segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Marina, 19%: crônica de um pique não detectado

segunda-feira, 4 de outubro de 2010


Celso Marcondes

O crescimento de Marina Silva na reta final de campanha coloca Serra e Dilma no segundo turno

No começo da campanha de Marina Silva a pergunta que mais respondia aos jornalistas era: não tem medo que sua campanha vire “um samba de uma nota só?”, ao se referirem à questão do meio ambiente, sua especialidade. Ela então respondia que iria explicar durante a campanha que “tudo estava ligado à defesa de um desenvolvimento economicamente sustentável”.

Não demorou muito para que conseguisse explicitar sua posição para cerca de 8% do eleitorado, quase todo das classes A e B dos principais centros urbanos. Marina logo solidificou este território e estacionou: de março até o meio de setembro sua curva nas pesquisas eleitorais era uma reta praticamente estática, oscilando apenas entre 9 e 11%.

Parecia que o resto do País, sobretudo os mais pobres e das regiões mais distantes, não podia assimilar suas propostas. Em parte porque nem tinha como tomar conhecimento dela, pois o tempo de TV da candidata e sua estrutura financeira era mínimos, em comparação com os de Dilma e Serra.

Em 11 de setembro, o Datafolha apontava que a petista alcançava 50% do total de votos (56% dos válidos), Serra estava com 27% e Marina com 11%. Nesta data já estava na imprensa o chamado “caso da Receita Federal”, que já causava os primeiros abalos entre os eleitores de Dilma, embora apenas entre aqueles mais abastados.

Até que surgiu o caso Erenice Guerra. A denúncia de tráfico de influências e nepotismo revelado pela Veja se espalhou como um rastilho de pólvora por toda a grande imprensa. Imediatamente ele foi para as redes de emissoras de rádio, para os grandes jornais e para o telenoticiários. A oposição tucana foi para cima do governo e de sua candidata. Serra abandonou definitivamente a posição light e ficou mais agressivo no discurso.

Depois de uma semana acuado, o governo não resistiu a uma estranha denúncia contra Erenice feita pela Folha de S.Paulo. A ministra caiu, o tom do discurso oposicionista já havia mudado. Se numa primeira fase de campanha, Serra não se comportava como oposição, se numa segunda fase começou a atacar o governo (com o caso da Receita), tinha chegado a hora da terceira fase: atacar diretamente Dilma, via o rastro evidente deixado pela sua sucessora. Uma nova esperança de fazer refluir o crescimento da petista e a sua já festejada chance de ganhar as eleições em primeiro turno.

Estava aberta definitivamente a temporada de abertura de denúncias, que começaram a surgir aos magotes. Cada dia um dos grandes órgãos de imprensa trazia um novo e os demais se encarregavam de repercutir. No espaço diário do Jornal Nacional dedicado aos presidenciáveis, Dilma só se defendia, Serra atacava raivoso, Marina criticava, mas de fora do tiroteio.

A petista passou a cair nas pesquisas, mas quem crescia não era Serra, sim Marina. Ela acabava de ganhar mais uma tema para sua campanha, não era mais a candidata do meio ambiente. Empunhou a bandeira da ética, batia no governo e em Dilma, sem a raiva dos tucanos.

Serra percebeu o dilema do novo quadro e terceirizou a responsabilidade maior de criticar o governo. Lula reagiu com o fígado, foi para campo e respondeu aos ataques da mídia e dos adversários com dureza. Que responderam mais forte ainda.

Serra começou daí a criar um novo Programa de Governo: em duas semanas inventou o Salário Mínimo de 600 reais, o aumento de 10% para todos os aposentados, o 13º no Bolsa Família, o Prouni nas escolas técnicas, os 400 km de metrô a serem construídos pelo Brasil. Tirou tudo isso de repente do fundo da cartola para dialogar com os mais pobres, precisava deles par nutrir chances de segundo turno e entrar onde Marina não entrava.

Na reta finalíssima de campanha, Serra já não atacava diretamente a Dilma, passou dois debates televisivos sem inquiri-la uma só vez.

Marina acirrava as críticas aos dois e chamava para um segundo turno “entre duas mulheres”. E sentia que começava a entrar nas camadas mais pobres da população, via voto evangélico e de seu discurso de “mulher de origem humilde, alfabetizada aos 16 anos e de sobrenome Silva, como Lula”.

Na semana passada o comando petista acordou e viu que religião e aborto se tornaram pauta de conversas entre os mais humildes ainda sem seus votos consolidados. E pior, tema central de uma onda de boatos contra Dilma que cresceu no País, via internet. Tomou então algumas iniciativas, ela se reuniu com religiosos e passou a falar de Deus.

Chegamos ao pleito com as pesquisas a apontar indefinição total em relação a um segundo turno. Mas sem ninguém a mostrar que já era mais efetiva a entrada dos verdes na classe C. A porta, entretanto, já estava aberta a partir do momento em que Marina recebeu de Serra e da imprensa a bandeira da ética e a juntou à bandeira cristã, de base conservadora. Chegou aos 19%, comemorou muito, “perdeu ganhando”, ela disse.

Dia 31 voltaremos às urnas. E agora, para onde irão Marina e o PV, fortalecidos como nunca, embevecidos como jamais? Fernando Gabeira já disse, mas ele não fala pelo PV.

Celso Marcondes

Celso Marcondes é jornalista, editor do site e diretor de Planejamento de CartaCapital. celso@cartacapital.com.br

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