quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Conceder não é privatizar

Hélio Doyle
É natural que adversários políticos procurem se enfrentar no campo das ideias. Aliás, seria muito bom que os debates políticos se dessem sempre neste campo, em torno de propostas para a sociedade e posicionamentos diante de problemas que se colocam ao país. Não é isso, infelizmente, que vem acontecendo no Brasil. A política caiu de nível e os partidos, salvo pouquíssimas exceções, deixaram de exprimir posições ideológicas e conjunturais na busca legítima pelo poder para se transformarem em aglomerados amorfos e fisiológicos.

 
Normal, assim, que os opositores do governo de Dilma Rousseff aproveitem a concessão de três grandes aeroportos à iniciativa privada para cobrar coerência ao PT. Como todos lembram, a discussão sobre a privatização de empresas públicas realizada no governo de Fernando Henrique Cardoso foi um dos temas da campanha de Lula em 2006. O então candidato tucano Geraldo Alckmin não quis assumir a pecha de privatizante, jogada por Lula, e até hoje é criticado por isso por seus companheiros.

 
O governo de Dilma, que é filiada ao PT, agora ou é acusado de ter adotado a política de privatizações – inclusive por setores do partido – ou é, com ironia, aplaudido por ter encampado as teses tucanos-democratas. Mas, como em 2006, não há um verdadeiro debate sobre o tema, há apenas as tradicionais frases de efeito, análises ligeiras e a superficialidade que caracteriza o debate político em nosso país.

 
Não é de se estranhar que os oposicionistas, aliados no governo de Fernando Henrique (e com o inevitavelmente governista PMDB então ao lado deles), queiram passar à sociedade a ideia de que o governo de Dilma aderiu às teses privatistas ao conceder a exploração de aeroportos a empresas privadas. Colocando tudo no mesmo saco, os tucanos e democratas acreditam que vão tirar dos petistas e dos partidos considerados de esquerda a bandeira antiprivatizações que poderia ser retomada em 2014. E ainda dizem que o PT finalmente se rendeu às teses tucanas.

 
De outro lado, segmentos mais próximos à esquerda do PT, e a CUT, central sindical identificada com o partido, tentaram evitar e criticam as concessões de aeroportos. Têm o direito de fazer isso, mas dessa maneira acabam legitimando a posição oposicionista, de que os petistas adotaram o caminho que os tucanos já trilham há muito tempo.

 
A superficialidade deste debate é muito bem resumida por uma frase de Elena Landau, que foi diretora do BNDES para a desestatização nos tempos de FHC, publicada no Valor Econômico: “Hoje me aposento e passo o bastão: Dilma é a nova musa das privatizações”. Mas a bobagem da autoproclamada musa vai além: “Hoje é um dia muito importante: o debate sobre privatizações se encerrou... e nós ganhamos”.
Pode-se, e deve-se, discutir diversos aspectos da concessão de aeroportos à exploração de empresas privadas. Pode-se até discutir se era necessário ou não tomar essa medida. Mas não há, para qualquer aluno de ensino médio, como confundir privatização com concessão, como querem fazer crer os oposicionistas e pensa parte da esquerda. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

 
Vender à iniciativa privada empresas que pertenciam ao Estado é privatizar. Foi isso que o governo de FHC fez, e perduram enormes suspeitas sobre o processo. Venderam barato e, diz-se, ganharam muito. Conceder à iniciativa privada a exploração de um serviço público, mantendo-se a propriedade do Estado, não é privatizar. No caso dos aeroportos, inclusive, a empresa estatal Infraero detém 49% das concessões. A partir dessa premissa óbvia, diferenciando as duas situações, é que se deve começar a discussão sobre os benefícios ou malefícios das privatizações e das concessões, sem querer confundir a opinião pública.

 
Como o sistema em que vivemos é capitalista, é natural que a iniciativa privada exerça um papel fundamental na economia e seja chamada a entrar com capitais e tecnologias que faltam ao Estado. No caso brasileiro, a ineficiência e a péssima gestão de várias empresas estatais, especialmente porque seus dirigentes prestam contas aos partidos que os indicam e não à população, tornam mais presente a defesa da privatização e das concessões. A falta de recursos públicos para obras essenciais de infraestrutura reforça a tese.

 
Há pelo menos 20 anos, grandes empresas privadas se associam ao Estado em países socialistas para explorar determinados setores da economia. Não há privatização, há concessões de serviços e associações de capital privado e estatal na indústria e no comércio, muitas vezes meio a meio, sempre sob controle do Estado.

 
Ao privatizar diversas empresas, de vários segmentos, o governo FHC criou as agências reguladoras para, em tese, o Estado e a população terem a garantia de que os serviços privatizados seriam de qualidade e os contratos seriam cumpridos. De modo geral, e na maioria das vezes, as agências reguladoras não têm exercido esse papel: os serviços são muito ruins e os conselheiros das agências parecem mais preocupados em defender os interesses das empresas privadas do que os do Estado e da população. Não é difícil entender por quê.
 

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