Gilson Caroni
A manchete do jornal O Globo, em sua edição de 15 de fevereiro de 2012 (
" Marcos Valério é o primeiro condenado do Mensalão"), não deixa
dúvidas quanto ao espetáculo que dominará páginas e telas depois do
carnaval: à medida em que se aproxima o julgamento do processo que a
imprensa chama de "escândalo da mensalão", velhos expedientes são
reeditados sem qualquer cerimônia que busque manter a aparência de
jornalismo sério.
A condenação do publicitário por crimes de sonegação fiscal e
falsificação de documentos públicos seria, mesmo que não surjam provas
de conduta delituosa por parte dos réus, a senha para o STF homologar a
narrativa midiática e não ficar maculado pela imagem de "pizza" que uma
absolvição inevitavelmente traria à mais alta corte do país. Essa é a
intimidação diária contida em artiguetes e editoriais.
Como destaca Pedro Estevam Serrano, em sua coluna para a revista Carta
Capital,"o que verificamos é a ocorrência constante de matérias
jornalísticas em alguns veículos que procuram nitidamente criar um
ambiente de opinião pública contrária aos réus, apelando a matérias mais
dotadas da verossimilhança dos romances que à verdade que deveria ser o
mote dos relatos jornalísticos". Os riscos aos pilares básicos do
Estado Democrático de Direito são nítidos na empreitada. Serrano alerta
para o objetivo último das corporações:
"E tal comportamento tem intenção política evidente, qual seja procurar
criminalizar o PT e o governo Lula, pois ao distanciar o julgamento de
sua concretude por relatos abstratos e simbólicos o que se procura pôr
no banco dos réus não são apenas as condutas pessoais em pauta mas sim
todo um segmento político e ideológico."
A unificação editorial em favor da manutenção dos direitos do CNJ em
votação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) não revela
apenas preocupação com o indispensável controle externo do poder
judiciário, mas o constrangimento necessário de juízes às vésperas de um
julgamento que envolve, a construção política mais cara à mídia
corporativa. No lugar do contraditório, a imposição de uma agenda.
Ocupando o espaço da correta publicidade dos fatos, a recorrente
tentativa de manipulação da opinião pública. A trama, no entanto, deve
ser olhada pelo que traz de pedagógico, explicitando papéis e funções no
campo jornalístico.
O pensamento único, para o ser, não basta ser hegemônico; tem que ser
excludente. Não apenas de outros pensamentos, mas do próprio pensar.
Parafraseando Aldous Huxley, "se o indivíduo pensa, a estrutura de poder
fica tensa". Na verdade, na sociedade administrada não pode haver
indivíduo. Apenas a massa disforme, cujo universo cognitivo e
intelectivo é, de alto a baixo, subministrado pelos detentores do poder
social. É nessa crença que se movem articulistas, editores e seus
patrões.
Em um sistema de dominação é essa, e nenhuma outra,, a função da
"mídia": induzir o espírito de manada, o não-pensar, o abrir mão da
razão e aderir entusiasticamente à insensatez programada pelos que puxam
os cordões. Os fracassos recentes não nos permitem desdenhar do capital
simbólico que as corporações ainda detêm para defender os seus
interesses e o das frações de classe a ela associadas.
Nesse processo, o principal indutor é o "Sistema Globo", que o falecido
Paulo Francis, antes de capitular, apropriadamente crismou como
"Metástase", pois de fato suas toxinas se espalham por todo o tecido
social. Seus carros-chefe, que frequentemente se realimentam
reciprocamente, são o jornal da classe média conservadora e,
principalmente, o Jornal Nacional, meticulosamente pautado "de [William]
Bonner para Homer [Simpson]" que, de segunda a sábado, despeja
ideologia mal travestida de notícia sobre dezenas de milhões de
incautos.
E o que "deu" no Jornal Nacional "pauta" desde as editorias dos jornais
impresso-, O Globo por cima e o Extra por baixo- e das revistas, "da
casa" ou de uma "concorrência" cujo único objetivo é ser ainda mais
sensacionalista e leviana. Algumas vezes, o movimento segue o sentido
inverso: uma publicação semanal produz a ficção que só repercute graças à
reprodução da corporação.
Os outros instrumentos de espetaculosidade complementam o processo,
impondo suas versões de pseudo-realidade: o Fantástico, ersatz dominical
do JN; as novelas "campeãs de audiência", com seus "conflitos"
descarnados e suas "causas sociais" oportunisticamente selecionadas como
desconversa; e, culminando, o Big Brother Brasil, a celebração máxima
da total vacuidade.
Processo análogo vem sendo usado, há mais de duas décadas, para esvaziar
e despolitizar a política, reduzindo-a às futricas de bastidores, ao
"em off" e aos "papos de cafezinho"; e, em época eleitoral, à corrida de
cavalões das pesquisas de intenção de voto que ocupam as manchetes, o
noticiário, as colunas – ah, as colunas! – e até mesmo a discussão
supostamente acadêmica. A não menos velha desconversa nacional: olha
todo mundo pra cá, e pela minha lente, para que ninguém olhe pra lá.
Falar-se em "opinião pública", nesse cenário, é um escárnio. "Opinião"
pressupõe um espaço interno, em cada indivíduo, para reflexão,
ponderação, crítica e elaboração, não controlado pelo poder social.
"Pública" requer que exista uma esfera pública, de discurso racional
entre iguais, aberto ao contraditório e não subordinado aos ditames do
"mercado" ou subministrado de fio a pavio pelo braço "midiático" do
mesmo poder. Nem uma nem outra condição pode existir em ambiente que
tenta subjugar "corações e mentes", induzindo-o sistemática e
deliberadamente à loucura social.
Avançamos bastante, mas não nos iludamos: o que vem por aí é uma luta
renhida. De um lado, o espetáculo autoritário.. E, de outro, a cidadania
e o Estado de Direito como permanente construção.
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