sábado, 13 de novembro de 2010

Blogues podem ser o germe de uma nova forma de organização partidária


Igor Natusch - Sul 21.


O crescimento da internet, visível em todos os níveis, ganhou dimensão inédita na última eleição presidencial brasileira. Mais do que a simples disseminação de informações, os blogues políticos multiplicaram-se na rede e surgiram como espaço de análise, resgate histórico e discussão política. Especialmente no segundo turno, as acusações entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) encontraram nos blogues, e também em redes sociais como o Twitter, espaço não apenas para sua disseminação, mas também para sua contestação. Os blogues e o Twitter não só promoveram os candidatos como foram alvo de ações inéditas. O TSE chegou a conceder um direito de resposta a José Serra no Twitter, a respeito de mensagens publicadas pelo deputado estadual Rui Falcão (PT-SP). Tem mais: blogues e Twitter podem ser o germe de um novo tipo de organização política.

A importância dos blogues foi tão grande que chegou a ser criada uma rede de blogueiros progressistas, ligada à candidatura de Dilma Rousseff (PT). Além de participarem da frente pró-Dilma (que chegou a congregar mais de 340 blogues), muitos dos integrantes se envolveram ativamente nas discussões políticas e promoveram um Encontro Nacional, ocorrido no final de agosto. Entre os identificados com o movimento, estão alguns dos blogueiros mais acessados do Brasil, como Luís Nassif, Luiz Carlos Azenha, Rodrigo Vianna, Eduardo Guimarães e Paulo Henrique Amorim.

O analista político André César, da CAC Consultoria Política, lembra que os blogues políticos começaram a ganhar força no Brasil a partir de 2004, como espaço não só de análise, mas também de disseminação de informação. Nessa eleição, segundo César, eles entraram de fato no panorama eleitoral. “Para a parcela do eleitorado que acessa internet, os blogues se consolidaram como um espaço de discussão e informação”, afirma.

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Alternativa importante

De qualquer modo, André César acredita que ferramentas como os blogues e redes sociais como o Twitter acabam tendo pouca força na hora de mudar opiniões. “Esses espaços cumprem mais um papel de reforço. O público que acessa internet costuma ter posições formadas, e busca nos blogues que visita um tipo de informação específica, munição para defender um posicionamento político que já possui”.

Luiz Carlos Azenha, jornalista e responsável pelo blogue Viomundo, defende opinião semelhante. “Eu diria que o papel dos blogues foi maior do que a grande mídia gostaria de admitir, mas menor do que o imaginado”, diz. Para ele, há uma “discriminação de informação” que se manifesta em vários níveis, inclusive na dificuldade que boa parte da população enfrenta para acessar a internet. “Para a classe média, que tem acesso à internet rápida, os blogues políticos acabaram oferecendo uma alternativa. Não foram decisivos, mas foram uma alternativa importante de debate”.

Fábio Bebber, da My Image, empresa que trabalha a imagem de políticos na internet, discorda dessa visão. “Os blogues não chegaram a ter tanta influência na formação ideológica do eleitor”, afirma. Para ele, ainda que o ciberespaço tenha servido como área de discussão política, as suas possibilidades acabaram sendo subaproveitadas. “As redes sociais não devem ser vistas apenas como um meio de instrução, mas também de interação com o público. Nesse sentido, os blogues não tiveram tanta relevância na formação de uma massa crítica junto ao eleitorado”, argumenta.

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Blog de Rudá Ricci Foto: Reprodução

Contrainformação

O sociólogo e blogueueiro Rudá Ricci procura diferenciar os blogues de outras ferramentas sociais, como o Twitter e o Facebook. Nas eleições deste ano, ele acredita que o Twitter se encarregou da contrainformação, atuando de forma mais agressiva, enquanto o aspecto mais “reflexivo” ficou a cargo dos blogues. O melhor uso do Twitter, na opinião de Ricci, foi feito pela candidata Marina Silva (PV). “O uso que ela fez da tag (etiqueta) #eusou+1 foi muito competente, teve grande empatia junto à juventude, que é quem mais usa o Twitter. O Plínio (de Arruda Sampaio, candidato à presidência pelo PSol) chegou a surpreender, entendeu o funcionamento do Twitter e usou ele de forma competente, repercutindo os debates. O restante fez um uso meio deplorável, usando como se fosse um diário adolescente. O Twitter é um veículo rápido, muito verdadeiro e um tanto ácido, e eles (Dilma e Serra) não se posicionaram bem nesse aspecto”, critica.

