O crime organizado, carnaval e futebol
Por mais importante seja a alegria do povo, nas arquibancadas dos
estádios e das passarelas do carnaval, uma coisa não pode ser confundida
com a outra. A corrupção e o jogo do bicho são atividades criminosas, e
devem ser investigadas e punidas.
Mauro Santayana, Carta Maior
Conhecidos jogadores de futebol, ídolos do público, como Ronaldo e
Neymar, defendem o Sr. Ricardo Teixeira das acusações que lhe estão
sendo feitas. Para os dois profissionais, o presidente da CBF é um homem
excepcional, que prestou grandes serviços ao esporte, e não deve ser
afastado de seu cargo. Ao mesmo tempo, diretores de escolas de samba
investem contra o governador Sérgio Cabral, que fez declarações contra a
participação dos bicheiros no carnaval carioca. Ora, se se confirmarem
as denúncias contra Teixeira e seu sogro, João Havelange, eles poderão
ser qualificados como participantes de uma forma de crime organizado. E o
jogo do bicho, até que haja leis em contrário, é uma atividade
criminosa.
Por mais importante seja a alegria do povo, nas arquibancadas dos
estádios e das passarelas do carnaval, uma coisa não pode ser confundida
com a outra. A corrupção e o jogo do bicho são atividades criminosas, e
devem ser investigadas e punidas. O episódio nos conduz a pensar um
pouco sobre a tolerância nacional para com os que violam as leis. Homens
públicos de biografia conhecida se tornam facilitadores de negócios,
sob o rótulo genérico de consultores. A atividade de consultores está
ligada à especialidade de cada um deles. Um jornalista pode dar
consultoria em divulgação de empresas: é sua especialidade. Um
engenheiro calculista faz o mesmo, e o mesmo pode fazer um geólogo. Os
médicos e advogados são consultores de tempo integral. Mas os lobistas
não são consultores: são corretores de negócios – geralmente negócios
com o poder público.
Os ídolos do público, jogadores de futebol ou sambistas, vivem em outra
dimensão da realidade. Os craques de futebol, principalmente os de hoje,
estão afastados da maioria da sociedade. Ganham fortunas, porque, com
seu talento, geram fortunas ainda maiores. Fora alguns casos – e Romário
é um deles -, distanciam-se das coisas cotidianas e vivem, como é
natural, navegando nas nuvens da própria glória. Não deviam, sendo
assim, imiscuir-se nas coisas políticas.
É de se recordar a desastrada declaração de Pelé, a de que o povo não
sabe votar, feita ainda durante o regime militar. Recorde-se que grande
parte de sua carreira coincidiu com o auge da Ditadura, quando um dos
presidentes, Garrastazu Médici, se jactava de ser o maior torcedor
brasileiro, a ponto de dar palpites sobre o elenco da seleção e receber a
corajosa resposta de João Saldanha: “ao presidente cabe escalar o
Ministério, e, a mim, escalar o time”.
É velha a tolerância nacional para com os bandidos simpáticos. Durante
muitos anos reinou, absoluto, como o maior contrabandista do Rio, o
célebre Zico, proprietário do famoso Bar Flórida, da Praça Mauá. O bar
era o ponto mais conhecido da boemia carioca, freqüentado por
prostitutas, marinheiros e malandros. Milionário, Zico era, como todos
os sujeitos de sua estirpe, generoso por esperteza, a fim de angariar o
apoio de parcelas da população, e financiador de vereadores cariocas.
Conta-se que até mesmo Dutra, presidente de sua época, o recebia no
Catete. Ao que se sabe, ele nunca foi incomodado pela polícia.
Estamos em uma fase de saneamento moral na atividade política, com a
aprovação definitiva da exigência de ficha limpa aos candidatos aos
cargos eletivos. Alguns governos estaduais – e o primeiro deles foi o de
Minas – já adotaram a exigência e se comprometem a não nomear quem não
possa cumpri-la. Seria bom que as escolas de samba não se deixassem
governar por notórios bicheiros, e que o futebol voltasse a ser o que
foi no passado. Tudo isso é difícil, mas não podemos esmorecer.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil,
diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi
redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais
jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que
foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África
do Norte.
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