terça-feira, 30 de novembro de 2010

Transnordestina transforma Salgueiro

Ferrovia: Cidade fica no epicentro do Nordeste e cresce com os investimentos em infraestrutura na região


Fotos: Luis Ushirobira/Valor
Souza é exemplo da versatilidade dos empresários em Salgueiro: dono do time de futebol, que disputará a Série B, e da funerária

Murillo Camarotto | VALOR

De Salgueiro (PE)

Ainda decifrando os muitos horizontes abertos pelo primeiro emprego, a estudante Cyntia Carolina de Souza, de 18 anos, só tem uma certeza imediata: quer consumir. Perguntada sobre o que vai mal em Salgueiro, cidade de 56 mil habitantes no sertão de Pernambuco, ela só se lembrou da torturante demora na conclusão das obras do primeiro shopping center local. “Estou muito ansiosa”, afirmou a estudante, que trabalha há quatro meses no controle de qualidade da fábrica de dormentes de Salgueiro, com salário de R$ 792 mensais.

Para desespero de Cyntia, o Salgueiro Shopping só deve ficar pronto em novembro de 2011. O local vai abrigar uma praça de alimentação e 50 lojas, entre as quais já estão garantidas marcas nacionalmente conhecidas, como O Boticário, Americanas e Sorvetes Nestlé. “Também estou negociando com um banco internacional a instalação de uma agência, mas ainda não posso adiantar detalhes”, afirmou o empresário Eugênio Muniz, que está colocando do próprio bolso 60% dos R$ 10 milhões investidos no shopping.

O empreendimento é mais uma aposta do empresário em Salgueiro, sua terra natal. Bastante conhecido na região, Muniz também é dono da varejista Tradição, que vende móveis e eletrodomésticos em 38 lojas espalhadas pelo sertão nordestino. Segundo ele, os negócios vão muito bem em todas as praças, mas é em Salgueiro que se colhe os melhores frutos. “Meu faturamento dobrou aqui nos últimos dois anos, mesmo com a chegada de redes concorrentes”, relatou.

O dinamismo econômico pelo qual passa a região Nordeste, puxado pela alta vertiginosa da renda e do consumo, é singular em Salgueiro. Localizada em um ponto geograficamente estratégico do Nordeste, a cidade se transformou em um imenso canteiro de obras, com destaque para os projetos da ferrovia Transnordestina e de transposição do Rio São Francisco. “Salgueiro é o lugar onde todo mundo ganha”, resume o dentista Julio Cezar Cruz, que nos últimos dois anos ganhou mais de 30 concorrentes, porém viu seu consultório aumentar os lucros em 30%.

Emancipado em 1864, o município está exatamente no cruzamento entre as movimentadas rodovias BR-232 e BR-116 e fica a menos de 600 quilômetros de todas as capitais do Nordeste, com exceção de São Luís (MA). O potencial dessa localização para o setor logístico ganhou força com a definição do traçado da Transnordestina, que colocou Salgueiro como principal entroncamento da ferrovia. A cidade será passagem obrigatória para se chegar a qualquer um dos três extremos da ferrovia, que são os portos de Suape (PE) e Pecém (CE) e o município de Eliseu Martins (PI).

Segundo o prefeito de Salgueiro, Marcones Libório de Sá (PSB), cerca de R$ 70 milhões irão para os cofres municipais neste ano, um crescimento de 52% em relação a 2009. A arrecadação com o Imposto Sobre Serviços (ISS) deve aumentar impressionantes 275%, para R$ 7,5 milhões. Com a valorização dos imóveis, o IPTU vai dobrar. “Quando assumimos, em janeiro de 2009, a receita própria representava 9% da arrecadação total. Este ano vai chegar próximo de 20%”, calculou o prefeito.

O principal projeto instalado em Salgueiro é o canteiro central da Transnordestina, cujas obras estão hoje no pico de atividade. Somente a construtora Odebrecht, que toca o empreendimento na região, está empregando mais de 3 mil pessoas na cidade. Além da transposição do São Francisco, há ainda obras de uma fábrica de computadores, de uma adutora, de pavimentação de ruas, entre muitas outras. De acordo com o prefeito, cerca de 15 mil pessoas estão trabalhando em todos esses projetos.

Números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam um crescimento de 102% na geração líquida de empregos em Salgueiro entre janeiro e outubro deste ano. Mais de 90% dos novos postos de trabalho com carteira assinada foram gerados no setor da construção civil, que sofre com a falta de mão de obra.

Um dos prejudicados por essa escassez é Julio Cesar Vasconcelos, de 26 anos, também natural da cidade. Após estudar Hotelaria no Recife, ele abandonou um emprego de recepcionista na capital pernambucana para ser empreendedor em sua terra natal. Há um ano e cinco meses, comanda um concorrido restaurante de beira de estrada. A primeira ampliação já está em andamento, mas a obra parou por falta de pedreiro. “Já era pra ter concluído faz tempo”, queixa-se.

Animado com as oportunidades na região, ele agora quer abrir um hotel em Salgueiro, outra carência local. Reclama, no entanto, da supervalorização das terras e dos imóveis. “Há terrenos que valiam R$ 5 mil e hoje estão pedindo R$ 100 mil”, conta o empresário, em um misto de perplexidade e frustração. O prefeito também está atônito: “O dono do imóvel onde fica um posto de saúde nosso quer aumentar o aluguel de R$ 600 para R$ 2 mil de uma tacada só”, conta.

