segunda-feira, 22 de março de 2010

A lei da saúde de Obama e o cálculo político

Do Blog COM TEXTO LIVRE.


A aprovação da reforma da saúde de Obama, pela Câmara de Representantes dos Estados Unidos, ontem a noite, com a diferença de sete votos, é uma vitória relativa no campo das políticas públicas e uma vitória expressiva no campo da política partidária.

O exemplo ilustra bem a maneira como, na política atual, esses dois universos tendem a se distanciar. Não que jamais tenha sido assim – pelo contrário: a política sempre foi uma mediação entre a ação pública e o discurso a respeito de si mesma. Porém, está-se alcançando um nível de cinismo inusitado, lá como aqui.

Essa reforma é um exemplo. Para começar, ela não modifica, realmente, um sistema de saúde centrado no mercado da doença: continua a prática da concorrência e a regulamentação que promove é de médio impacto. Qualquer analista da política norte-americana certamente vai dizer que é um primeiro passo, e que Obama foi pragmático ao propor um projeto “incompleto”, afinal ou seria isto ou nada seria.

O projeto amplia a cobertura médica a 32 milhões de americanos que hoje não têm qualquer tipo de assistência. Com a lei, 95% dos quase 300 milhões de habitantes dos EUA terão cobertura médica, após uma reforma que custará US$ 940 bilhões de dólares em 10 anos. Isso parece ótimo, apesar de caro, mas há condicionantes, dentre as quais a principal é o mecanismo da concorrência entre o Estado e as empresas de plano de saúde, que deverá ampliar esse valor crescentemente e indefinidamente.

Então, em termos de políticas públicas, é uma vitória apenas relativa. Não apenas não muda a base do sistema como acaba dando poder ao motor especulador que constitui a base do sistema.

Já no campo político, tratou-se, ao contrário, de uma vitória expressiva.

A lei foi aprovada por 219 votos contra 212. Eram necessários pelo menos 216 votos favoráveis. Essa vitória apertada será assinalada como uma vitória vantajosa, porque esses simples três votos a mais, além do que era necessário, têm um caráter de “folga” que, simbolicamente, não teria equivalente no Brasil.

Além disso, no plano partidário, a aprovação da lei acaba sendo uma vitória de Obama sobre os 34 deputados do seu próprio partido que votaram contra a reforma. Eles entram numa situação de fragilidade política que deverá ser explorada por Obama.

Porém, a despeito desses trunfos, o trunfo maior é a própria aprovação da reforma após 40 anos de debates e o capital político de Obama estar diretamente associado a ela.

Obama apostou suas melhores cartas no projeto e foi pessoalmente para a linha de frente para defendê-lo. Ao fazê-lo, colocou-se numa posição de vulnerabilidade. Na semana passada, por exemplo, praticamente deixou de governar para se empenhar, no corpo a corpo, pela vitória do projeto. Além disso, horas antes da votação, se comprometeu a assinar um documento que reafirma a proibição aos abortos com dinheiro público - ou seja, deu um sinal de concessão de última hora.

Foi uma operação de risco, mas a aposta deve gerar um benefício de longo prazo do qual Obama deverá saber aproveitar.

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