terça-feira, 30 de março de 2010

MÉXICO - O último rosto do subcomandante Marcos








É um rosto, finalmente descoberto, que vem do passado de todos os remorsos dos opressores e de todas as ilusões dos oprimidos, a face certamente "barbuda", guevarista, romântica do companheiro Zero, do "Subcomandante Marcos", que, desde 1994, mantém vivo nas florestas entre o México e a Guatemala o mito da grande revolta agrícola e indígena.

A reportagem é de Vittorio Zucconi, publicada no jornal La Repubblica, 28-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A foto "desencapuchada", sem a balaclava e o cachimbo que foram, por quase 20 anos, a marca e a imagem do último revolucionário mexicano, foi publicada em um jornal progressista do México, La Reforma, aparentemente fornecida por um traidor da causa.

E se não for talvez a primeira foto do ex-professor Ralf Sebastian Guillen, da Universidade Autônoma, como parece ser o seu verdadeiro nome, já vista em seu documento de identidade, esta parece ser mais verdadeira porque corresponde finalmente àquilo que todos os admiradores, os seguidores, os visitadores que desembarcaram na floresta de Chiapas em peregrinação de todo o mundo, os "sandalistas", como eram chamados ironicamente pelos locais e militantes armados do seu Exército de Libertação Zapatista, imaginavam que ele fosse.

Ela pertence, com esse olhar escuro e intenso enquadrado por uma barba fechada e muito preta, à iconografia clássica do "rebelde", do Caribe à Patagônia, do intelectual, do burguês - como eram Fidel, o advogado instruído pelos jesuítas, e "el Che", o médico argentino -, que joga sua própria condição de privilégio social às urtigas e se inclina, com fuzil na mão, do lado dos rejeitados. Entre misticismo e ideologia, missionários da libertação dos pobres, dos indígenas pisoteados e repisoteados antes pelos conquistadores ferozes do império espanhol e depois pelos proprietários de terra e pelos criadores sem coração.

O mito e a figura do "Delegado Zero", um zero, como se autodefinia por humildade de revolucionário confirmada pelo cargo não de comandante, que o Che havia adquirido na Serra cubana, mas de "subcomandante", explodiram em 1994, quando as suas pequenas tropas de indígenas maias com AK-47 surgiram da estupenda floresta centro-americana e apareceram na pequena capital de Chiapas, a cidadezinha colonial de San Cristobal de Las Casas.

Sob a evidente proteção oficiosa do "santo bispo", como os locais consideravam Dom Ruiz Garcia, um dos últimos latino-americanos ainda fiéis à teologia da libertação e ao Cristo dos últimos, o Subcomandante, os seus pequenos militantes, em sua maioria mulheres, a sua mística revolucionária, mas não violenta e certamente nunca sanguinária ou corrompida como a dos terroristas do Sendero Luminoso ou dos guerrilheiros colombianos, acreditaram no mistério daquela balaclava e daquela nuvem de tabaco do cachimbo.

San Cristobal, as suas "posadas", os albergues modestos mas bonitos, a catedral da qual o "santo bispo", tolerado por uma hierarquia católica sensível ainda no desespero temporal dos perdedores, pregava maldizendo a pobreza, os restaurantes improvisados administrados por italianos fugitivos perseguidos por mandatos de captura por grupos armados mas convertidos às massas da cozinha para nós, jornalistas italianos, cansados de guacamole e tortillas, se tornaram o refúgio dos últimos sonhos pós-leninistas e pós-soviéticos.

No encantamento traidor e de fábula de uma floresta ainda virgem, atravessada pelo "caminho" sobre o qual desciam velozmente as multidões de lenhadores maias em carrinhos de madeira sem freios e sem medo, o ex-professor da maior universidade mexicana, a Autônoma, entre bases do Exército impotente, postos de bloqueio da polícia local corrupta, bandos de estrada e os "macacos brancos", os zapatistas aninhados em seus vilarejos inencontráveis, atraíram a simpatia de diferentes personagens como Fausto Bertinotti. Ou Massimo Moratti, o petroleiro proprietário da Inter [de Milão, equipe de futebol], que avaliou a possibilidade de fazer com que seu próprio clube milionário se apresentasse justamente em Chiapas, em solidariedade com o movimento de resgate dos maias oprimidos.

Marcos se tornou o cordeiro mascarado com bandoleira a tira-colo para a Zapata que lavava os pecados de egoísmo do mundo rico, um símbolo, mais do que uma verdadeira e temível força política, capaz de fazer tremer um governo central que negociou e tratou com ele tréguas e reconhecimentos, até a marcha triunfal, "de pop star", como batizou a BBC, que o conduziu entre multidões de San Cristobal à capital, a Cidade do México.

Hoje, 16 anos depois da sua explosão no palco do mundo, com a morte do "santo bispo" no ano 2000, a queda da "teologia da libertação", a vitória política e cruel de líderes como Chávez na Venezuela, o sonho da floresta Lacandona perdeu a sua cor. O "desencapuchamiento" do subcomandante sem rosto é um pouco a normalização de um sonho.

A opressão dos indígenas, principalmente dos maias desaparecidos do Yucatán à Guatemala, continua. Mas é o terror dos grupos do narcotráfico, com os seus 2.600 assassinados apenas em 2009 para garantir o mercado da droga para o grande Norte, é que atormenta o México.

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