O
declínio dos Estados Unidos entrou, há algum tempo, em uma nova fase: a
do declínio autoinfligido. Desde os anos 70 tem havido mudanças
significativas na economia dos EUA, à medida que estrategistas, estatais
e do setor privado, passaram a conduzi-la para a financeirização e à
exportação de plantas industriais. Essas decisões deram início ao
círculo vicioso no qual a riqueza e o poder político se tornaram
altamente concentrados, os salários dos trabalhadores ficaram
estagnados, a carga de trabalho aumentou e o endividamento das famílias
também.
Aniversários
significativos são comemorados solenemente – o do ataque japonês à base
da Marinha norteamericana de Pearl Harbor, por exemplo. Outros são
ignorados, e podemos sempre aprender importantes lições que eles nos dão
de como é possível seguir mentindo adiante. Na verdade, agora.
No
momento, estamos errando em não comemorar o 50° aniversário da decisão
do presidente John F Kennedy de promover a mais assassina e destrutiva
agressão do período pós-Segunda Guerra: a invasão do Vietnã do Sul, e
depois de toda a Indochina, deixando milhões de mortos e quatro países
devastados, com perdas ainda crescentes causadas pela exposição do país
aos carcinogênicos mais letais de que se tem conhecimento, que
comprometerem a cobertura vegetal e a produção de alimentos.
O
primeiro alvo foi o Vietnã do Sul. A agressão depois se espalhou para o
Norte, e então para a sociedade remota do nordeste do Laos, até
finalmente chegar ao rural Camboja, que foi bombardeado de tal maneira
que chegou ao nível impressionante de ser alvo de todas as operações
aéreas aliadas da região do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial,
incluindo as duas bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Aí, as ordens
de Henri Kissinger estavam sendo obedecidas – “qualquer coisa que voe
ou se mova”; uma rara convocação para o genocídio na história.
Pouco
disso tudo é lembrado. A maior parte desses massacres é escassamente
conhecida para além dos estreitos círculos de ativistas.
Quando
a invasão teve início, há cinquenta anos, a preocupação era tão pouca
que havia poucos esforços de justificação; dificilmente iam além do
impassível apelo do presidente de que “estamos nos opondo, ao redor do
mundo, a uma conspiração monolítica e brutal que opera principalmente em
meios disfarçados de expansão de sua esfera de influência” e se a
conspiração consegue realizar seus objetivos no Laos e no Vietnã, “os
portões estarão amplamente abertos".
Em
outro lugar, ele alertou em seguida que “as sociedades leves,
complacentes e autoindulgentes estavam para ser varridas para os
escombros da história [e] só a força... pode sobreviver”, neste caso
refletindo a respeito do fracasso da agressão e do terror estadunidenses
para esmagar a independência cubana.
Quando
os protestos começaram a crescer, meia dúzia de anos depois, o
respeitado historiador militar e especialista em Vietnã Bernard Fall,
nenhum pacifista, previu que “o Vietnã como uma entidade histórica e
cultural...está ameaçada de extinção...[enquanto]...a sua área rural
literalmente morre sob as explosões da maior máquina militar jamais em
operação numa área deste tamanho”. Ele estava, mais uma vez,
referindo-se ao Vietnã do Sul.
Quando
a guerra acabou oito horrendos anos depois, a opinião dominante estava
dividida entre aqueles que a descreviam como uma “causa nobre” que
poderia ter sido vencida com mais dedicação e o extremo oposto, os
críticos, para quem se tratou de “um erro” que se provou altamente
custoso. Por volta de 1977, o Presidente Carter chamou pouca atenção
quando explicou que “não havia dívida” nossa com o Vietnã porque “a
destruição foi mútua”.
