domingo, 13 de dezembro de 2009

MÍDIA - O PT e a Confencom.

Altamiro Borges


O PT e a Conferência de Comunicação

O professor Marcos Dantas, da Escola de Comunicação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é um dos principais intelectuais filiados ao PT engajado na luta pela democratização da mídia no Brasil. Ele entende como poucos como funciona este setor estratégico na atualidade e apresenta sempre uma visão de futuro sobre o tema. No artigo abaixo, ele conclama os ativistas do seu partido – mas seu alerta serve a todos os militantes de esquerda – sobre algumas batalhas principais em debate na Conferência Nacional de Comunicação. Vale conferir:


Falta menos de uma semana: no dia 14, começa a 1ª Conferência Nacional de Comunicação – 1 ª Confecom. Convocada pelo presidente Lula em janeiro passado, esta será a primeira vez em que a sociedade brasileira, empresários e não-empresários, juntamente com o governo, debaterão o presente e o futuro (não esquecendo o passado) das comunicações brasileiras.

O PT tem diretrizes para essa conferência. Aprovada em resolução da DN no dia 17 de setembro último, as diretrizes constituem uma orientação segura para a intervenção dos quadros petistas nesse encontro e deveriam estar, neste momento, sendo objeto de discussão e apropriação por parte de todos os delegados petistas à Confecom.

É sabido que uma conferência popular como as muitas que se realizam no Brasil – e a Confecom não será diferente – acabam se transformando em palco para a apresentação e defesa de centenas de teses e proposições segmentadas, particularistas, não raro paroquiais, próprias das condições diversificadas e plurais dos movimentos sociais.

Um programa alternativo sistêmico e global

Pensa-se muito nas partes, pouco se pensa no todo. No entanto, na Confecom, estará presente um forte grupo de interesse que só pensa no todo: o empresariado. Pelas características do capital e pelas características das comunicações, o empresariado vai intervir, com todo o seu poder, a favor de soluções sistêmicas e, sem trocadilho, globais.

Cabe justamente a um partido político de esquerda, pela sua condição de articulador político das lutas sociais e espaço programático da sua síntese, oferecer, também, para o movimento popular, e em seu nome, um programa alternativo sistêmico e global. O PT cumpriu o seu papel. A resolução da DN oferece aos militantes partidários uma segura e mesmo avançada orientação para a nossa intervenção na Confecom. Este texto buscará chamar atenção e comentar alguns dos seus principais pontos (o espaço não permite tratar de todos).

A resolução da DN entende, ao comentar o marco regulatório a ser construído pela Confecom, que este, hoje, é fragmentário, permite que as nossas comunicações estejam sob o comando de grandes conglomerados empresariais associados ao capital estrangeiro e que, diante da chamada “convergência de mídias”, esse controle pode mesmo vir a se ampliar.

O PT não cai no canto da sereia determinista que nos promete guiar para uma automática democratização das comunicações, só pelos efeitos mágicos das tecnologias digitais. Por isto, sugere à Confecom (logo, à militância petista) um conjunto de propostas bem concretas e sistêmicas visando construir um novo marco regulatório que possa, de fato, abrir espaço para a democratização das nossas comunicações. O PT avançou. Não nos sugere apenas formar algum “conselho” para seguir discutindo catarticamente. Sugere-nos propostas concretas a serem incorporadas em alguma futura legislação.

Limites à indústria de comunicação

O primeiro item dessa proposta diz que o novo marco regulatório deverá estabelecer “atribuições e limites para cada elo da indústria de comunicação (criação, produção, processamento, armazenamento, montagem, distribuição e entrega), impedindo que uma mesma empresa possa atuar nos mercados de conteúdo e infra-estrutura”. A letra g. acrescenta: “A distinção entre operação de rede e a produção/programação de conteúdos, inclusive de radiodifusão”.