Para o sociólogo, o impacto dos meios digitais no segundo turno de 2010 pode ser comparado ao impacto da televisão, registrado no segundo turno das eleições de 1989, entre Lula e Fernando Collor. “Nos assustamos com a dimensão que a coisa (internet) estava tomando, e ninguém estava muito preparado para saber como lidar com uma rede sem hierarquia. O Marcelo Branco (coordenador de redes sociais da campanha de Dilma Rousseff), por exemplo, apanhou o tempo todo. Tivemos todos que aprender na marra”, explica.

“Se os blogues (da rede pró-Dilma) não tivessem importância, talvez não tivessem nem sido mencionados como ‘blogues sujos’ por José Serra”, argumenta Luiz Carlos Azenha. Mesmo assim, garante que as articulações foram muito além da formação da Rede de blogueiros progressistas. “Foi um processo que agregou pessoas em toda a blogosfera, em todas as redes sociais. E não só apoiadores de Dilma, mas partidários de Serra também”.

O jornalista e blogueiro lembra de pontos no qual a participação dos blogueiros alinhados com Dilma foi importante, como na lembrança de que o governo de Fernando Henrique Cardoso tentou rebatizar a Petrobras como Petrobrax. “Serra garantiu, durante um debate, que o nome Petrobrax foi só ideia de um publicitário, nunca chegou a ser aprovado. Os blogues se encarregaram de resgatar material da época, e o Twitter ajudou a disseminar a informação. Muita coisa não estava mais disponível, e nós fomos atrás. Se isso tivesse acontecido há alguns anos, um número bem menor de pessoas teria tido contato com esse material”.


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Critérios jornalísticos

Luiz Carlos Azenha explica algumas medidas que utiliza na administração de seu blogue Viomundo. “Aplico critérios jornalísticos em todo o conteúdo que entra no blogue”, garante. Os comentários são moderados e, caso considerados inadequados, são reprovados. Além disso, Azenha assegura que as informações são checadas antes de irem ao ar. “Não é qualquer coisa que entra no blogue. Tomamos muito cuidado para nunca divulgarmos informações falsas. Obviamente, não dá para controlar tudo que circula na internet, mas tento ao máximo manter um padrão de credibilidade”, afirma.

“No final do primeiro turno, o nível da campanha na internet caiu muito”, lembra o blogueiro Rudá Ricci. Nesse sentido, os blogues teriam sido decisivos, inclinando a disputa para o lado de Dilma Rousseff (PT). “Os blogues trouxeram muita informação. No caso envolvendo Paulo Preto (assessor de Serra que teria fugido com dinheiro arrecadado para a campanha), os blogues postaram fotos de José Serra ao lado dele. O candidato, que tinha negado, foi forçado a admitir que o conhecia. A organização da militância pró-Dilma soube usar os blogues de forma bem mais efetiva. A Rede de blogueiros progressistas foi importante, mas a atuação não se resumiu a isso”.

André César, da CAC, acredita que os blogues são capazes de cobrir espaços que, por suas limitações, estão fora do alcance de jornais e outros veículos ditos tradicionais. “O blogueiro, até certo ponto, pode ser um livre pensador”, garante. “Pode ir a fundo em muitas coisas, sem muito medo de processo ou represálias, até porque o blogue ainda é uma novidade dentro da política brasileira”.

Luiz Carlos Azenha aponta uma outra dimensão política dos blogues, geralmente ignorada pelos analistas: as discussões motivadas nas caixas de comentários. “Algumas postagens no meu blogue, durante essa eleição, tiveram mil comentários ou ainda mais. Existe uma grande militância digital, geograficamente bem distribuída, mas sem organização formal, que fazem contato por meio dos posts de um determinado blogue. Nesse sentido, os blogueiros acabam sendo mediadores, enquanto os comentaristas funcionam como formigas, abelhas que disseminam informação”.


