MÍDIA - Luta na Idade Média.
Luta na Idade Média
Luiz Antonio Magalhães
Igrejas, operadoras de telefonia e novos empresários em busca de influência política. Esses três exércitos, cada um por um flanco, estão destruindo as muralhas da cidadela onde ainda se refugia a mídia tradicional brasileira. Nos últimos dez anos, os velhos barões, fortalecidos à sombra da ditadura, perderam espaço. Alguns, como as famílias Mesquita (O Estado de S. Paulo), Nascimento Brito (Jornal do Brasil) e Levy (Gazeta Mercantil) foram obrigados a vender totalmente ou a repassar o comando dos negócios a credores. Outros, como os Civita (Editora Abril), não detêm mais o controle acionário das empresas.
Ainda a se refazer do baque da crise após a desvalorização do real em 1999, o pior momento do setor na história recente, os meios de comunicação entraram na guerra da convergência e da revolução tecnológica e de hábitos do consumidor com um arsenal bem inferior do que as dos novos concorrentes. No caso da telefonia, é uma questão de escala: só o lucro da espanhola Telefônica ou da brasileira Oi chega a superar todo o faturamento da Globo. No das igrejas, é uma questão de acesso a recursos: é quase impossível competir com quem obtém o financiamento mais barato de todos, o dízimo dos fiéis. E há ainda empresários de pouca tradição no ramo, como J. Hawilla, que montou uma rede de pequenos jornais no interior de São Paulo e recentemente adquiriu da família Marinho o Diário de S. Paulo,- -um dos principais da capital paulista.
A primeira consequência dessa transformação parece ser a perda de influência da mídia tradicional. Uma década atrás, um pequeno grupo de meios de comunicação exercia controle quase absoluto sobre a opinião pública. A última eleição de Lula e seu segundo mandato mostram, porém, a decadência desse poder: apesar da maciça oposição desses grupos, o metalúrgico não só foi reeleito como mantém os maiores índices de aprovação alcançados por um presidente, na casa dos 80%.
Reza a lei da física que dois corpos não ocupam um mesmo lugar no espaço. Se os antigos barões da imprensa brasileira estão em baixa, alguém andou puxando a turma do lugar em que se encontrava. Edir Macedo, Nelson Tanure, J. Hawilla, Destak, MetroNews, Telefónica de España, Oi e a Claro-Embratel são alguns dos principais novos players do mercado de mídia brasileiro. A presença das operadoras- de telefonia chama a atenção e é de fato a maior novidade, com poder de fogo para mudar substancialmente toda a organização do setor de mídia no País.
No momento, as forças se enfrentam no tabuleiro do Congresso Nacional. Mais precisamente na Câmara dos Deputados, na qual tramita o PL 29, marco regulatório para os setores de telecomunicação, produção audiovisual e tevê paga. O projeto foi aprovado no início de dezembro na Comissão de Ciência e Tecnologia e seguiu para análise na Comissão de Constituição e Justiça. Se aprovado, ainda terá de tramitar no Senado.
O deputado federal Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE), relator do PL 29, afirma que a entrada das teles no setor de mídia é “inexorável”. Segundo Lustosa, o relatório final do PL 29 é fruto de um longo processo de debates e resultou de um “acordo possível” entre as partes interessadas – emissoras de rádio e televisão, de um lado, e as operadoras de telefonia, do outro. A questão em jogo, diz o parlamentar, é estabelecer um modelo de negócios para a tevê paga, radiodifusão e telecomunicações que leve em consideração o desenvolvimento das novas tecnologias. “No mundo todo, as teles estão entrando na distribuição de audiovisual. Uma telecom cobra pelo tráfego e no futuro o grosso desse tráfego será em audiovisual, que é muito mais pesado e rentável, e não voz ou dados.”
O relator do PL 29 explica que o projeto preservou a produção nacional ao estabelecer cotas para a distribuição, o que inicialmente contava com a oposição das empresas de telecomunicações. Também foram estabelecidos princípios para o fomento dessa produção nacional, outra medida polêmica, ao lado das regras para evitar a concentração excessiva no mercado de tevê paga – hoje as principais operadoras (Net, Sky Brasil, TVA/Telefônica) dominam cerca de 65% de um mercado de 6,5 milhões de assinantes que, em 2008, faturou 9,4 bilhões de reais.