Há lições
importantes em tudo isso para hoje, mesmo deixando de lado os fracos e
derrotados que são chamados para responder por seus crimes. Uma lição é
que para entender o que está acontecendo devemos buscar não apenas
criticar os acontecimentos no mundo real, frequentemente dispensados
pela história, mas também aquilo em que os líderes e a opinião da elite
acreditam, mesmo que com tintas de fantasia. Uma outra lição é que, ao
lado dos frutos da imaginação fabricados para aterrorizar e mobilizar o
público (e talvez acreditados por aqueles enganados pela própria
retórica), há também planejamento geoestratégico baseado em princípios
que são racionais e estáveis em longos períodos, porque estão enraizados
em instituições estáveis e na agenda destas. Isso também é verdade no
caso do Vietnã. Eu voltarei a isso, só destacando aqui que os elementos
persistentes na ação estatal são geralmente bastante opacos.
A
guerra do Iraque é um caso instrutivo. Ela foi vendida para um público
aterrorizado com as ameaças usuais da autodefesa contra uma formidável
ameaça à sobrevivência: a “única questão” que George W. Bush e Tony
Blair declararam foi se Saddam Hussein iria encerrar o seu programa de
desenvolvimento de armas de destruição em massa. Quando a única questão
recebeu a resposta errada, a retórica do governo mudou rapidamente para o
nosso “anseio por democracia”, e a opinião pública educada seguiu
devidamente o curso; o de sempre.
Mais
tarde, à medida que a escalada da derrota no Iraque se tornou difícil
de esconder, o governo quietamente concedeu o que estava claro para todo
mundo. Em 2007-2008, a administração anunciou oficialmente que um
acordo final deve assegurar a permanência de bases militares dos EUA e o
direito de operações de combate, no país, e deve privilegiar os
investidores estadunidenses na exploração de seu rico sistema energético
– demandas que mais tarde foram relutantemente abandonadas diante da
resistência iraquiana. E tudo ficou bastante escondido da maioria das
pessoas.
Padronizando o declínio americano
Com
essas lições em mente é útil dar uma olhada ao que é destacado na
manchete dos maiores jornais de política e opinião, hoje. Peguemos a
mais prestigiada das publicações do establishment, Foreign Affairs. A manchete estrondosa da capa de dezembro de 2011 estampava em negrito: “A América acabou?”.
O
artigo da capa pedia “corte de gastos” nas “missões humanitárias” no
exterior, que estavam consumindo a riqueza do país, para impedir o
declínio americano, que é o maior tema nos discursos do ambiente de
negócios, que frequentemente vem acompanhado do corolário de que o poder
está mudando para o Leste, para a China e (talvez) a Índia.
Agora
os principais artigos são a respeito de Israel e Palestina. O primeiro,
de autoria de dois altos oficiais israelenses, é intitulado “O Problema é a Rejeição Palestina”:
o conflito não pode ser resolvido porque os palestinos se recusam a
reconhecer Israel como Estado Judeu – então em conformidade com a
prática diplomática padrão: estados são reconhecidos, mas não seus
setores privilegiados. A demanda é dificilmente outra coisa que um novo
dispositivo para deter a ameaça de solução política para os
assentamentos ilegais que minaria os objetivos expansionistas
israelenses.
A posição oposta é
defendida por um professor estadunidense tem o título “O Problema é a
Ocupação”. No subtítulo se lê: “Como a Ocupação está Destruindo a
Nação”. Qual nação? A de Israel é claro. Ambos os artigos aparecem com o
título, em cache: “Israel sitiado”.
A edição de janeiro de 2012 lança ainda um outro chamamento para o bombardeio do Irã,
agora, antes que seja tarde demais. Alertando contra “os perigos da
dissuasão”, o autor sugere que “céticos com relação à ação militar
falham em avaliar o verdadeiro perigo que um Irã com armas nucleares
imporia aos interesses dos EUA no Oriente Médio e além. E em suas
previsões sombrias imaginam que a cura pode ser pior do que a doença –
quer dizer, que as consequências de um ataque estadunidense ao Irã
seriam tão ruins ou piores do que se o país conseguisse levar a cabo
suas ambições nucleares. Mas essa é uma suposição falsa. A verdade é que
um ataque militar visando a destruir o programa nuclear iraniano, se
for feito com cuidado, poderia significar para a região e para o mundo
uma ameaça muito real e melhorar dramaticamente a segurança nacional dos
Estados Unidos no longo prazo”.
