nos blogs reaças, e só tem coisa sobre aborto e casamento gay (Maria Inês Nassif aponta que só assim Serra consegue se aproximar dos pobres). O PSDB tá distribuindo mensagens da Tradição, Família e Propriedade nas reuniões, para instruir sua “militância” sobre como agir. Em qualquer declaração demotucana sobre qualquer assunto (privatizações, por exemplo), a pessoa faz questão de trazer o assunto do aborto à tona. Será que conseguirão manter esse clima de terrorismo religioso durante um mês? Espero que não. Porque, pô, é sério que o segundo turno, que é uma oportunidade de debater propostas, ficará nesse climão de De Volta para a Idade Média?
Mas a campanha da Dilma não está fazendo absolutamente nada pra combater isso. Ou melhor, está: está fazendo tudo errado. Na terça-feira foi um secretário de comunicação do PT, um tal de André Vargas, que falou duas grandes besteiras no Twitter dele. E lógico que a Folha pegou esses tweets e lhes deu destaque. Uma foi que Dilma não ganhou já no primeiro turno porque sua campanha acabou dando espaço demais pras feministas, que destacaram a legalização do aborto (ridículo. Vamos culpar as mulheres, mais uma vez. Melhor ainda: as feministas, que, como sabemos, têm tanta voz nos partidos políticos... Aham). O outro tweet catastrófico de André foi dizer que Serra é o verdadeiro abortista no Brasil, porque foi ele que introduziu a pílula do dia seguinte. Olha o tamanho da estupidez: não foi nem o Serra, pra começar. Segundo, ninguém tocou no tema da pílula do dia seguinte, e lá vem o André cutucar a lebre. Quem precisa de inimigos desse jeito, né?
Marco Aurélio Garcia, coordenador de programa do PT, criticou André e desmentiu a manchete da Folha, “PT já discute retirar aborto do programa de governo”. Segundo ele, não daria pra retirar algo que não existe. Bom, a legalização do aborto pode não fazer parte do programa do PT, mas o partido sem dúvida sempre esteve do lado das exigências das minorias. O PT é reconhecido como um partido que luta por direitos humanos. E talvez esse seja um dos motivos pelos quais ele seja o partido preferido de 30% dos eleitores. Dilma já declarou ser a favor da legalização do aborto. Há um vídeo em que ela fala isso, há uma entrevista. Esse material vem sendo fartamente divulgado pelos reaças como se ser a favor da legalização do aborto fosse um crime hediondo. Mas o que sua coordenação de campanha manda que ela faça? Que negue. Que se declare pró-vida. Que fale do neto. Que declare todo seu apoio aos religiosos. Gente, isso é um tremendo tiro no pé, porque não convence ninguém. É como o Alckmin vestir boné da Petrobrás e do Banco do Brasil, ou como o Serra jurar que vai aumentar o salário mínimo e a Bolsa-Família. Ninguém acredita, porque vai contra tudo que eles falaram e fizeram a vida toda.
Então, o que fazer? Certamente não é ceder. É tentar explicar rapidamente que nenhuma dessas decisões (legalizar aborto e casamento gay etc) cabe ao presidente. Que isso cabe ao Congresso. É tentar dizer que vivemos num Estado laico, em que governo não interfere nas instituições religiosas e vice-versa. Esses argumentos provavelmente não surtirão efeito no pessoal que acha que Temer é um satanista que fez pacto com o diabo pra Dilma morrer e assim ele assumir seu lugar, mas talvez convença os marinistas mais prafrentex que, espero, são favoráveis a direitos humanos e tenham tanto receio quanto eu de que o Brasil vire um país fundamentalista cristão.
E talvez a gente tenha que dirigir um grande “Dane-se” a alguns eleitores e admitir que certos votos estão perdidos, e que não vale a pena rasgar tudo em que acreditamos pra tentar atrair gente que não iria votar no PT em primeiro lugar. A coordenação da campanha petista precisa aprender a usar a internet (só agora lançou um site pra combater boatos). Pô, os reaças sabem, e são ótimos nisso. Não é possível que se demore tanto pra desmentir um email como o do Temer satanista (que tal simplesmente provar que o doido varrido satanista não é filho do Temer?). O que não dá é não determinar uma linha bem pensada de ação, de resposta. Como a Dilma aparece pra falar com a imprensa um dia depois da votação sem saber como se definir diante dos temas religiosos que estão dominando a campanha? Decidam antes, falem depois.
Ainda acho que vamos ganhar. Não tenho medo de não conquistar alguns votos que não têm como ser conquistados por uma candidata de esquerda. Tenho medo é de perder votos entre os 47% que votaram no PT no primeiro turno, isso sim. Então é manter esses votos e atrair mais 13% (ou 3%, pra quem é pessimista), porque é óbvio que nem todo brasileiro é um fanático religioso que é contra o aborto até em casos de estupro e risco de vida pra mulher. O Brasil não é um país fundamentalista cristão. Ainda. Vamos continuar assim, pelamordedeus.