Para o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), autor do projeto original, apresentado em 2007, o PL 29 foi desvirtuado com as mudanças aprovadas no relatório de Lustosa. “O projeto original tinha como objetivo estabelecer um marco regulatório básico para a convergência tecnológica. É importante notar que a convergência está prevista nas discussões que precederam a privatização das telecomunicações. Todos sabíamos que ela viria. Apresentei o projeto em fevereiro de 2007, quando haviam sinais claros de que a convergência estava próxima. Perdemos três anos de discussões, e o que eu previa acontece agora. A convergência é um fato e ela se insinua pelas frestas da ausência de uma legislação básica. E o que era um projeto que tratava de tecnologia se transformou em um confuso tratado ideológico”, diz o parlamentar.
Bornhausen chama a atenção para o problema da propriedade cruzada, outro tema delicado para as redes de televisão. “A questão da propriedade cruzada é tratada na legislação da radiodifusão. No meu projeto, não tratei de radiodifusão. A Lei do Cabo, por exemplo, não é radiodifusão, por isso eu simplesmente a revoguei, já que a atual situação do mercado não justifica instrumento de reserva. E no substitutivo aprovado, a Lei do Cabo é revogada parcialmente, o que vai gerar discussões que extrapolam o Legislativo e poderão chegar ao Judiciário”, afirma.
Um executivo da Oi ouvido disse a CartaCapital que a operadora está pronta para aproveitar a capilaridade de sua rede e investir recursos na universalização da banda larga, mas aguarda a definição do novo marco regulatório em discussão no Congresso. A operadora iniciou atividades em tevê paga com a OiTV e realiza investimentos vultosos para reposicionar o iG, portal de internet absorvido pela companhia após a fusão com a Brasil Telecom. De acordo com o executivo da Oi, todos esses movimentos – na internet, tevê paga e banda larga – são uma pequena amostra do apetite para o setor de mídia da operadora, única no mercado de capital predominantemente nacional (a Telefônica é espanhola, a Vivo possui capitais portugueses e espanhóis –, a Claro e a Embratel são controladas pela Telmex mexicana de Carlos Slim, a TIM é italiana e, concretizada a compra da GVT, a Vivendi francesa chega ao mercado brasileiro em 2010).
A desigualdade na capacidade de investir vai pesar no futuro do setor de mídia. É bem verdade que a Rede Globo, em especial, tem conseguido, com seu prestígio político, manobrar a favor de seus interesses, seja no Exe-cutivo ou no Legislativo, bem além do seu poder de fogo relativo, comparado aos novos competidores. Projetando para um prazo mais longo, no entanto, é difícil acreditar que uma companhia que fatura pouco mais de 7 bilhões de reais ao ano possa competir em pé de igualdade com empresas com faturamento superior a 50 bilhões de euros, como é o caso da espanhola Telefônica.
Se muita coisa ainda vai acontecer com a entrada das teles no mercado de mídia, também é verdade que a dinâmica interna da disputa mudou após a crise iniciada em 1999. A ascensão da Rede Record, sob o comando da Igreja Universal do Reino de Deus, é talvez o melhor exemplo desses novos tempos. Além da rede de televisão, a Record hoje possui um portal de notícias na internet, o R7, um canal exclusivo de notícias (Record News), vasta rede de emissoras de rádio e três jornais – o Correio do Povo, Hoje em Dia e a Folha Universal, este último com tiragem de 2,7 milhões de exemplares.
Outro fenômeno recente é o dos jornais gratuitos – Destak e MetroNews –, que aportaram no Brasil com um modelo de negócios em expansão na Europa e nos Estados Unidos. Também em 2009, o mercado de jornais foi surpreendido pela chegada do grupo português Ongoing, que espertamente driblou a cláusula dos 30% de capital nacional ao beneficiar a mulher brasileira do lusitano dono do grupo com a propriedade do Brasil Econômico, jornal de economia que, desde outubro, tenta abocanhar a fatia de mercado da falecida Gazeta Mercantil.
Não deixa de ser irônico que as entidades de classe tenham se mobilizado na Primeira Conferência Nacional de Comunicações, a Confecom, para discutir as questões da mídia com os olhos no presente – e até no passado, como ocorreu na questão do diploma obrigatório para o exercício da profissão. Do ponto de vista dos profissionais de mídia, seria bem mais urgente um amplo debate para entender melhor o que vem pela frente e quais são as possibilidades de obter contrapartidas que garantam a real democratização dos meios de comunicação em um cenário claramente inclinado a manter a oligopolização.
