quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

CHILE - Será a volta do neoliberalismo?


"Piñera colocará o país à venda", diz comunista chileno

Atual secretário-geral do Partido Comunista chileno e recém eleito deputado, Lautaro Carmona indica que um eventual governo do milionário da direita Sebastián Piñera irá aprofundar a política neoliberal. E que o candidato governista Eduardo Frei deve propor "direções claras e novas" se quiser ganhar no próximo dia 17 de janeiro.

Ele leva a foice e o martelo no peito desde os anos 80, quando, em plena ditadura de Pinochet, participava das Juventudes Comunistas e enfrentava o tirano na clandestinidade. "De outra forma, a gente desaparecia". Esse é Lautaro Carmona, atual secretário-geral do PC chileno e que, no domingo, junto com outros dois "companheiros", mudou a mão da história após ser eleito deputado, depois de 37 anos de seca comunista no Congresso.

Cientista político de profissão, ele dedica seu triunfo ao povo, aos trabalhadores e a dois símbolos da cor vermelha que já não estão entre nós: Volodia Teitelboim e Gladys Marín. Como ator privilegiado dos acontecimentos políticos vividos no Chile no último domingo, o deputado eleito diz que é fundamental que a Concertación proponha direções claras e novas para voltar a encantar a sociedade, se quiser triunfar no segundo turno do dia 17 de janeiro.

E, como disse o seu candidato, Jorge Arrate, que obteve 6% na eleição presidencial, deve-se conseguir um acordo amplo de todas as forças progressistas para derrotar a direita. Incluindo, certamente, aos aliados de Marco Enríquez-Ominami, por mais que este tenha lhes deixado em liberdade de ação. Porém, esses 6% comunistas serão a menina dos olhos no segundo turno. Confira a entrevista com ele:

Página 12: O que se sente ao romper primeiro uma história de 37 anos e depois o perverso sistema binominal chileno?
Lautaro Carmona:
Uma grande satisfação, pois ganhamos uma luta contra a exclusão que impedia a representação parlamentar de uma força que tem claras raízes no mundo sindical, nos direitos humanos, nos habitantes e nos estudantes, mas que, para se potencializar, precisava da representação no Congresso.

Mesmo que tenhamos apelado para um acordo político com a Concertación, toda vez em que a direita não quis reformar o sistema eleitoral foi a sociedade que, com sua vontade, rompeu isso. Agora, temos uma grande responsabilidade, porque as expectativas dos trabalhadores se sustentam no fato de que a representação do Partido Comunista permita que assuntos postergados sejam de debate parlamentar e que sejam em benefício dos trabalhadores e do povo em geral.

Página 12: Quais serão as propostas fundamentais dessa bancada comunista na Câmara baixa e quem serão seus principais sócios na direita?
LC:
Teremos a independência própria do PC, que faz parte da esquerda na coalizão Juntos Podemos. Instalaremos as questões da esquerda nessa batalha para prender o gado do neoliberalismo. Todos aqueles que coincidam nisso farão parte de uma atividade comum como um sistema trabalhista que devolva a capacidade de negociação aos sindicatos, que termine com a legislação arbitrária e pró-empresarial que derivou em uma perseguição canibal aos dirigentes.

Além disso, queremos terminar de democratizar o sistema político, acabando com o sistema binominal e passando para um proporcional que tenha representação direta segundo a incidência na sociedade, fomentar o direito ao voto fora do Chile, a inscrição eleitoral automática e a revocabilidade daqueles que ostentam cargos de eleição popular e traem as promessas de campanha.

Página 12: No plano econômico, o que vocês propõem?
LC:
A defesa da Corporação Nacional do Cobre [Codelco, a maior empresa produtora de cobre estatal do mundo e principal entrada de recursos do Estado chileno] como empresa do Estado e criar condições para renacionalizar a mineração, uma política ambiental de Estado que inclua a água como direito humano na Constituição, entre outros tópicos.

Página 12:
O que o pacto contra a exclusão significa concretamente para o segundo turno?
LC:
Não é vinculante. A direção do Juntos Podemos está levando em conta as opiniões do candidato Jorge Arrate para iniciar um diálogo na perspectiva de construir um acordo para derrotar a direita no segundo turno. Mas isso deve significar uma reação muito ativa da equipe que defende a candidatura presidencial de Eduardo Frei. Por isso, é preciso construir um acordo programático mínimo que potencialize as possibilidades do povo e dos trabalhadores.

Página 12: Existem essas pontes?
LC:
A necessidade, da perspectiva da Concertación, é absoluta. Sempre existiu espaço para conversar. Acreditamos que chegou a hora de pôr os grandes interesses no centro, que podem re-encantar, justificar e explicar o porquê dessa grande convergência contra a direita mais reacionária e neoliberal.

Página 12: O que o senhor achou do fato de o ex-socialista Marco Enríquez-Ominami, que ficou em terceiro no primeiro turno, não tenha convocado seus eleitores para votar em Frei, facilitando ainda mais um triunfo da direita?
LC:
Para nós não é a mesma coisa quem irá governar o Chile. Não tanto por nós, que temos o rigor de 17 anos de ditadura, 37 anos sem parlamentares, entre outros pontos, mas sim porque medimos isso pelas consequências que terá para o povo. Se há uma força que pode obter acordos que beneficiem os trabalhadores, renunciar a isso me parece um exercício que pode ser muito complexo e muito cruel com as pessoas.

Pode ser que Frei não cative os militantes, mas podemos orientar, convocar, e cada um irá votar soberanamente. Não se pode ficar só nas expectativas dos resultados que ocorreram, porque aqui existe mais do que isso. Para mim, não é a mesma coisa retroceder violentamente nas conquistas dos trabalhadores. Por isso fazemos esse esforço.

Página 12: O que significa para o senhor que Piñera ganhe a presidência?
LC:
Se completaria o controle total, pela via de um exercício de um poder eleito, com os poderes fáticos (midiático, econômico) e certos espaços internacionais. Se aprofundará em níveis exagerados e muito perigosos a aplicação de uma política neoliberal, como nos melhores tempos deste e, portanto, nos piores tempos do povo. Esse é o perigo real, transformar o Chile em uma grande empresa à venda, sob os ditames norte-americanos como potência imperial. Opôr-se a isso deve ser o compromisso de Frei.

Página 12: Então, por que Piñera ganhou o primeiro turno?
LC:
Não é nenhum segredo que a Concertación, como coalizão, está desgastada. O efeito de Enríquez-Ominami tem a ver com isso. Penso que esse desgaste alcançou até o entusiasmo com o qual se trabalhou na corrida presidencial no primeiro turno.

Além disso, é evidente que, com três candidaturas com juízo crítico à direita, aconteceria algo parecido ao que ocorreu em 2005 com os candidatos de direita Joaquín Lavín e Sebastián Piñera com relação a Michelle Bachelet, que finalmente acabou ganhando. Mas a questão é mais complexa e tem a ver com o esgotamento que produziu distorção, fugas e uma falta de encantamento que sustentaram campanhas anteriores da Concertación.

Página 12: A Concertación ganha no segundo turno?
LC:
Dependerá muito se a Concertación vai dar um giro profundo e com que vão re-encantar a sociedade. Se for assim, compromete a nossa contribuição e teremos que ir de porta em porta, de casa em casa, como os três candidatos comunistas que ganharam no domingo fizeram.

Fonte: Página 12

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