Outros
argumentam que os custos seriam altos demais e no limite alguns chegam a
dizer que um ataque [ao Irã] violaria o direito internacional – como o
fazem os moderados, que regularmente fazem ameaças de violência, em
violação à Carta das Nações Unidas.
Vamos rever cada uma dessas preocupações dominantes
O
declínio americano é real, embora a visão apocalíptica reflita a
percepção bastante familiar da classe dominante de que algum controle
menor ou total implica o desastre total. A despeito desses lamentos
piedosos, os EUA persevera como poder dominante mundial por larga
margem, e não há competidores à vista, não apenas em dimensões
militares, a respeito das quais os EUA reina supremo.
A
China e a Índia registraram crescimento rápido (embora altamente
desigual), mas permanecem países muito pobres, com problemas internos
enormes não enfrentados pelo Ocidente. A China é o maior centro
industrial do mundo, mas majoritariamente como uma linha de montagem
para as potências industriais avançadas em sua periferia e para as
multinacionais ocidentais. É provável que isso mude com o tempo. A
indústria em regra provê as bases para a inovação e a invenção, como vem
ocorrendo às vezes, na China. Um exemplo que impressionou os
especialistas ocidentais foi a tomada chinesa da liderança no mercado
crescente de painéis solares, não apenas com base na mão de obra barata,
mas no planejamento coordenado e, crescentemente, na inovação.
Mas
os problemas que a China enfrenta são sérios. Alguns são demográficos,
reportados na Science, o líder dos semanários estadunidenses de
divulgação científica. O estudo mostra que a mortalidade caiu
bruscamente na China durante os anos maoístas, “principalmente um
resultado do desenvolvimento econômico e das melhorias nos serviços
educacionais e de saúde, especialmente ao movimento de higiene pública
que resultou num golpe drástico à mortalidade por doenças infecciosas”.
Esse progresso acabou com o início das reformas capitalistas no país, há
30 anos, e a taxa de mortalidade desde então tem aumentado.
Além
disso, o crescimento econômico chinês recente contou substancialmente
com um “bônus demográfico”, uma grande população em idade economicamente
ativa. “Mas a janela para o uso desse bônus pode fechar logo”, com um
“impacto profundo no desenvolvimento”: “o excesso de mão de obra barata,
que é um dos maiores fatores de condução do milagre econômico chinês
não estará mais disponível”. A demografia é apenas um dos muitos
problemas sérios pela frente. No que concerne a Índia, os problemas são
ainda mais graves.
Nem todas as
vozes proeminentes anteveem o declínio americano. Na mídia
internacional, não há nada mais sério e respeitável que o Financial Times.
O jornal recentemente dedicou uma página inteira às expectativas
otimistas de que nova tecnologia para extrair combustível fóssil
norteamericano pode fazer com que os EUA se torne energeticamente
independente, mantendo portanto sua hegemonia por um século. Não há
menção ao tipo de mundo que os EUA comandará nesse acontecimento feliz,
mas não por falta de evidência.
Quase ao mesmo tempo, a Agência Internacional de Energia reportou
que, com o aumento rápido das emissões de carbono dos combustíveis
fósseis, o limite de uso seguro será atingido por volta de 2017, se o
mundo continuar no atual curso. “A porta está fechando”, disse o
economista-chefe da AIE, e em muito breve “fechará de vez”.