Luiz Antonio Magalhães
Igrejas, operadoras de telefonia e novos empresários em busca de influência política. Esses três exércitos, cada um por um flanco, estão destruindo as muralhas da cidadela onde ainda se refugia a mídia tradicional brasileira. Nos últimos dez anos, os velhos barões, fortalecidos à sombra da ditadura, perderam espaço. Alguns, como as famílias Mesquita (O Estado de S. Paulo), Nascimento Brito (Jornal do Brasil) e Levy (Gazeta Mercantil) foram obrigados a vender totalmente ou a repassar o comando dos negócios a credores. Outros, como os Civita (Editora Abril), não detêm mais o controle acionário das empresas.
Ainda a se refazer do baque da crise após a desvalorização do real em 1999, o pior momento do setor na história recente, os meios de comunicação entraram na guerra da convergência e da revolução tecnológica e de hábitos do consumidor com um arsenal bem inferior do que as dos novos concorrentes. No caso da telefonia, é uma questão de escala: só o lucro da espanhola Telefônica ou da brasileira Oi chega a superar todo o faturamento da Globo. No das igrejas, é uma questão de acesso a recursos: é quase impossível competir com quem obtém o financiamento mais barato de todos, o dízimo dos fiéis. E há ainda empresários de pouca tradição no ramo, como J. Hawilla, que montou uma rede de pequenos jornais no interior de São Paulo e recentemente adquiriu da família Marinho o Diário de S. Paulo,- -um dos principais da capital paulista.
A primeira consequência dessa transformação parece ser a perda de influência da mídia tradicional. Uma década atrás, um pequeno grupo de meios de comunicação exercia controle quase absoluto sobre a opinião pública. A última eleição de Lula e seu segundo mandato mostram, porém, a decadência desse poder: apesar da maciça oposição desses grupos, o metalúrgico não só foi reeleito como mantém os maiores índices de aprovação alcançados por um presidente, na casa dos 80%.
Reza a lei da física que dois corpos não ocupam um mesmo lugar no espaço. Se os antigos barões da imprensa brasileira estão em baixa, alguém andou puxando a turma do lugar em que se encontrava. Edir Macedo, Nelson Tanure, J. Hawilla, Destak, MetroNews, Telefónica de España, Oi e a Claro-Embratel são alguns dos principais novos players do mercado de mídia brasileiro. A presença das operadoras- de telefonia chama a atenção e é de fato a maior novidade, com poder de fogo para mudar substancialmente toda a organização do setor de mídia no País.
No momento, as forças se enfrentam no tabuleiro do Congresso Nacional. Mais precisamente na Câmara dos Deputados, na qual tramita o PL 29, marco regulatório para os setores de telecomunicação, produção audiovisual e tevê paga. O projeto foi aprovado no início de dezembro na Comissão de Ciência e Tecnologia e seguiu para análise na Comissão de Constituição e Justiça. Se aprovado, ainda terá de tramitar no Senado.
O deputado federal Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE), relator do PL 29, afirma que a entrada das teles no setor de mídia é “inexorável”. Segundo Lustosa, o relatório final do PL 29 é fruto de um longo processo de debates e resultou de um “acordo possível” entre as partes interessadas – emissoras de rádio e televisão, de um lado, e as operadoras de telefonia, do outro. A questão em jogo, diz o parlamentar, é estabelecer um modelo de negócios para a tevê paga, radiodifusão e telecomunicações que leve em consideração o desenvolvimento das novas tecnologias. “No mundo todo, as teles estão entrando na distribuição de audiovisual. Uma telecom cobra pelo tráfego e no futuro o grosso desse tráfego será em audiovisual, que é muito mais pesado e rentável, e não voz ou dados.”
O relator do PL 29 explica que o projeto preservou a produção nacional ao estabelecer cotas para a distribuição, o que inicialmente contava com a oposição das empresas de telecomunicações. Também foram estabelecidos princípios para o fomento dessa produção nacional, outra medida polêmica, ao lado das regras para evitar a concentração excessiva no mercado de tevê paga – hoje as principais operadoras (Net, Sky Brasil, TVA/Telefônica) dominam cerca de 65% de um mercado de 6,5 milhões de assinantes que, em 2008, faturou 9,4 bilhões de reais.
