sexta-feira, 26 de novembro de 2010

‘Quebramos um muro imposto pela guerra’

Secretário de Segurança diz que polícia não vai recuar e critica Exército que, em 2007, se recusou a dar apoio logístico


Beltrame
O SECRETÁRIO José Mariano Beltrame, durante a entrevista realizada ontem: “Há um ano, perdemos um helicóptero e três policiais. A resposta veio agora, com planejamento”


ENTREVISTA José Mariano Beltrame


Fuzileiros navais e agentes da Polícia Federal já estão de prontidão para enfrentar a criminalidade no Rio. Ontem, em entrevista coletiva, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, assegurou que não vai recuar. Ele ressaltou que o apoio da Marinha, com o empréstimo de blindados, foi fundamental para a retomada do Complexo da Penha. Já o Exército, que não havia oferecido ajuda até a hora da entrevista, foi alvo de críticas.


Paulo Nicolella – O Globo

O GLOBO: Como o senhor avalia o resultado da operação na Vila Cruzeiro?

BELTRAME: Ainda não ganhamos nada. Não há nenhum motivo para se comemorar. As operações de hoje só nos indicam que devemos olhar para frente. As imagens que o Brasil e o mundo viram pela TV mostram que o problema da insegurança não é só do Rio, mas sim de um país que vai sediar uma série de eventos internacionais. Isso não pode continuar.

● O apoio da Marinha foi fundamental para a retomada do Complexo da Penha?

BELTRAME: Gostaria de agradecer à Marinha pelo empréstimo dos blindados e pelos equipamentos especiais que, há muitos anos, estamos buscando, por serem adequados ao combate à criminalidade no Rio. Graças à Marinha, tivemos condições de transportar as tropas da polícia para dentro do coração de uma facção criminosa. Gostaria de agradecer também ao Tribunal de Justiça do Rio, que tirou do estado os bandidos que tiveram participação nos ataques. Também agradecemos
à Polícia Federal, que já colocou à nossa disposição homens e um avião para o transporte dos presos. A prefeitura do Rio ajudou bastante. Quero ainda agradecer às polícias Militar e Civil.

Nenhuma polícia que lida com segurança urbana no mundo é capaz de fazer o que estamos fazendo aqui.

● Como foi decidido o apoio da Marinha?

BELTRAME: Quando tivemos a notícia da possibilidade de utilização dos blindados, imediatamente decidimos entrar na Vila Cruzeiro. Nós já tínhamos um contato com a Marinha, com o empréstimo de transporte e mapeamentos. Conseguimos o apoio deles de maneira inédita. Isso poupou vidas. Não foi preciso correr o mundo atrás dos equipamentos. Tínhamos tudo aqui.

● O senhor pediu ajuda ao Exército? Por que ele não deu apoio às operações?

BELTRAME: O Exército vê isso de outra forma. Tenho que respeitar a opinião deles. Em 2007 ou 2008, foram solicitados equipamentos deles e o Exército se posicionou como uma situação impossível. A gente aceita e respeita. Nós tínhamos um contato mais estreito com a Marinha, inclusive na área de inteligência.


● O senhor acha que as polícias conseguiram dar o recado aos bandidos de que vão partir para o enfrentamento?

BELTRAME: Há dois anos estamos mostrando que queremos a pacificação. O nosso objetivo principal é retomar os territórios. Durante anos, os morros do Rio eram usados como portos seguros pelos bandidos, que cometiam suas barbáries e corriam, covardemente, para as favelas. É importante prendê-los, recolher drogas e armamento, mas é imprescindível lhes tirar território.

Hoje (ontem), quebramos um muro imposto por essa guerra. Há um ano, perdemos um helicóptero e três policiais (referência à queda de uma aeronave, abatida pelo tráfico no Morro dos Macacos). A resposta veio agora, com planejamento.


● O senhor pretende montar uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na Vila Cruzeiro? Ela vai ser ocupada?

BELTRAME: Não há que se falar em UPP no momento. Há uma série de ações que devem ser feitas. A manutenção das polícias ali vai requerer um esforço muito grande. Seguimos um planejamento. Essas áreas da Vila Cruzeiro estão nesse plano. Mas as ações de hoje (ontem) estão totalmente descartadas para a implantação de UPP.