Os delegados petistas à Confecom já pararam para pensar no que significam esses dois itens? Ao contrário do que parece, nas comunicações, produzir e programar não são necessariamente as mesmas coisas que emitir e transmitir. Uma produtora de filmes ou shows quase nunca é programadora. Uma empresa programadora pode, numa ponta, adquirir filmes, shows ou jogos de futebol das produtoras e organizá-los, ou programá-los, para emissão e transmissão, entregando essa programação para outra empresa que apenas cuidará dessa atividade. A emissão e transmissão tanto podem se dar pelo espectro de radiofreqüências (em FM, VHF, UHF etc.), quanto pelo cabo, pelo satélite, por banda-larga ou redes celulares.

Hoje, nos sistemas de cabo ou satélite, já existe, ao menos formalmente, essa separação entre produção/programação, de um lado, e emissão/transmissão, do outro. Os canais de TV por assinatura não são “donos” dos cabos ou satélites pelos quais chegam às nossas casas. Na internet também: o cabo pelo qual você acessa os serviços do seu provedor de acesso não é “propriedade” ou “concessão” desse provedor.

Separar produção de transmissão

O PT está propondo com todas as letras que essa regulamentação seja estendida também à radiodifusão aberta: que a empresa programadora não seja concessionária do canal (VHF ou UHF) de transmissão. Isto é possível? Claro que é, e já é assim na grande maioria dos países europeus. No Reino Unido, por exemplo, a famosa BBC não é uma emissora, embora pareça: os seus programas chegam aos lares britânicos através das freqüências, torres, cabos da Crown Castle.

O PT não está propondo uma mera “revisão dos critérios de concessão”. O PT está propondo uma radicalmente nova regra de organização do conjunto dos serviços de comunicações, com clara separação entre os produtores/programadores de conteúdos e os emissores/transportadores de sinal. Qual a vantagem disso para os movimentos populares e para a democracia?

Leiamos o que dizem os itens b. a f. da resolução da DN:

b) Políticas, normas e meios para assegurar pluralidade e diversidade de conteúdos;

c) Políticas, normas e meios para assegurar que a pluralidade e a diversidade cheguem aos terminais de acesso;

d) O fomento da produção privada não comercial ou pública não-estatal;

e) O fortalecimento dos meios e da produção público-estatal;

f) A proteção e o estímulo à produção comercial nacional;

A clara distinção entre os dois macro-setores da cadeia produtiva permite que venhamos a ter políticas de fomento, inclusive fiscais e regulatórias, para incrementar a produção e programação de interesse popular, sobretudo essa segmentada e particularista de tanto interesse de um sem número de movimentos sociais. Você quer “direitos”? Todos queremos.

Incentivo à produção não-comercial

Todos queremos o direito à fala. Pois é na produção/programação que garantimos esse direito à fala, pois aqui se encontra realmente aquela distinção entre “sistemas” que lemos (e defendemos) na Constituição brasileira. Ninguém liga rádio para ouvir chiados, ninguém liga televisão para ver chuviscos, ninguém assina um serviço celular para sair por aí com um penduricalho na orelha... O que interessa a você não é o meio, mas o conteúdo que o meio lhe permite acessar e, também, poder transmitir conteúdo que o meio lhe permite transmitir. Os movimentos populares, as comunidades, os produtores de cultura não precisam do, e em geral não têm condições de deter o controle técnico e financeiro dos meios. Precisam, sim, que lhes seja assegurado a possibilidade de transmitir o que quiserem transmitir por esses meios.

Para terem essa possibilidade, precisam, antes de mais nada, de apoio: recursos financeiros, incentivos, políticas federais, estaduais e municipais de fomento etc. Essas políticas (“eixo de conteúdos”) devem ser voltadas para o fortalecimento da produção privada não-comercial (ONGs, sindicatos, comunidades, associações populares as mais diversas, partidos políticos, igrejas etc.) e para o fortalecimento da produção estatal, entendendo que, numa verdadeira democracia, o Estado é público. Cabe também apoiar a produção comercial independente, sobretudo aquela de pequenas e médias produtoras de cultura.

