domingo, 10 de outubro de 2010

VAMOS DEIXÁ-LOS FALANDO SOZINHOS

domingo, 10 de outubro de 2010

De Niro completamente insano em Taxi Driver, falando pro espelho.

Ontem saiu a primeira pesquisa do segundo turno: Dilma 48, contra Serra 41. Entendo que os reaças devam estar comemorando bebendo whisky importado 12 anos até cair, mas, nos votos válidos, esses números representam Dilma 54%, Serra 46%. Claro que Serra diminuiu a diferença (no primeiro turno foi Dilma 47%, Serra 33%, Marina 20%), mas não é motivo pra gente se desesperar. Primeiro que a pesquisa de 2006 entre Lula e Alckmin deu exatamente esses números (e depois ganhamos por 61 x 39). Segundo porque não é nenhuma surpresa que a maior parte dos votos de Marina iria pro Serra. Uma pesquisa anterior já indicava que Serra teria 51% dos votos de eleitores da Marina, indepentende de quem ela e o PV apoiassem (pelo jeito, ela ficará neutra, enquanto o partido optará por Serra). Isso fala bastante sobre quão progressista é a maior parte do eleitorado marinista, eu acho. Mas esses eleitores mais à direita já estavam perdidos pro PT. Como eu disse antes: Dilma não precisa ganhar de lavada. Seria maravilhoso, mas 50% dos votos válidos mais um é tudo que precisamos. O necessário é manter os 47% que Dilma obteve no primeiro turno e conseguir mais uns 3%. Pela nova pesquisa, é o que foi alcançado, então pra mim tá bom. Ainda tem bastante eleitor indeciso, ou que diz que vai votar em branco ou anular. Dá pra tentar fisgar esses eleitores. Mas ir atrás do pessoal que acha que aborto e casamento gay são os piores males da humanidade e que isso afeta a sua vida mais do que qualquer outra coisa é perder tempo. O Rodrigo Vianna escreveu um post com o qual concordo totalmente. Ele diz que temos que sair da defensiva. Parar de jogar como a seleção do Parreira, tocando bola na retranca. Partir pro ataque. Nós é que temos de pautar a campanha, como fizemos em 2006.
Esta primeira semana foi lamentável. Espero que tenha sido a pior das eleições. E que todos os votos que tínhamos que perder já foram perdidos. Torço para que a sangria tenha parado. Querer conquistar o eleitorado religioso irracional (porque há eleitorado religioso racional) é uma estupidez. É ficar na defensiva. É inclusive mentir, porque o PT sim defende um Estado laico e luta pelos temas das minorias. O lado de lá mente e nem fica corado, mas nós não temos essa prática. Não estou dizendo pra defender agora, às vésperas do segundo turno, a legalização do aborto. Estou falando pra trocar o disco. Está claríssimo que “valores cristãos” é um tema que a direita tentará explorar até o fim. É só ver a capa da Veja desta semana. E comparar com a capa da mesma revista em setembro de 1997, quando uma reportagem entrevistava 80 mulheres que haviam abortado. Entre elas Hebe Camargo, Cissa Guimarães, Marilia Gabriela, Soninha Francine (o André fez uma pergunta relevante no seu twitter: imaginem o que aconteceria se a coordenadora de campanha da Dilma não só fosse a favor do aborto, como tivesse feito um? Escândalo total, certo?). Treze anos atrás, a Veja era contra o fundamentalismo religioso guiar questões de saúde pública. Hoje sabe que o discurso histérico dos valores cristãos é a única alternativa para seu candidato se aproximar dos pobres e tentar ganhar as eleições. E depois eles vem falar que a Dilma é que mudou de posição!
Creio que esse tema não vai continuar por mais tempo. Já deu o que tinha que dar. Agora é hora da gente voltar ao ataque, comparar governos, mostrar como estava o país oito anos atrás, e como está hoje (e, guess what? O aborto era ilegal oito anos atrás, e continua ilegal hoje! Nada mudou nesse sentido. Manter o aborto ilegal só afeta a vida das mulheres que abortam, que morrem aos montes. Mas ninguém liga pra elas mesmo, né? E depois aparece louco aqui no blog querendo expor argumentos irrefutáveis contra o aborto, e sem usar a bíblia! E um desses argumentos é que organizações internacionais querem legalizar o aborto para matar gente e diminuir a população. Tolinhos! Mata-se mais gente mantendo o aborto ilegal! Assim morrem o feto e a mulher! Com aborto legalizado seria só o feto).
É deprimente que, em toda essa “discussão” (no fundo, condenação de um assunto que já está condenado), ninguém fale nos direitos das mulheres. Li que a propaganda eleitoral do Serra tá mostrando um batalhão de mulheres grávidas acariciando a barriga, enquanto a narração fala de valores cristãos. Sinceramente? Eu teria vergonha de ser minimamente progressista e votar num candidato desses, que faz de Jesus seu maior cabo eleitoral. Eu teria muita, muita vergonha em ter votado na Marina como terceira via e, no segundo turno, votar no candidato da Via Idade Média. É ruim pra Dilma que o aborto seja o principal tema? É, péssimo. Mas vai acabar sendo ruim pro Serra também. Cedo ou tarde os eleitores verão nele um aiatolá Serra, o candidato da TFP (Tradição, Família e Propriedade, entidade das mais retrógradas no Brasil). E sério, eu não consigo acreditar que a maioria dos brasileiros queira um atraso desses.
Por isso, eu sugiro que a gente os deixe falando sozinhos. Que aborto seja tema principal de campanha só pra eles, enquanto a gente fala das realizações do governo Lula e dos fracassos do PSDB. Óbvio que temos de combater os boatos. Sabe-se lá quais outros emails escandalosos relacionados ao aborto podem surgir (algo do tipo: “Coordenadora da candidata fez aborto!”, imagino. Ah não. Isso é do outro lado, aí não conta). Mas a campanha da Dilma certamente não pode ficar nesse samba de uma nota só que vai ficar a oposição. Adorei a frase da Cris, “Se campanha eleitoral fosse redação de vestibular, discussão sobre aborto seria fuga do tema”. Seria mesmo, porque, como já demonstrou a Nathália, um presidente não tem como legislar sobre o tema. Quem legisla é o legislativo. Então vamos deixar que eles fujam do tema, até que fique evidente pra todos que é exatamente isso que eles estão fazendo, fugindo. E explicar bem por que eles estão fugindo. Tudo que eles têm a esconder. E tudo que nós temos pra mostrar. Que é muito mais que grávida acariciando a barriga.

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