● Qual será o próximo passo? Retomar o Complexo do Alemão?

BELTRAME: Amanhã (hoje), teremos outras ações. Pediria que não me perguntassem quais. Se eu dissesse o nosso plano, colocaria em risco os meus policiais.

● Como frear os ataques dos bandidos?

BELTRAME: Dez pessoas que tiveram envolvimento com os ataques, inclusive pessoas que atearam fogo a veículos, já estão indo para presídios federais. Estamos
conscientes de que o caminho é este.

● O senhor vem recebendo apoio da população pelo resultado das operações?

BELTRAME: Temos recebido inúmeros e-mails e mensagens de apoio. Policiais de outros estados e até aposentados, militares da reserva, se apresentando para trabalhar. Colegas da Polícia Federal estão me perguntando como podem fazer para nos ajudar. Gostaria de agradecer à sociedade brasileira.

● Qual o conselho que o senhor dá a população?

BELTRAME: Ela deve manter a sua rotina. A políca está muito consciente daquilo que ela deve fazer. Estamos conscientes de que é um caminho sem volta. Chega de pôr a poeira para baixo do tapete.

● A fuga dos bandidos pelo Complexo do Alemão já era prevista pela polícia ou foi uma falha?

BELTRAME: O nosso alvo era a Vila Cruzeiro. Não adianta dar a volta pelo Alemão, pois isso ia trazer um transtorno muito maior para cercar aquela região. A gente tem
como obrigação tornar as operações o menos complexas possível. A preservação de vidas humanas é fundamental.

● Qual o poderio bélico e humano do tráfico?

BELTRAME: O poder bélico deles é importante. Mas os bandidos não têm qualidade nenhuma.

“Em 2007 ou 2008, foram solicitados equipamentos deles e o Exército se posicionou como uma situação impossível. A gente aceita e respeita”

● Como será o policiamento na Vila Cruzeiro?

BELTRAME: A partir de agora, o Bope vai andar pelas ruas da comunidade e perguntar o que as pessoas precisam. Não quer dizer que ficaremos uma semana, um mês. Não há prazos. Vamos ver o que há por lá.

● O senhor está preocupado com a união das facções criminosas?

BELTRAME: Quando uma facção propõe um trato com a outra, a história nos mostra que isso não vai dar certo para elas. Pode haver a conversa, mas, quando uma facção não precisa mais da outra, os criminosos vão se matar e um vai tomar o negócio do outro.
“Quem der garantias de que não haverá mais mortes estará mentindo. Ela é impossível. Isso seria mágica. Não trabalhamos com a visão de matar”

● No geral, o resultado das UPPs é positivo?

BELTRAME: Hoje temos 200 mil pessoas livres do fuzil. Se nós aumentarmos o perímetro, passamos de 500 mil pessoas. O Rio tem esse inimigo que é o fuzil. Podemos ver isso com a redução da criminalidade, com o retorno das crianças às escolas, com o fomento do comércio. Isso é muito positivo.


● Haverá mais mortes em confronto?

BELTRAME: Quem der garantia de que não haverá mais mortes estará mentindo. Isso é quase impossível. Seria mágica. Não trabalhamos dentro de uma visão de matar. A nossa ideia é combater as armas e, repito, entregar o território aos moradores.


● No quinto dia de ataques foi quando houve mais carros incendiados. Como a secretaria avalia isso?

BELTRAME: Isso possivelmente vai continuar. A ferramenta que essas pessoas têm é intimidar. E, muitas vezes, uma pequena quantidade de combustível, na mão de um menor, produz um efeito que o Brasil e o mundo inteiro estão vendo. Faz um estrago desses. Se olharmos a história, queimar ônibus e carros no Rio não é de hoje.
Toda fez que o criminoso se sente acuado, ele faz isso. O combate episódico disso fez com que o Rio se esquecesse de fazer um plano concreto para acabar com a criminalidade no Rio.

Postado por Luis Favre
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Do Blog do Favre.

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