Pouco
antes, o Departamento de Energia dos EUA informou que as imagens mais
recentes das emissões de dióxido de carbono, com “a elevação para o
maior índice já registrado”, chegaram num nível mais elevado do que os
piores cenários antecipados pelo Painel Internacional de Mudanças
Climáticas (IPCC). Isso não é surpresa para muitos cientistas, inclusive
os do programa do MIT para mudança climática, que por anos alertou que
os prognósticos do IPCC eram conservadores demais.
Esses
críticos das previsões do IPCC receberam virtualmente atenção pública
nenhuma, ao contrário dos grupos denegadores do aquecimento global, que
são apoiados pelo setor corporativo, juntamente a imensas campanhas de
propaganda que tem levado os americanos para fora do espectro
internacional dessas ameaças. O apoio das corporações também se traduz
diretamente no poder político. A denegação é parte do catecismo que deve
ser entoado pelos candidatos republicanos na ridícula campanha
eleitoral em curso, e no Congresso eles são poderosos o suficiente para
abortar até investigações sobre o efeito do aquecimento global, deixando
de lado qualquer ação séria a respeito. Numa palavra, o declínio
americano pode talvez ser interditado se abandonarmos a esperança pela
sobrevivência decente, prognóstico também bastante real, dado o
equilíbrio de forças no mundo.
“Perdendo” a China e o Vietnã
Deixando
de lado essas coisas desagradáveis, um olhar de perto para o declínio
americano mostra que a China na verdade joga um grande papel nele, tanto
como o jogava há 60 anos. O declínio que agora gera tanta preocupação
não é um fenômeno recente. Ele remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial,
quando os EUA tinha metade da riqueza do mundo e dispunha de níveis
globais de segurança incomparáveis. Os estrategistas políticos estavam
naturalmente bastante conscientes dessa enorme disparidade de poder e
pretendiam mante-la assim.
O ponto de vista básico foi apresentado com admirável franqueza num grande documento de 1948.
O autor era um dos arquitetos da Nova Ordem Mundial da época, o
representante da equipe de Planejamento Político do Departamento de
Estado dos EUA, o respeitado estadista e acadêmico George Kennan, um
pacifista moderado, dentre os estrategistas. Ele observou que o objetivo
político central era manter a “posição de disparidade” que separava a
nossa enorme riqueza da pobreza dos outros. Para alcançar esse objetivo,
advertiu, “nós deveríamos para de falar de objetivos vagos e...
irreais, como direitos humanos, a elevação do padrão de vida e a
democratização”, e devemos “lidar com conceitos estritos de poder”, não
“limitados por slogans idealistas” a respeito de “altruísmo e o
benefício do mundo”.
Kennan
estava se referindo especificamente à Ásia, mas as observações dele se
generalizam, com exceções, aos participantes do atual sistema de
dominação global dos EUA. Ficou bastante claro que os “slogans
idealistas” deveriam ser apresentados sobretudo quando dirigidos aos
outros, inclusive às classes intelectualizadas, das quais se esperava
que os disseminassem.
O plano de
Kennan ajudou a formular e a implementar a tomada de controle dos EUA do
Hemisfério Oeste, do Extremo Leste e das regiões do ex-império
britânico (incluindo os incomparáveis recursos energéticos do Oriente
Médio), e o quanto foi possível da Eurásia, sobretudo seus centros
comerciais e industriais. Esses não eram objetivos irreais, dada a
distribuição do poder. Mas o declínio foi então definido de vez.
Em
1949, a China declarou independência, um evento conhecido no discurso
do Ocidente como “a perda da China” – nos EUA, com algumas recriminações
amarguradas e o conflito interpretativo a respeito de quem tinha sido o
responsável por essa perda. A terminologia é reveladora. Só é possível
perder o que em algum momento se teve. A assunção tácita era que os EUA
tinham a China, por direito, juntamente à maior parte do resto do mundo,
tanto como os estrategistas do pós-guerra pensavam.
A
“perda da China” foi o primeiro grande passo do “declínio americano”.
