Recebo a triste notícia de meu querido amigo, José de Abreu, sobre morte de sua mãe, dona Gilda. É uma perda imensa a dele, perder a nossa mãe é perder o mundo.
Em 2007 ele fez o belíssimo post que reproduzo abaixo à sua mãe que comemorava 100 anos. Que ela descanse em paz e que José de Abreu, que teve a enorme felicidade de ter convivido tanto com sua mãe, se encha de força e que a dor vire logo saudades.
Centenário de mãe. Deus foi bom comigo!!!
Esta que está apontada na foto olhando para a câmera, é dona Gilda, minha mãe, que ontem fez 100 anos! Isso mesmo, 100 anos, uns dias mais velha que o Niemeyer. Esta foto foi feita em frente ao Presídio do Carandiru, em São Paulo, no final de 1968. Eu estava preso como estudante por ter participado do XXX Congresso da UNE em Ibiúna com mais 700 e tantos colegas de todo o Brasil. Algumas mães se organizaram para protestar e a minha grande lutadora estava lá, junto com as outras, defendendo o direito de se manifestar. Como nasceu em 1907, filha de imigrante italiano de Treviso, colono, colhedor de café que virou fazendeiro muito rico, e mulher de delegado de Polícia, minha mãe não concordava com o que eu fazia, mas respeitava meu direito de fazê-lo.
Essa foto foi encontrada enquanto eu fazia pesquisa para minha peça “Fala, Zé” – volto a viajar com ela em fevereiro – e faz parte de um livro do Estadão chamado 1968. Foi uma baita surpresa eu ter achado esta foto. Uma emoção incrível. Eu sabia que ela tinha estado lá, mas encontrar uma prova fotográfica quase quarenta anos depois, foi quase um milagre proporcionado pelo verdadeiro “pai dos burros” do mundo moderno, a Internet. (“Pai dos burros”, para quem não sabe é um apelido carinhoso que se dava aos dicionários, nos tempos em que os estudantes ainda o consultavam.
Eu tinha grande curiosidade para ler dicionários quando era pequeno. Parecia que eu ia decorar todas as palavras da língua portuguesa e seus significados.) Mas o assunto é minha mãe.
As duas ou três crônicas que postei aqui falando da dona Julia e do Julinho, na verdade são partes de uma autobiografia que estou escrevendo. Aquela dona Julia lutadora é, na verdade, dona Gilda. Que fez das tripas, coração, para sustentar 3 filhos depois que ficou viúva, sem lenço e sem documento. Quanto lutou essa guerreira para que eu tivesse um curso superior. Cozinhando para fora, transformando sua casa em pensão, lavando roupa dos hóspedes, puxa vida, deve ter sido terrível para ela, acostumada sempre no bem-bom, ter que mudar de vida tão radicalmente.
Na época em que meu pai morreu, em 1955, não havia pensão para viúvas de funcionários públicos, só um “pecúlio”, pago de uma vez só. Minha mãe se juntou a outras viúvas de juízes e promotores, fizeram uma Associação e foram à luta. Depois de uns 15 anos – começou no governo do Janio Quadros – a pensão acabou saindo. Foi uma festa, acabou comida para fora, acabou pensão, voltei a ter meu quarto sozinho – eu dividia com mais 3 estudantes que pagavam.
Mas não durou muito, logo tive que dividir uma cela no Carandiru com mais uns 70 estudantes. Quando fui solto, depois de dois meses, já era dezembro, dia 11. Dia 13 a dita-dura ficou mais ainda, foi promulgado o AI-5 e eu tive que fugir para não ser preso de novo e agora sob um regime ainda mais forte, que começou a torturar e matar todos que não concordavam com ele.
Cai na clandestinidade, mudei para o Rio de Janeiro, e continuei lutando contra aquele regime que eliminou o congresso, as eleições e até o direito mais sagrado do ser humano que é o “habeas-corpus”.
O Juscelino foi cassado, o Lacerda também, os dois maiores inimigos na política nacional no mesmo saco de gatos. E ambos apoiaram a ditadura no inicio… e eu, graças ao tal destino, fui representar o Juscelino no cinema e o Lacerda na TV… O último na mini-série JK e o primeiro num longa metragem que será lançado no ano que vem.