Para o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), autor do projeto original, apresentado em 2007, o PL 29 foi desvirtuado com as mudanças aprovadas no relatório de Lustosa. “O projeto original tinha como objetivo estabelecer um marco regulatório básico para a convergência tecnológica. É importante notar que a convergência está prevista nas discussões que precederam a privatização das telecomunicações. Todos sabíamos que ela viria. Apresentei o projeto em fevereiro de 2007, quando haviam sinais claros de que a convergência estava próxima. Perdemos três anos de discussões, e o que eu previa acontece agora. A convergência é um fato e ela se insinua pelas frestas da ausência de uma legislação básica. E o que era um projeto que tratava de tecnologia se transformou em um confuso tratado ideológico”, diz o parlamentar.
Bornhausen chama a atenção para o problema da propriedade cruzada, outro tema delicado para as redes de televisão. “A questão da propriedade cruzada é tratada na legislação da radiodifusão. No meu projeto, não tratei de radiodifusão. A Lei do Cabo, por exemplo, não é radiodifusão, por isso eu simplesmente a revoguei, já que a atual situação do mercado não justifica instrumento de reserva. E no substitutivo aprovado, a Lei do Cabo é revogada parcialmente, o que vai gerar discussões que extrapolam o Legislativo e poderão chegar ao Judiciário”, afirma.
Um executivo da Oi ouvido disse a CartaCapital que a operadora está pronta para aproveitar a capilaridade de sua rede e investir recursos na universalização da banda larga, mas aguarda a definição do novo marco regulatório em discussão no Congresso. A operadora iniciou atividades em tevê paga com a OiTV e realiza investimentos vultosos para reposicionar o iG, portal de internet absorvido pela companhia após a fusão com a Brasil Telecom. De acordo com o executivo da Oi, todos esses movimentos – na internet, tevê paga e banda larga – são uma pequena amostra do apetite para o setor de mídia da operadora, única no mercado de capital predominantemente nacional (a Telefônica é espanhola, a Vivo possui capitais portugueses e espanhóis –, a Claro e a Embratel são controladas pela Telmex mexicana de Carlos Slim, a TIM é italiana e, concretizada a compra da GVT, a Vivendi francesa chega ao mercado brasileiro em 2010).
A desigualdade na capacidade de investir vai pesar no futuro do setor de mídia. É bem verdade que a Rede Globo, em especial, tem conseguido, com seu prestígio político, manobrar a favor de seus interesses, seja no Exe-cutivo ou no Legislativo, bem além do seu poder de fogo relativo, comparado aos novos competidores. Projetando para um prazo mais longo, no entanto, é difícil acreditar que uma companhia que fatura pouco mais de 7 bilhões de reais ao ano possa competir em pé de igualdade com empresas com faturamento superior a 50 bilhões de euros, como é o caso da espanhola Telefônica.
Se muita coisa ainda vai acontecer com a entrada das teles no mercado de mídia, também é verdade que a dinâmica interna da disputa mudou após a crise iniciada em 1999. A ascensão da Rede Record, sob o comando da Igreja Universal do Reino de Deus, é talvez o melhor exemplo desses novos tempos. Além da rede de televisão, a Record hoje possui um portal de notícias na internet, o R7, um canal exclusivo de notícias (Record News), vasta rede de emissoras de rádio e três jornais – o Correio do Povo, Hoje em Dia e a Folha Universal, este último com tiragem de 2,7 milhões de exemplares.
Outro fenômeno recente é o dos jornais gratuitos – Destak e MetroNews –, que aportaram no Brasil com um modelo de negócios em expansão na Europa e nos Estados Unidos. Também em 2009, o mercado de jornais foi surpreendido pela chegada do grupo português Ongoing, que espertamente driblou a cláusula dos 30% de capital nacional ao beneficiar a mulher brasileira do lusitano dono do grupo com a propriedade do Brasil Econômico, jornal de economia que, desde outubro, tenta abocanhar a fatia de mercado da falecida Gazeta Mercantil.
Não deixa de ser irônico que as entidades de classe tenham se mobilizado na Primeira Conferência Nacional de Comunicações, a Confecom, para discutir as questões da mídia com os olhos no presente – e até no passado, como ocorreu na questão do diploma obrigatório para o exercício da profissão. Do ponto de vista dos profissionais de mídia, seria bem mais urgente um amplo debate para entender melhor o que vem pela frente e quais são as possibilidades de obter contrapartidas que garantam a real democratização dos meios de comunicação em um cenário claramente inclinado a manter a oligopolização.
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