Foi o que teve grandes consequências políticas. Uma delas foi a decisão
imediata de apoiar o esforço francês de reconquista da sua ex-colônia da
Indochina, para que esta também não fosse “perdida”.
A
Indochina mesma não era motivo de preocupação maior, a despeito das
afirmações de suas riquezas naturais por parte do presidente Eisenhower e
outros. A preocupação maior era antes com a “teoria do efeito dominó”, a
qual é frequentemente ridicularizada quando os dominós não caem, mas
permanece um princípio regulador da política, porque é bastante
racional. Para adotar a versão Henri Kissinger dele, uma localidade que
cai fora do controle pode se tornar um “vírus” que irá “contagiar”,
induzindo outros a seguirem o mesmo caminho.
No
caso do Vietnã, a preocupação era que esse vírus do desenvolvimento
independente pudesse infectar a Indonésia, que de fato é rica em
recursos. E isso pode levar o Japão – o “superdominó”, como o
proeminente historiador da Ásia John Dower chamava – a “acomodar” uma
Ásia independente como seu centro tecnológico e industrial num sistema
que escaparia do alcance do poder dos EUA. Isso significaria, com
efeito, que o EUA tinha perdido a fase Pacífico da Segunda Guerra, na
qual lutou para tentar impedir que o Japão estabelecesse uma Nova Ordem
na Ásia.
O modo de lidar com um
problema desse é claro: destruir o vírus e “inocular” aqueles que podem
ser infectados. No caso do Vietnã, a escolha racional era destruir
qualquer esperança de desenvolvimento independente bem sucedido e impor
ditaduras brutais nos arredores. Essas tarefas foram levadas a cabo com
sucesso – embora a história tenha sua própria astúcia, e algo similar ao
que foi temido desde então tenha se desenvolvido no Leste da Ásia, a
maior parte para consternação de Washington.
A
vitória mais importante das guerras da Indochina deu-se em 1965, quando
um golpe de estado militar, com o apoio dos EUA, liderado pelo general
Suharto significou crimes massivos comparados pela CIA aos de Hitler,
Stalin e Mao. A “assombrosa matança massiva”, como descreveu o New York
Times, foi acuradamente reportada nos meios dominantes, e com euforia
desenfreada.
Foi um “brilho de
luz na Ásia”, como observou o comentarista liberal James Reston, no
Times. O golpe encerrou as ameaças à demoracia ao demolir o partido
político de massas, dos pobres, estabelecendo uma ditadura que registrou
as piores violações aos direitos humanos no mundo, e deixou as riquezas
do país abertas aos investidores ocidentais. Poucos questionaram que
depois de tantos horrores, inclusive a quase genocida invasão do Timor Leste, Suharto ter sido bem recebido pela administração Clinton, em 1995, como “nosso tipo de cara”.
Anos
após os grandes eventos de 1965, o Conselheiro para Assuntos de
Segurança Nacional de Kennedy e Johnson, McGeorge Bundy refleteria que
teria sido sensato acabar com a guerra do Vietnã a tempo, com o “vírus”
virtualmente destruído e, o principal, o dominó solidamente no lugar, no
esteio de outras ditaduras apoiadas pelos EUA pela região.
Procedimentos
similares são rotineiramente seguidos em outros lugares. Kisssinger
estava se referindo especificamente à ameaça da democracia socialista no
Chile. Essa ameaça acabou em outra data esquecida, que os
latino-americanos chamam de “O Primeiro 11 de Setembro”,
que em violência e efeitos nefastos excedeu em muito o 11 de Setembro
comemorado no Ocidente. Uma ditadura viciosa foi imposta ao Chile, como
uma parte da praga de repressão brutal que se espalhou pela América
Latina, chegando até a América Central, nos anos Reagan.
Esse
vírus tem gerado preocupações profundas aqui e ali, inclusive no
Oriente Médio, onde a ameaça de um nacionalismo secular tem consternado
os estrategistas britânicos e estadunidenses, induzindo-os a apoiar o
fundamentalismo islâmico a opor-se a isso.
