Hélio Doyle
É natural que adversários políticos procurem se enfrentar no campo das
ideias. Aliás, seria muito bom que os debates políticos se dessem sempre
neste campo, em torno de propostas para a sociedade e posicionamentos
diante de problemas que se colocam ao país. Não é isso, infelizmente,
que vem acontecendo no Brasil. A política caiu de nível e os partidos,
salvo pouquíssimas exceções, deixaram de exprimir posições ideológicas e
conjunturais na busca legítima pelo poder para se transformarem em
aglomerados amorfos e fisiológicos.
Normal, assim, que os opositores do governo de Dilma Rousseff aproveitem
a concessão de três grandes aeroportos à iniciativa privada para cobrar
coerência ao PT. Como todos lembram, a discussão sobre a privatização
de empresas públicas realizada no governo de Fernando Henrique Cardoso
foi um dos temas da campanha de Lula em 2006. O então candidato tucano
Geraldo Alckmin não quis assumir a pecha de privatizante, jogada por
Lula, e até hoje é criticado por isso por seus companheiros.
O governo de Dilma, que é filiada ao PT, agora ou é acusado de ter
adotado a política de privatizações – inclusive por setores do partido –
ou é, com ironia, aplaudido por ter encampado as teses
tucanos-democratas. Mas, como em 2006, não há um verdadeiro debate sobre
o tema, há apenas as tradicionais frases de efeito, análises ligeiras e
a superficialidade que caracteriza o debate político em nosso país.
Não é de se estranhar que os oposicionistas, aliados no governo de
Fernando Henrique (e com o inevitavelmente governista PMDB então ao lado
deles), queiram passar à sociedade a ideia de que o governo de Dilma
aderiu às teses privatistas ao conceder a exploração de aeroportos a
empresas privadas. Colocando tudo no mesmo saco, os tucanos e democratas
acreditam que vão tirar dos petistas e dos partidos considerados de
esquerda a bandeira antiprivatizações que poderia ser retomada em 2014. E
ainda dizem que o PT finalmente se rendeu às teses tucanas.
De outro lado, segmentos mais próximos à esquerda do PT, e a CUT,
central sindical identificada com o partido, tentaram evitar e criticam
as concessões de aeroportos. Têm o direito de fazer isso, mas dessa
maneira acabam legitimando a posição oposicionista, de que os petistas
adotaram o caminho que os tucanos já trilham há muito tempo.
A superficialidade deste debate é muito bem resumida por uma frase de
Elena Landau, que foi diretora do BNDES para a desestatização nos tempos
de FHC, publicada no Valor Econômico: “Hoje me aposento e passo o
bastão: Dilma é a nova musa das privatizações”. Mas a bobagem da
autoproclamada musa vai além: “Hoje é um dia muito importante: o debate
sobre privatizações se encerrou... e nós ganhamos”.
Pode-se, e deve-se, discutir diversos aspectos da concessão de
aeroportos à exploração de empresas privadas. Pode-se até discutir se
era necessário ou não tomar essa medida. Mas não há, para qualquer aluno
de ensino médio, como confundir privatização com concessão, como querem
fazer crer os oposicionistas e pensa parte da esquerda. Uma coisa é uma
coisa, outra coisa é outra coisa.
Vender à iniciativa privada empresas que pertenciam ao Estado é
privatizar. Foi isso que o governo de FHC fez, e perduram enormes
suspeitas sobre o processo. Venderam barato e, diz-se, ganharam muito.
Conceder à iniciativa privada a exploração de um serviço público,
mantendo-se a propriedade do Estado, não é privatizar. No caso dos
aeroportos, inclusive, a empresa estatal Infraero detém 49% das
concessões. A partir dessa premissa óbvia, diferenciando as duas
situações, é que se deve começar a discussão sobre os benefícios ou
malefícios das privatizações e das concessões, sem querer confundir a
opinião pública.
Como o sistema em que vivemos é capitalista, é natural que a iniciativa
privada exerça um papel fundamental na economia e seja chamada a entrar
com capitais e tecnologias que faltam ao Estado. No caso brasileiro, a
ineficiência e a péssima gestão de várias empresas estatais,
especialmente porque seus dirigentes prestam contas aos partidos que os
indicam e não à população, tornam mais presente a defesa da privatização
e das concessões. A falta de recursos públicos para obras essenciais de
infraestrutura reforça a tese.
Há pelo menos 20 anos, grandes empresas privadas se associam ao Estado
em países socialistas para explorar determinados setores da economia.
Não há privatização, há concessões de serviços e associações de capital
privado e estatal na indústria e no comércio, muitas vezes meio a meio,
sempre sob controle do Estado.
Ao privatizar diversas empresas, de vários segmentos, o governo FHC
criou as agências reguladoras para, em tese, o Estado e a população
terem a garantia de que os serviços privatizados seriam de qualidade e
os contratos seriam cumpridos. De modo geral, e na maioria das vezes, as
agências reguladoras não têm exercido esse papel: os serviços são muito
ruins e os conselheiros das agências parecem mais preocupados em
defender os interesses das empresas privadas do que os do Estado e da
população. Não é difícil entender por quê.
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