Por Emiliano José*
O governo da Bahia precisa correr contra o tempo, para desarmar a bomba
que é a Polícia Militar da Bahia. Não se pode dizer que não se sabia.
Uma tese acadêmica do professor Georgeocohama mostrou o espírito
autoritário da Polícia, ao analisar a greve da PM em 1981. Não por
acaso, o jornalista, professor e hoje deputado federal Emiliano José
assinou o prefácio do livro de Ocohama. Desde o golpe militar de 1964, a
PM baiana se constituiu no braço armado voltado para reprimir
manifestações populares.
E a violência, pode-se dizer, vem sendo o método de trabalho da PM
baiana, entranhada na corporação pela ideologia do carlismo. Chega a ser
ridículo, os discursos oportunistas de políticos como o deputado ACM
Neto (DEM) e do deputado derrotado José Carlos Aleluia. O guru deles,
ACM, incutiu na PM a ideologia da violência. Agora, este espírito
maligno se volta contra o povo da Bahia.
Leia na íntegra a análise de Emiliano no livro de Georgeocohama:
Quando a greve da Polícia Militar baiana de 1981 ocorreu, eu trabalhava
na sucursal do jornal O Estado de S. Paulo, em Salvador, como repórter.
Para os jornalistas de então, um fato inusitado. Estávamos acostumados a
cobrir a ação da PM no decorrer de movimentações de operários e
estudantes, e tal ação revestia-se sempre de um cunho repressivo. A PM,
nos anos posteriores a 1964, especialmente até o fim da ditadura em
1985, se constituiu no braço armado mais prontamente à disposição das
classes dominantes para reprimir quaisquer movimentos populares.
Era a PM que tornava dramaticamente real o lado coercitivo do Estado
brasileiro. Em todo o País, simultaneamente ao controle a que foram
submetidas pelo Exército, as PMs foram modernizadas em sua aparelhagem
repressiva, modernização que se expressava no maquinário de guerra de
combate às manifestações de rua. Assim perplexos, cobríamos aquela
greve.
A análise do professor Georgeocohama sobre as causas daquele movimento
revela muita ousadia. Enfrentou tema pouco visitado pela Academia. O
livro que agora ganha as ruas foi escrito há mais de 20 anos. Tem, quem
sabe, os defeitos de uma análise feita a quente, mas também as
qualidades desse tipo de incursão.
Só os bons historiadores, os menos acomodados, são capazes de produzir
obras assim: poderíamos chamá-las de análise de conjuntura, numa visão
bastante ampliada dessa noção; ou, para ousar avançar por terreno
conceitual desconhecido, denominá-la de história mergulhada no
acontecimento.
Ao fazê-lo, o autor contribuiu para abrir a vereda que tem possibilitado
uma discussão ampliada sobre o papel das PMs numa sociedade
democrática. Inegavelmente há um vezo preconceituoso entre as esquerdas,
ontem mais do que hoje, em analisar o papel dos militares na vida
política brasileira, salvo sob o ângulo da repressão, da violência, do
arbítrio, características marcantes da ação militar num País
acentuadamente marcado pelo autoritarismo.
A discussão sobre a PM baiana e o movimento grevista de 1981 implica
análise aligeirada sobre o Estado brasileiro, especialmente o moderno
Estado construído desde os anos 30 do século passado. Esse Estado
constituiu-se à base de estruturas mais ou menos autoritárias, que
passaram pela ditadura getulista do Estado Novo, pelo populismo
nacionalista da primeira metade dos anos 50, pelo desenvolvimentismo de
Juscelino, pelo reformismo de Goulart e pela modernização conservadora
da ditadura pós-64.
O crescimento da sociedade civil, de modo geral, sempre enfrentou
obstáculos, sejam aqueles menos coercitivos, como os levantados pelo
populismo, sejam os repressivos, como os do Estado Novo.
O crescimento do movimento operário-popular em 1964 provocou a reação
das classes dominantes e redundou em ditadura. A marca autoritária em
nossa história não é pequena. Os militares, não por acaso,
acreditaram-se demiurgos de um projeto nacional, baseado na Doutrina da
Segurança Nacional, cuja inspiração, também não por acaso, veio dos EUA,
fundada em pressupostos da Guerra Fria, marcada então por um
anticomunismo visceral.