Não estou dizendo que os religiosos todos só votaram na Marina (ou que todos que votaram na Marina são religiosos), ou que ela teve qualquer ligação com os emails caluniosos – a gente sabe daonde esses emails vêm, da Central Graeff de Boataria. Mas o fato é que a praga do terrorismo religioso se alastrou, e pra mim não resta dúvida que esse fator foi um dos principais responsáveis pelo segundo turno. A direita sabe disso muito bem, tanto que Serra mudou seu slogan correndo pra “Serra é do bem”, e nesta primeira semana após o primeiro turno, só falamos em assuntos religiosos. Dê uma olhada nos blogs reaças, e só tem coisa sobre aborto e casamento gay (Maria Inês Nassif aponta que só assim Serra consegue se aproximar dos pobres). O PSDB tá distribuindo mensagens da Tradição, Família e Propriedade nas reuniões, para instruir sua “militância” sobre como agir. Em qualquer declaração demotucana sobre qualquer assunto (privatizações, por exemplo), a pessoa faz questão de trazer o assunto do aborto à tona. Será que conseguirão manter esse clima de terrorismo religioso durante um mês? Espero que não. Porque, pô, é sério que o segundo turno, que é uma oportunidade de debater propostas, ficará nesse climão de De Volta para a Idade Média?
Mas a campanha da Dilma não está fazendo absolutamente nada pra combater isso. Ou melhor, está: está fazendo tudo errado. Na terça-feira foi um secretário de comunicação do PT, um tal de André Vargas, que falou duas grandes besteiras no Twitter dele. E lógico que a Folha pegou esses tweets e lhes deu destaque. Uma foi que Dilma não ganhou já no primeiro turno porque sua campanha acabou dando espaço demais pras feministas, que destacaram a legalização do aborto (ridículo. Vamos culpar as mulheres, mais uma vez. Melhor ainda: as feministas, que, como sabemos, têm tanta voz nos partidos políticos... Aham). O outro tweet catastrófico de André foi dizer que Serra é o verdadeiro abortista no Brasil, porque foi ele que introduziu a pílula do dia seguinte. Olha o tamanho da estupidez: não foi nem o Serra, pra começar. Segundo, ninguém tocou no tema da pílula do dia seguinte, e lá vem o André cutucar a lebre. Quem precisa de inimigos desse jeito, né?
Marco Aurélio Garcia, coordenador de programa do PT, criticou André e desmentiu a manchete da Folha, “PT já discute retirar aborto do programa de governo”. Segundo ele, não daria pra retirar algo que não existe. Bom, a legalização do aborto pode não fazer parte do programa do PT, mas o partido sem dúvida sempre esteve do lado das exigências das minorias. O PT é reconhecido como um partido que luta por direitos humanos. E talvez esse seja um dos motivos pelos quais ele seja o partido preferido de 30% dos eleitores. Dilma já declarou ser a favor da legalização do aborto. Há um vídeo em que ela fala isso, há uma entrevista. Esse material vem sendo fartamente divulgado pelos reaças como se ser a favor da legalização do aborto fosse um crime hediondo. Mas o que sua coordenação de campanha manda que ela faça? Que negue. Que se declare pró-vida. Que fale do neto. Que declare todo seu apoio aos religiosos. Gente, isso é um tremendo tiro no pé, porque não convence ninguém. É como o Alckmin vestir boné da Petrobrás e do Banco do Brasil, ou como o Serra jurar que vai aumentar o salário mínimo e a Bolsa-Família. Ninguém acredita, porque vai contra tudo que eles falaram e fizeram a vida toda.
Então, o que fazer? Certamente não é ceder. É tentar explicar rapidamente que nenhuma dessas decisões (legalizar aborto e casamento gay etc) cabe ao presidente. Que isso cabe ao Congresso. É tentar dizer que vivemos num Estado laico, em que governo não interfere nas instituições religiosas e vice-versa. Esses argumentos provavelmente não surtirão efeito no pessoal que acha que Temer é um satanista que fez pacto com o diabo pra Dilma morrer e assim ele assumir seu lugar, mas talvez convença os marinistas mais prafrentex que, espero, são favoráveis a direitos humanos e tenham tanto receio quanto eu de que o Brasil vire um país fundamentalista cristão.
E talvez a gente tenha que dirigir um grande “Dane-se” a alguns eleitores e admitir que certos votos estão perdidos, e que não vale a pena rasgar tudo em que acreditamos pra tentar atrair gente que não iria votar no PT em primeiro lugar. A coordenação da campanha petista precisa aprender a usar a internet (só agora lançou um site pra combater boatos). Pô, os reaças sabem, e são ótimos nisso. Não é possível que se demore tanto pra desmentir um email como o do Temer satanista (que tal simplesmente provar que o doido varrido satanista não é filho do Temer?). O que não dá é não determinar uma linha bem pensada de ação, de resposta. Como a Dilma aparece pra falar com a imprensa um dia depois da votação sem saber como se definir diante dos temas religiosos que estão dominando a campanha? Decidam antes, falem depois.
Ainda acho que vamos ganhar. Não tenho medo de não conquistar alguns votos que não têm como ser conquistados por uma candidata de esquerda. Tenho medo é de perder votos entre os 47% que votaram no PT no primeiro turno, isso sim. Então é manter esses votos e atrair mais 13% (ou 3%, pra quem é pessimista), porque é óbvio que nem todo brasileiro é um fanático religioso que é contra o aborto até em casos de estupro e risco de vida pra mulher. O Brasil não é um país fundamentalista cristão. Ainda. Vamos continuar assim, pelamordedeus.
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