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Desobediência civil no DNA

Rudá Ricci acredita que o próprio caráter da internet, “subversiva por natureza”, dificulta qualquer lei eleitoral aplicada à internet. “O direito de resposta pelo Twitter, por exemplo, é ridículo. Quem não ler o tuíte de resposta na hora em que for postado pode nem ficar sabendo depois. É preciso entender que os sistemas em rede carregam a desobediência civil em seu DNA. Não adianta tentar castrar isso”, assegura Ricci.

Luiz Carlos Azenha, do Viomundo, diz que a Justiça Eleitoral foi pega de surpresa pelo crescimento da internet nessas eleições. Ele defende que a liberdade da internet deve ser “ainda maior” que a de imprensa. “O único limite deve ser o do crime ou delito, coisas que já estão previstas no Código Penal”, diz, exemplificando com recentes demonstrações de preconceito contra nordestinos, disseminadas por usuários do Twitter após a votação de 31 de outubro.

“Os excessos ocorrem de todos os lados”, diz André César, que acredita que a regulamentação dos blogues deve ser informal. “O blogue ainda é algo novo, tem muito espaço para aperfeiçoamento. Atualmente, o grande controle que a gente tem é o de qualidade. Os blogues conduzidos de forma mais séria, com critérios mais claros, acabam consolidando seu espaço”.

O cientista político da CAC Consultoria Política acredita ser “complicado” cercear a liberdade característica da internet. “A autorregulamentação é uma característica fundamental da internet. Tentar impor leis sobre ela está condenado a cair no ridículo. É impossível aplicar a lei eleitoral da mesma forma que na TV ou na mídia impressa, porque uma informação lançada na rede acaba tendo um voo próprio. Tem que deixar correr”, defende.


Importância deve crescer


Fábio Bebber, da My Image, acredita que a TV continua sendo o grande veículo de impacto político junto ao eleitor. Mas vê perspectivas para o crescimento da internet nesse panorama. “É importante pensar as mídias digitais dentro de uma estratégia contínua, indo além de simplesmente enviar o endereço do site ou usar o Twitter como um mecanismo de conversa online. Os blogues, em especial, servem como um meio de sistematizar informações. Muitos eleitores ainda estão pouco expostos à internet, a tendência é que isso aumente com o decorrer do tempo”.

“Os blogues, com o tempo, devem se consolidar como motivadores de um debate mais qualificado e embasado”, aposta o cientista político André César. “É um espaço que já está sendo tomado por jornalistas, e essa é uma tendência que deve se manter. Acho que, em 2012, teremos menos blogues falsos ou criados no calor da eleição. Um número grande de blogues terá credibilidade consolidada, não vai ter tanto espaço para espalhadores de boatos. Talvez pareça uma visão utópica, mas, se isso se confirmar, todos saem ganhando”.

O blogueiro Luiz Carlos Azenha detecta uma migração crescente para a internet, a partir da universalização da banda larga no Brasil. Os efeitos sobre o eleitorado, acredita, serão intensos. “Já temos um grande número de eleitores que se informam quase exclusivamente pela internet”, diz. A queda de custos de aparelhos eletrônicos, como celulares e câmeras digitais, amplia ainda mais a margem de atuação dos blogues e das mídias eletrônicas em geral. “Hoje em dia, com um pequeno treinamento, qualquer um já é capaz de criar conteúdo jornalístico original”, afirma Azenha. “A atualização e disseminação de informação será cada vez mais rápida. Não há como prever onde isso vai parar”.

Rudá Ricci vai ainda mais longe: ele acredita que as discussões nos blogues podem ser o germe de uma nova forma de organização partidária. “Os blogues, a seu modo, estão cumprindo o antigo papel das células, nas organizações de esquerda”, compara. “Eles promovem um aprofundamento na discussão de questões políticas e ideológias, algo que os partidos não faziam mais. Acho que a internet está chacoalhando o sistema político-partidário tradicional, e pode estar apontando para um tipo diferente de associação política. Mais móvel, mais fluida e menos hierárquia”.

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