Essa foto foi encontrada enquanto eu fazia pesquisa para minha peça “Fala, Zé” – volto a viajar com ela em fevereiro – e faz parte de um livro do Estadão chamado 1968. Foi uma baita surpresa eu ter achado esta foto. Uma emoção incrível. Eu sabia que ela tinha estado lá, mas encontrar uma prova fotográfica quase quarenta anos depois, foi quase um milagre proporcionado pelo verdadeiro “pai dos burros” do mundo moderno, a Internet. (“Pai dos burros”, para quem não sabe é um apelido carinhoso que se dava aos dicionários, nos tempos em que os estudantes ainda o consultavam.
Eu tinha grande curiosidade para ler dicionários quando era pequeno. Parecia que eu ia decorar todas as palavras da língua portuguesa e seus significados.) Mas o assunto é minha mãe.
As duas ou três crônicas que postei aqui falando da dona Julia e do Julinho, na verdade são partes de uma autobiografia que estou escrevendo. Aquela dona Julia lutadora é, na verdade, dona Gilda. Que fez das tripas, coração, para sustentar 3 filhos depois que ficou viúva, sem lenço e sem documento. Quanto lutou essa guerreira para que eu tivesse um curso superior. Cozinhando para fora, transformando sua casa em pensão, lavando roupa dos hóspedes, puxa vida, deve ter sido terrível para ela, acostumada sempre no bem-bom, ter que mudar de vida tão radicalmente.
Na época em que meu pai morreu, em 1955, não havia pensão para viúvas de funcionários públicos, só um “pecúlio”, pago de uma vez só. Minha mãe se juntou a outras viúvas de juízes e promotores, fizeram uma Associação e foram à luta. Depois de uns 15 anos – começou no governo do Janio Quadros – a pensão acabou saindo. Foi uma festa, acabou comida para fora, acabou pensão, voltei a ter meu quarto sozinho – eu dividia com mais 3 estudantes que pagavam.
Mas não durou muito, logo tive que dividir uma cela no Carandiru com mais uns 70 estudantes. Quando fui solto, depois de dois meses, já era dezembro, dia 11. Dia 13 a dita-dura ficou mais ainda, foi promulgado o AI-5 e eu tive que fugir para não ser preso de novo e agora sob um regime ainda mais forte, que começou a torturar e matar todos que não concordavam com ele.
Cai na clandestinidade, mudei para o Rio de Janeiro, e continuei lutando contra aquele regime que eliminou o congresso, as eleições e até o direito mais sagrado do ser humano que é o “habeas-corpus”.
O Juscelino foi cassado, o Lacerda também, os dois maiores inimigos na política nacional no mesmo saco de gatos. E ambos apoiaram a ditadura no inicio… e eu, graças ao tal destino, fui representar o Juscelino no cinema e o Lacerda na TV… O último na mini-série JK e o primeiro num longa metragem que será lançado no ano que vem.
Mas hoje é dia de centenário de mãe, mas que cara dispersivo que eu sou! Vou contar uma homenagem que fiz a ela no final da mini-série Amazônia: eu iria, a meu pedido, fazer uma cena com o coronel Firmino envelhecido, na segunda fase. Era uma cena só e eu achei que seria melhor eu me maquiar e ficar com 90 anos do que me trocar por um ator mais velho. O diretor Marcos Schetman achou melhor testar um novo software que a Globo tinha comprado para mexer no rosto dos atores. Eu iria ser a cobaia do software. Como gosto muito de computação e internet, me meti na feitura da minha cara. Mandei para o departamento de Computação Gráfica da Globo (o Banda e sua equipe) essas fotos abaixo. Eles usaram a pele da minha mãe para colocar no lugar da minha!!! Era eu e ela misturados. Confiram.
Dona Gilda com a foto do sua primeira e única manifestação de protesto |
A foto que mandei para o Depto. de Computação Gráfica da Globo |
Eu com a pele de minha mãe e todo envelhecido em Computação Gráfica |
By: Maria Frô
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