Tal doutrina desenvolvia a tese do inimigo interno, que justificava
todas as violências praticadas contra aqueles que tinham uma visão
diversa. Desde o final dos anos 40, esse tipo de visão esteve presente
em nossa história, e corporificou-se com absoluta transparência em 1964 e
naqueles anos seguintes de terror e de sombras.
A presença militar era tão forte que, para selar o fim da ditadura,
fez-se uma espécie de pacto com as Forças Armadas, baseado numa anistia
que perdoava os torturadores e assassinos dos porões repressivos. É
possível que não houvesse outro caminho dado à correlação de forças do
momento, mas o fato é que isso ocorreu. A sociedade civil e a sociedade
política não conseguiram desenvolver até muito recentemente mecanismos
institucionais que colocassem as Forças Armadas sob controle, na
dependência de regras democráticas sólidas.
Só após o fim da ditadura, em 1985, iniciou-se um processo,
relativamente lento, onde, paulatinamente, as Forças Armadas passaram a
se submeter de forma mais clara aos ditames da lei. Isso foi possível
devido à dinâmica interna – a democratização da sociedade brasileira –, e
externa –, o fim da Guerra Fria, com o desmoronamento de toda a
experiência socialista na URSS e nos países do Leste Europeu.
Recente episódio – o da revelação pela imprensa de fotos de prisioneiros
nus nos porões da ditadura – mostrou a autoridade do presidente Lula
sobre os militares, evidenciando que os tempos são outros, mais
democráticos. Vamos caminhando de modo mais rápido e seguro para uma
sociedade amparada na lei.
Para dizer de forma simplificada, se tentarmos situar o episódio
analisado por Georgeocohama, podemos dizer que as PMs de então eram um
subproduto do quadro nitidamente autoritário que predominou até 1985.
Enquadradas rigorosamente após 64, elas foram submetidas aos interesses e
conceitos globais do Exército, a instituição que dá as cartas nas
Forças Armadas. Passam, então, a ser “tropa de choque” do Estado
brasileiro para “sedições internas”, especialmente as movimentações
urbanas, das greves operárias às manifestações estudantis.
A greve de 1981, com as conseqüências trágicas dela decorrentes, talvez
seja um daqueles momentos em que a PM da Bahia toma consciência de si
mesma, recusa-se a ser simples massa de manobra, embora, como é
evidente, limite-se a seus interesses meramente corporativos, temendo
até a solidariedade de outros setores sociais, o que decididamente
reduziu o alcance do movimento.
As paixões do momento não foram sistematizadas numa orientação política
conseqüente, como foi diagnosticado pelo professor Georgeocohama
corretamente. Não custa lembrar movimento recente, de 2001, quando outra
greve, e esta com impressionante participação da soldadesca, colocou
Salvador em estado de choque e o governo paralisado. Essa movimentação, à
espera de análises mais cuidadosas, produziu alguns líderes, um dos
quais, sargento Isidório, tornou-se deputado estadual pelo PT com
expressiva votação.
A história registra movimentos de soldados como momentos heróicos,
evidência de um alto grau de politização. Não custa lembrar a Revolta da
Chibata, do marinheiro João Cândido, contra os castigos absurdos de que
era vítima a marujada. Ou a luta dos sargentos por seus direitos no
pré-64, objeto até hoje de muitas discussões.
Ou, mais distante de nós, a extraordinária participação de soldados na
Revolução Russa. A politização dos soldados, no Brasil pós-64, no
entanto, foi reprimida de todas as maneiras. Greves em corporações como a
PM não são boas companhias da democracia. São perigosas para todos se
se tornam incontroláveis. Estamos falando de homens – e agora mulheres –
armados.
A greve de 2001 foi um exemplo disso. Quando se prolongou por vários
dias, criou uma situação de caos social em Salvador. No primeiro
momento, recebeu o apoio da população, que sabia dos baixos salários e
péssimas condições de trabalho dos soldados, sargentos e mesmo oficiais.