Feliz com a situação está Fernando Parente, único corretor de imóveis de Salgueiro, hoje com pinta de celebridade. Cauteloso em revelar números de sua ascensão na pirâmide social, ele diz que seu faturamento dobrou no último ano e meio. Hoje Fernando administra uma significativa lista de espera por imóveis para locação e compra na cidade. “O preço médio dos aluguéis triplicou. O dos imóveis comerciais também. Um ponto que era alugado por R$ 1 mil, foi recentemente alugado por R$ 6 mil”, relata.

O boom imobiliário de Salgueiro vem da imensa procura das empresas com obras na cidade. Sem leitos de hotel suficientes, muitas buscam casas para acomodar seus funcionários. Diante do potencial de valorização dos imóveis, até mesmo os engenheiros que estão temporariamente morando na cidade já começaram a comprar terras nos arredores.

De acordo com o prefeito, o último levantamento feito em Salgueiro apontou para a existência de apenas 840 leitos de hotel na cidade, número deveras insuficiente para os padrões atuais, ainda mais em se tratando de acomodações mais confortáveis, voltadas aos profissionais de escalões superiores que visitam a cidade.

De olho neste nicho, a ex-professora Socorro Borba está investindo R$ 1 milhão na expansão do seu Salgueiro Plaza Hotel. O número de suítes passou de 32 para 58. “Nenhuma área do comércio em Salgueiro tem do que reclamar”, garante Socorro.

Assim como os demais empresários da cidade, Socorro não acredita na existência de uma bolha em Salgueiro. Uma eventual diminuição do movimento após a conclusão das principais obras, em dezembro de 2012, já está nos cálculos. Porém, todos acreditam que o desenvolvimento veio para ficar.

A principal aposta é o projeto, já em fase inicial, de construção de uma plataforma logística multimodal, que servirá para troca de cargas entre os caminhões e os trens da Transnordestina. O “porto seco”, como é chamado o empreendimento, ficará em uma área de 347 hectares e está aguardando licença ambiental para instalação do canteiro de obras.

Responsável pelo projeto, a Agência de Desenvolvimento de Pernambuco (AD Diper) quer criar ali um polo logístico e agroindustrial. Além da localização estratégica, o porto seco poderia atrair, por exemplo, indústrias interessadas em beneficiar os grãos que chegarão mais baratos pela ferrovia. De acordo com o presidente do órgão, Jenner Guimarães, o governo estadual está em negociações avançadas com alguns grupos que atuam no setor, porém preferiu não adiantar os nomes.

Outra prioridade é definir como será a gestão da plataforma, cujo projeto também prevê a construção de um aeroporto de cargas. O presidente da AD Diper informou que poderão ser adotados os formatos de concessão pura ou de parceria público-privada (PPP).

“Carcará do Sertão” chega à Série B do Brasileirão e vai ganhar espaço na TV

De Salgueiro (PE)

Além da economia em ebulição, a população de Salgueiro teve outro motivo para celebrar 2010. O time de futebol da cidade, mais conhecido como “Carcará do Sertão”, conseguiu acesso para a Série B do Campeonato Brasileiro do próximo ano, o que significa que terá suas partidas transmitidas para todo o Brasil pela televisão.

Dono do Salgueiro Atlético Clube, o baiano Clebel Cordeiro de Souza, de 48 anos, é mais um dos empresários bem sucedidos da cidade. Ele chegou a Salgueiro em 1984, quando ainda trabalhava na produção dos hoje proibidos showmícios. “Cheguei, fiz amigos, arranjei mulher e fiquei”, relembrou, enquanto manuseava a cafeteira que fica em seu escritório, ao lado do Estádio Municipal Cornélio de Barros Muniz, a casa do Carcará.

Após alguns anos na cidade, já enturmado, Clebel foi escalado para cuidar dos trâmites do sepultamento de uma pessoa conhecida. Chocado com os preços cobrados, decidiu em 1995 abrir sua própria empresa de serviços funerários. Sediada em Salgueiro, onde tem instalações de fazer inveja a qualquer cidade de maior porte, a SAF conta hoje com 55 filiais espalhadas pelo interior de Pernambuco e da Bahia.

“Nunca gostei de capital. Precisa de muita coisa pra ficar conhecido. No interior não precisa”, afirmou ele, com os olhos baixos e a voz mansa. Além do time e da SAF, Clebel é dono da única loja de material esportivo de Salgueiro, onde a camisa do Carcará está em falta há mais de um mês.

Com expertise em temas fúnebres, o empresário diz que pegou o time praticamente na cova, em 2005. De lá para cá, organizou as finanças, trouxe alguns jogadores e torceu muito. Agora, espera ver cumprida a promessa feita pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), de ampliar para 12 mil lugares a capacidade do acanhado estádio municipal. Sem isso, o Carcará vai ter que mostrar sua arte em outra cidade, visto que o regulamento da Série B exige estádio com mínimo de 10 mil lugares.

Além da vitrine nacional pelo futebol, Clebel espera que o dinamismo econômico de Salgueiro ajude a atrair dinheiro para o time. “Já estou conversando com possíveis patrocinadores”, adiantou. Ele também pretende construir o centro de treinamento, para dar maior ênfase à formação de jogadores. “Preciso ganhar dinheiro com isso em alguma hora”, brincou o empresário.

Ex- goleiro do time de juniores do Itabuna, na Bahia, Clebel diz ter passado para a esposa toda a responsabilidade sobre a operação dos caixões, velas, flores e cortejos. Apesar de acreditar muito no potencial de desenvolvimento econômico do município, ele não quer saber de novos negócios. “Esqueci tudo. Agora é só o Carcará”. (MC)

Postado por Luis Favre
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Do Blog do Favre.

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