A concentração da riqueza e o declínio americano
Mesmo
com essas vitórias, o declínio americano continuou. Por volta de 1970, a
parte da riqueza do mundo dos EUA saltou para 25%, basicamente onde
está hoje, concentração ainda colossal, mas bastante inferior àquela de
fins da Segunda Guerra. Nessa época, o mundo industrial era “tripolar”: a
base norte americana, dos EUA, a europeia, da Alemanha, e a do Leste da
Ásia, já a região industrial mais dinâmica, naquele tempo com base no
Japão, mas hoje incluindo as ex-colônias japonesas de Taiwan e o Sul da
Coreia, e mais recentemente a China.
Nesse
período o declínio americano entrou numa nova fase: a do declínio
autoinfligido. Desde os anos 70 tem havido mudanças significativas na
economia dos EUA, à medida que estrategistas, estatais e do setor
privado, passaram a conduzi-la para a financeirização e à exportação de
plantas industriais, levada a cabo em parte pelo declínio da taxa de
lucro na indústria doméstica. Essas decisões deram início ao círculo
vicioso no qual a riqueza se tornou altamente concentrada
(dramaticamente nos 0,1% da população), levou à concentração de poder
político, e então a uma legislação que o levou adiante, no que concerne à
tributação e outras políticas fiscais, à desregulação, às mudança nas
regras da administração corporativa - o que permitiu imensos ganhos para
os executivos - e por aí vai.
Enquanto
isso, para a maioria, os salários reais foram majoritariamente
estagnados e ao povo só restou aumentar a carga de trabalho (muito além
da europeia), a dívida insustentável e as repetidas bolhas, desde os
anos Reagan; criando riquezas de papel que desapareceram inevitavelmente
quando a bolha estourou (e os perpretadores foram resgatados pelos
contribuintes). Em paralelo a isso, o sistema político foi cada vez mais
fragmentado, enquanto ambos os partidos mergulharam cada vez mais nos
bolsos das corporações, com a escalada do custo das eleições (os
republicanos ao nível do absurdo e os democratas – agora
majoritariamente os “ex-republicanos moderados” – não ficaram muito
atrás).
Um estudo recente do
Instituto de Política Econômica, que tem sido a maior fonte de dados
respeitáveis sobre o desenvolvimento, intitula-se Failure by Design [no
contexto, algo como Fracasso por Ecomenda]. A frase “by design” é
acurada. Outras escolhas eram certamente possíveis. E como mostra o
estudo, o “fracasso” tem um corte de classe. Não há fracasso para os
“designers”. Longe disso. Antes, as políticas fracassaram para a imensa
maioria, os 99% na imagem dos movimentos Occupy – e para o país, que tem
declinado e irá continuar a fazê-lo, sob essas políticas.
Um
fator que o explica é a transferência das plantas industriais. Como
ilustra o exemplo do painel solar, mencionado acima, a industrialização
tem a capacidade de promover as bases e o estímulo para a inovação,
levando a estágios mais avançados de sofisticação na produção, no design
e na invenção. Isso, também, está sendo terceirizado, o que não é um
problema para os “mandarins do dinheiro”, que cada vez mais mandam na
política, mas é um sério problema para o povo trabalhador e as classes
médias, e um desastre real para os mais oprimidos, os afroamericanos,
que nunca escaparam do legado da escravidão e de sua mais feia
consequência, cuja magra riqueza desapareceu virtualmente depois do colapso da bolha imobiliária, em 2008, originando a mais recente crise financeira, a pior até agora.
Noam Chomsky
é professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofia do MIT. É
o maior linguista do mundo e um dos mais, senão o mais rigoroso e
consequente anarquista vivo.
Tradução: Katarina Peixoto
No Carta Maior
Tradução: Katarina Peixoto
No Carta Maior
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