Do Direto da Redação - Publicado em 15/05/2011
Raodolpho Motta Lima*
Os dados estatísticos tornados disponíveis a partir do último censo são – e não poderiam deixar de ser – o retrato do nosso país. Essa consideração óbvia merece, contudo, um aprofundamento analítico que nos leve a refletir a respeito dessa identidade nacional.
A primeira constatação é a de que, segundo os novos levantamentos, somos agora um país que está mais para “não branco”, já que os que se consideram brancos perfazem 47,7 % dos brasileiros, contra 53,7 no ano 2000. Provavelmente, aliás, se conhecemos bem um certo preconceito que ainda nos assola e que, não raro, provoca um posicionamento “às avessas”, deve ser maior ainda esse percentual de “não brancos” (pardos e pretos), já que algumas pessoas não se assumem como são, refletindo o estigma racial.
Aqui uso as palavras do censo, mas não necessariamente para avalizá-las. Pessoalmente, acho desimportante a cor da pele dos indivíduos, pois ela, por si só, tal como credo religioso, opção sexual e tudo mais, não pode servir de elemento distintivo entre seres humanos. De qualquer forma, é sabido que, entre nós, por conhecidíssimas e não menos perversas razões históricas, os “não brancos” também integram majoritariamente o universo dos menos favorecidos socialmente. E isso não por algum fator atávico, genético ou o que seja, mas simplesmente como reflexo, ainda, do pérfido regime da escravidão a que os negros foram submetidos ao longo dos tempos, entre nós.
O fato é que, dizem os números, somos hoje um país predominantemente “não branco” e, nesse âmbito, prevalecem os menos aquinhoados socialmente. Só isso, a meu ver, já justifica que as políticas de governo (eu diria, de Estado, independentemente de governos) devam se voltar preferencialmente para esse segmento. Quanto mais não seja, porque constitui a maioria. É nesse contexto, aliás, que se pode discutir a existência das chamadas cotas, assunto que, sozinho, merece uma coluna.
Um outro dado do censo – e esse ratifica o que já se sabia – é que o Brasil é mais feminino do que masculino. Há 96 homens para cada 100 mulheres no país. Contudo, também sob esse aspecto, estamos longe de poder afirmar que essa maioria desfruta de melhores condições. A despeito do grande avanço que se deu quanto às possibilidades sociais do gênero feminino , a verdade é que a mulher ainda é penalizada pela sua condição, sendo, por exemplo, menos valorizada no trabalho (e isso se mede em termos salariais) e pouco atuante na política. Claro que, nesse último aspecto, não dá para esquecer que temos uma Presidenta da República e que há outras mulheres fazendo história no quadro político nacional. Porém, se o problema for analisado à luz maior das estatísticas, é pífia a participação da mulher nas casas do Legislativo, nos postos do Executivo, nas maiores funções do Judiciário. Além disso tudo, as mulheres ainda são objeto da violência masculina, do preconceito machista empedernido. E são pouco cuidadas enquanto gestantes ou mães, face às precárias condições de saúde ou de educação que o país oferece. As mulheres-mães , mais que todas, precisam de boa alimentação, bom acompanhamento (dos homens em geral, do Estado em particular), boas creches...
O censo também mostrou que o país está envelhecendo, ou seja, que aumentou significativamente o percentual de idosos na sociedade brasileira. Esse é um dado que podemos ver como auspicioso, porque reflete não apenas uma visão mais adequada dos brasileiros quanto ao planejamento familiar, mas também melhores condições geradas em diversos níveis e que acabaram por elevar a expectativa de vida do nosso povo. Mas, é claro, convida também à reflexão sobre o que estamos fazendo pelos nossos velhos,em termos de lhes garantir, nessa vida mais longa, uma qualidade superior, que transforme em verdade o ideal de gozo da felicidade ao cabo de muitíssimos anos de trabalho. Isso, cá para nós, a despeito dos avanços dos últimos anos, está longe de sequer aproximar-se do que poderíamos chamar de um digno desfrutar da velhice.
Somos , então, hoje, um país menos branco, mais feminino e mais envelhecido. Mas também continuamos sendo um país de significativas desigualdades, de indesejáveis privilégios de minorias encasteladas nos diversos comandos sociais, embora aplacados por algumas medidas governamentais que se efetivaram nos últimos anos .
Lembrando Cazuza, esse é o país que mostra sua cara. Uma cara alvissareira, por um lado, preocupante por outro. Esses três segmentos, ainda aproveitando versos de Cazuza, precisam viver com dignidade, precisam que haja uma ideologia que os salvaguarde, os defenda, e lhes garanta a indispensável honradez . E isso passa, para variar, por conteúdos políticos que contemplem projetos sociais de efetiva e definitiva inserção cidadã.
.*Rodolpho Motta Lima.Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
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