Leitura Obrigatória
No Cinema & Outras Artes
A
visita da presidente Dilma Rousseff a Cuba, embora oficialmente
priorize o incremento das relações comerciais entre os dois países, traz
consigo uma forte e incontornável carga simbólica, a qual a mídia trata
de manipular de acordo com seus próprios interesses
político-ideológicos.
Dentre
tantos exemplos possíveis, uma demonstração cabal de como se dá tal
processo foi dada na abertura do Jornal das 10 - principal programa
noticioso da mais ideologicamente carregado dos veículos jornalístico da
TV brasileira, a Globo News.
Na
edição de segunda-feira (30), logo após anunciar a viagem de Dilma a
Cuba e o alegado objetivo comercial da empreitada, Eduardo Grillo, o
âncora do telejornal, sublinhou: “mas as atenções estão voltadas para
como Dilma tratará os direitos humanos na ilha” (cito de memória: as
palavras talvez não tenham sido exatamente estas, mas o sentido era
esse).
Fala a Anistia Internacional
Do jornalismo espera-se fidelidade aos fatos, e não culto às mitologias. E o fato, como notado
pelo notável jornalista que é Lúcio de Castro, é que a Anistia
Internacional, “que de forma alguma pode ser apontada como conivente com
Cuba, (muito pelo contrário)”, atesta, em parece emitido em abril de
2011 e divulgado em três idiomas em seu site, que “no continente
americano, o país que menos viola os direitos humanos ou que melhor os
respeita é Cuba”.
Isso não que
dizer, evidentemente, que as violações dos direitos humanos na ilha, por
serem, segundo a Anistia Internacional, menores do que na grande
maioria dos países da região, devam ser toleradas. Evidencia, no
entanto, que a imagem de Cuba como a violadora-mór de tais direitos é
falsa e expressa, em última análise, o ódio dos que não se conformam com
a perpetuação de um enclave socialista no quintal dos EUA e num mundo
bovinamente regido pelas regras ditadas pelo grande capital.
Tem
mais: “o mesmo informe dá conta de que 23 dos 27 países que votaram por
sanções contra Cuba por violações dos direitos humanos são apontados
pela própria Anistia como violadores muito maiores do que Cuba nos
direitos humanos”. Acrescente-se que, ao contrário do que ocorre em
Cuba, há crianças de rua nesses países e a educação e a saúde são, em
geral, historicamente precárias. Sem falar no fato que o socialmente
cruel boicote a Cuba – este sim uma violação flagrante de direitos
humanos – foi convocado e praticamente imposto pelo mais belicoso dos
países.
Fatos para quê?
Ocorre
porém que o jornalismo que as corporações comunicacionais ora praticam
no Brasil não está nem aí para os fatos. Se com estes se ocupasse, se
emprenharia em exigir declarações sobre direitos humanos dos mandatários
brasileiros em viagens aos EUA de Abu Ghraib, dos voos secretos, das
prisões e torturas terceirizadas, dos genocídios no Oriente Médio, de
Guantánamo (o monumento aos direitos humanos que o presidente Obama ia
fechar e cuja foto ilustra este post).
Ou,
para ficar em um exemplo bem mais próximo: se tivesse um pingo da ética
e do “padrão Globo de qualidade” que vive a alardear, a Globo News não
só teria fornecido uma cobertura condizente das gravíssimas violações de
direitos humanos praticadas pela PM paulista, em Pinheirinho, sob as
ordens de Geraldo Alckimin, como a esta dissimulada figura pública
estaria dirigindo suas questões acerca de direitos humanos.
(Como
sabemos, o que tem acontecido no canal é exatamente o contrário, da
cobertura omissa da brutalidade da polícia e do Estado contra civis à tentativa antidemocrática e antijornalística de Mônica Waldvogel de calar as vozes que as denunciam.)
Tiro pela culatra
O
esforço da mídia brasileira para pautar a viagem oficial de Dilma foi
enorme (como pode-se facilmente conferir pesquisando as tags “Dilma
Cuba Direitos Humanos” no Google), mas acabou virando-se contra o
feiticeiro. As declarações feitas pela presidente na ilha equivalem, no âmbito da política externa, aos irrespondíveis jabs verbais que desferiu contra o senador Agripino Maia (DEM-RN), quando este a acusou de mentir sob tortura.
Após,
através da menção a Guantánamo, aludir às violações dos EUA aos
direitos humanos, Dilma fez a seguinte declaração sobre o tema:
- Quem atira a primeira pedra tem telhado de vidro. Nós, no Brasil, temos o nosso. Então, eu concordo em falar de direitos humanos dentro de uma perspctiva multilateral. Não podemos achar que direitos humanos é uma pedra que você joga só de um lado para o outro. Ela serve para nós também.
Alguns vão
achar, com razão, que falar não basta. Mas é preciso reconhecer que as
palavras da presidente puseram a nu a falácia e o descritério dos
direitos humanos seletivos comumente adotados pela mídia no Brasil.
Maurício CaleiroNo Cinema & Outras Artes
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