Num segundo momento, o povo fechava-se em casa com medo e queria o fim
rápido do movimento. A PM, nesse caso, saiu relativamente fortalecida.
Houve, por caminhos tortuosos, o reconhecimento do quanto ela é
necessária, embora não se possa desconhecer o quanto ela precisa mudar
para se tornar uma polícia cidadã, que tenha como missão principal
proteger o cidadão e cidadã comuns.
As diferenças entre os dois movimentos não são pequenas, e posso lembrar
alguns deles, arriscando-me a palpitar. O primeiro é que o de 1981 não
teve o alcance de massa que teve o de 2001. Aquele foi uma ação
concentrada na ousadia de alguns oficiais. O segundo aspecto é que o de
1981 foi barrado de modo sangrento – a lembrar que o governador biônico
era Antônio Carlos Magalhães, prócer querido da ditadura – enquanto que o
de 2001 acabou sendo resolvido pela negociação, em decorrência
especialmente da ação de parlamentares da oposição, que praticamente
socorreram um governador inerte, quase perplexo diante da greve.
Os tempos eram outros. Já não era mais possível mandar matar, como em
1981. O terceiro é que a movimentação de 2001 durou um bom número de
dias, teve um impressionante impacto político-social e obrigou o governo
a ter mais atenção com a PM, enquanto que a de 1981, estancada na ponta
do fuzil, acabou rapidamente e suas conseqüências nem de longe se
aproximaram das de 2001.
Mas tudo isso é palpite. O que importa aqui é a análise feita por
Georgeocohama a respeito da movimentação de 1981. É essa ousadia dele
que nos convida a uma reflexão sobre a PM na sociedade que vivemos hoje,
muito mais democrática.
Nos tempos mais recentes, desincumbida parcialmente da tarefa anterior
de reprimir movimentos populares, devido à situação democrática, a PM,
educada para a violência, continuou como “tropa de choque” contra os
pobres e negros, especialmente nas grandes cidades. A questão posta para
todos nós, que temos compromisso com a continuidade da democratização
da sociedade brasileira, é a definição do papel dos militares na vida
política nacional, e aí inclui-se também as polícias militares.
Aqui, pode ocorrer a um leitor mais atento lembrar, acompanhando
Norberto Bobbio, ser o Estado sempre um instrumento de repressão, o que
ninguém contestaria. Mas isso não quer dizer, e isso também é Bobbio,
que todos os Estados sejam igualmente repressivos. Nós, aqui e agora,
queremos um Estado democrático, com os militares submetidos aos ditames
da lei, incluindo-se aí a PM enquanto ela existir, para que se garanta
um estado de paz civil.
É necessário que se estimulem ouvidorias autônomas das PMs de modo a
facilitar ao cidadão e à cidadã recorrerem dos arbítrios, das
violências, contribuindo para uma vigilância efetiva da sociedade civil
sobre a instituição. É fundamental que seja incrementada a educação dos
efetivos da PM no campo dos direitos humanos. Não podemos, em nome de
uma teoria abstrata do Estado como instrumento da repressão, descuidar
da importância de uma espécie de revolução cultural entre os policiais
militares.
É possível forjar um novo espírito, que fortaleça mais o aspecto
preventivo do que o repressivo. Um espírito que faça os policiais
militares enxergarem cidadãos no negro pobre, no sujeito sem posses. Um
espírito que pretenda sempre, em primeiro lugar, proteger o povo. Sem
isso, continuaremos a assistir a essa impressionante guerra civil que
assola o País principalmente nas grandes cidades.
Ninguém ignora a necessidade da repressão contra a criminalidade de
qualquer natureza, especialmente contra o crime organizado, e no quadro
institucional ainda vigente, a PM cumpre um papel importante. Mas é
preciso um novo espírito para que a população pobre e trabalhadora não
continue a ser a principal vítima.
Emiliano José é jornalista, escritor e deputado federal (PT-BA)
*Matéria originalmente publicada no site Vi o Mundo
Um comentário:
eu quero que você sacrifique o famoso pau bionico ele tomou o meu lugar o orixa não me deu eu acho que se ele se envolveu é ligado aos rotichild tá me causando pobrema é melhor abolir eu faço o seis
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