segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Os neoentreguistas e o carnaval

Com a chegada do carnaval, a direita alvoroçada já pôs o bloco na rua para cantar em prosa e verso um suposto estelionato eleitoral que teria sido praticado pelo Governo Dilma ao promover o processo de concessão da administração de aeroportos à iniciativa privada. Assim, a quase divina Colombina que atende pelo nome de Privatização estaria, agora sim, sendo igualmente cortejada pelo Pierrô petista e pelo Arlequim tucano (ou seria o contrário?). E o deus Mercado (ou seria o rei Momo?) estaria, portanto, imperando no pedaço novamente, impondo sua religião do lucro predatório e, por que não?, vendo revigorados carnavais passados da Privataria tão bem documentada pelo escritor Amauri Ribeiro Jr...

 

Penso aqui em um tempo de que tenho saudade, um tempo em que, ao contrário do que se supõe, as pessoas buscavam muito mais do que hoje inteirar-se do que acontecia na sociedade em que viviam – no campo político, inclusive - e lutavam por seus interesses. Nesse tempo, aqueles que viam o enfraquecimento do estado nacional com mórbida satisfação e, mais do que isso, tentavam agir para debilitá-lo e, mais ainda do que isso, apenas pensavam nas vantagens pessoais que teriam com esse processo destrutivo, esses eram chamados entreguistas, ou seja, aqueles que queriam entregar a riqueza do país ( quer dizer, de todos) nas mãos de interesses estrangeiros ou falsamente nacionais, mas sempre de poucos. Eram pessoas que, entre outras máximas, seguiam a frase de Juracy Magalhães, coronel do udenismo, que dizia: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Não por acaso, essas pessoas tinham tudo a ver com a tentativa de repressão aos movimentos populares , que, no lado oposto, defendiam ardorosamente o patrimônio nacional usando outras frases como, por exemplo, “O petróleo é nosso”.

Esse é um paralelo que quero traçar, entre os entreguistas de então e os atuais “privativistas”. No fundo, no fundo, uns são diletos descendentes ideológicos dos outros, porque o que os fundamenta é o total descaso com o social e a concepção de que este mundo é feito para que uns poucos metam a mão no que deveria ser de todos.

Diante do processo que envolve os aeroportos brasileiros, tenho dois caminhos a considerar.

Um deles seria admitir a derrota e cantar a música “Metamorfose ambulante” do Raul Seixas, deixando de lado a minha “opinião formada” sobre as privatizações e sua perversidade e admitindo que, mudados os tempos, também eu devo mudar. Seria algo como assumir as cínicas palavras de Stanislaw Ponte Preta e reconhecer que, já que não dá para restaurar a moralidade, vamos também nos locupletar.... Mas nesse caminho não sigo. Penso que, assim como a nossa constituição tem as suas cláusulas pétreas, inamovíveis, em defesa da cidadania e dos direitos fundamentais do homem, também eu trago na consciência valores que considero imutáveis e um deles é não compactuar com aquilo de que discordo, em termos ideológicos. Nessas horas, é bom reafirmar minha posição de absoluta independência em relação ao Governo ou a qualquer partido político e é bem confortável, por isso, a perspectiva em que me situo.

 

Chego então ao segundo caminho , que é o da reflexão, aquele que me permita entender, neste “emboglio” todo, o que realmente está ocorrendo, sem pré-conceitos e, principalmente, em face do carnaval, sem me embebedar com a euforia dos que puseram outra letra na música. E então, sem entrar no bloco de aplausos à iniciativa do Governo, porque a tanto não chego, posso, calmamente, perceber e admitir que há consideráveis diferenças entre o desfile de ontem e o de hoje. Primeiro: não se “vendeu”, mas se concedeu o direito de explorar por tempo determinado. Segundo: preservou-se a presença do Estado com 49 % dos direitos, o que permite a fiscalização e a defesa dos interesses públicos. Terceiro: até que me provem o contrário, fez-se um negócio que carreou para os cofres públicos recursos bem maiores do que os conseguidos naquele carnaval antigo em que muita gente se fantasiou de “pirata”. Quarto: tais recursos não servirão para pagar dívidas contraídas por irresponsabilidades anteriores, mas para alavancar os projetos sociais que hoje existem. Quinto: até que me provem o contrário, não haverá ganhos particulares marginais e imorais decorrentes de propinas bilionárias mantidas em paraísos fiscais. Sexto: não acho possível comparar, em termos de grandeza e importância, a concessão de serviços de aeroporto e, por exemplo, a venda de uma das maiores empresas do mundo, a Vale.   

Acho que essa turma da euforia, que vive de olho na Petrobras e que vê no episódio uma abertura para o velho entreguismo de antigamente, pode tirar o cavalinho da chuva. Isso, se chover no carnaval.

Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.Direto da Rdação
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Do Blog O TERROR DO NORDESTE.

2 comentários:

Pé de Chumbo disse...

O que acontece, caro Saraiva, é que o PIG escreve o que quer, de acordo com sua conveniência, e têm gente que acredita.
Pior: Têm gente que, mesmo estando ao lado do governo, acaba achando que fizeram algo errado. E o PIG cultiva isso, tentanto semear a discordia.
Ninguém se preocupa em esclarecer a diferença entre "concessão" e "doação"...

Anônimo disse...

Carlos,
Meu amigo, lamentavelmente é verdade.
O PIG conseguiu no início da deturbação da notícia até mesmo confundir pessoas de esquerda.
Eu fui um dos poucos blogueiros que de pronto demonstrei a diferença, coisa elementar até para um bom estudante de direito.
Depois vieram a turma da pesada do Portal da Carta Maior, FHC, Blog do Miro, etc.
Até o Eduardo Guimarães fez uma salada tão grande que não deu nem para comentar no blog dele, porque, alguns poucos leitores inteligentes da panelinha já tinha demonstrado que ele estava equivocado, mas vaidoso como é, não teve coragem de reconher seu equívoco.
Bom resto de carnaval e beba todas por mim.
Grande abraço,
Saraiva