O Estado, hoje, tanto no âmbito federal quanto no estadual e municipal, gasta milhões de reais com publicidade veiculada nos grandes e ricos meios empresariais de comunicação, bem como com financiamentos e incentivos fiscais a grandes produtores. Precisa orientar a maior parte dessa grana para os produtores populares, para canais estatais e para a pequena e média empresa nacional. Os grandes que se virem...

Recuperar o conceito de serviço público

Será necessário também espaço na programação, inclusive e principalmente dos programadores comerciais. Isto se faz com cotas, conforme já ensaiado no debate da PL-29, muito pouco entendido e menos aprofundado por certos setores da esquerda. Para x horas de programação diária, devem existir y horas de produtos nacionais, ou regionais, ou comunitários etc. Inclusive nas telas dos grandes portais. Por que não exigir que além de tanta bobagem, “celebridades”, esportes etc., as primeiras páginas dos Yahoo!, dos UOLs etc. abram também um certo espaço (a ser dimensionado) para orientar o navegante na direção de sítios, blogs e portais comunitários, populares, educacionais, etc.?

Em relação aos meios de transmissão (freqüências VHF, UHF, cabo, satélite e, também, no celular), a resolução da DN nos diz para defender na Confecom (letras h a j):

h) O conceito de rede em regime público para banda larga e telefonia celular;

i) A construção e a operação de uma infra-estrutura público-estatal nacional;

j) O estimulo a infra-estruturas público-estatais de base e alcance municipais;

Significa que, nos meios de transmissão, devemos basicamente recuperar o conceito de serviço público em todas as redes e infra-estrutura. Hoje em dia, esse conceito, pela legislação atual apenas se aplica à (velha) telefonia fixa e à (antiga) radiodifusão aberta. A nova regulamentação proposta pelo PT, ao conceder os meios (inclusive as radiofreqüências em VHF e UHF) para entidades exclusivas de infra-estrutura, permitirá regulamentá-los para atenderem aos “três sistemas”: haverá necessariamente uma ou mais de uma infra-estrutura de natureza pública (por radiofreqüências, cabo, satélite etc.) que deverá servir, em condições isonômicas e democráticas, à produção/programação privada não-comercial e à estatal, podendo também atender à comercial.

Por exemplo: se numa banda UHF de TV digital cabem oito programações simultâneas e paralelas, então o operador desse canal (que não poderá ser nenhum produtor/programador como é hoje) assegurará um terço das faixas para cada um dos “três sistemas”. Se no cabo da TV paga cabem 200 programações simultâneas (geralmente denominadas “canais”), então para cada 20 ou 30 ou 40 “canais”, 20% ou 30% ou 50% deverão ser não-comerciais ou público-estatais.

A serviço do desenvolvimento nacional

Princípio idêntico, consideradas as condições técnicas, podem ser também defendidos para o celular e a banda-larga. Aliás, se for para universalizar a banda-larga e, por ela, permitir a disseminação pelo país a fora de todo o lixo cultural consumista colonizador estadunidense, então será melhor não universalizar... Por isto, diz ainda a resolução da DN que caberá “estender a regulamentação de que trata os artigos 220 e 221 da Constituição para a as áreas de TV a Cabo, satélite, internet etc.”.

Hoje, esses artigos se aplicam apenas à radiodifusão aberta, entendida, aliás, como um sistema que integra produção/programação/transmissão. O PT defende, com razão, que esses artigos constitucionais devem ser aplicados a todos os novos meios que apareceram depois de 1988, quando não se falava nem em celular, nem em internet. Trata-se de defender que, no Brasil, as comunicações precisam estar a serviço do desenvolvimento nacional, do fortalecimento da nossa cultura, da mobilização e articulação política do nosso povo.

Na Confecom, respeitando obviamente o mandato que recebi da sociedade civil fluminense, eu buscarei encaminhar as resoluções da DN. E você, companheiro?
Fonte: Blog do Miro

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