Engenheiro agrônomo resgata, em tese,
história de escola erguida em assentamento
O chão que abriga um assentamento rural com seis agrovilas é o mesmo onde hoje funciona uma escola técnica voltada à agricultura familiar. O chão é o da Fazenda Pirituba – uma grande extensão de terra localizada nos municípios paulistas de Itapeva e Itaberá. Sua história revela o esforço de muitos que colaboraram para que jovens agricultores permanecessem em suas propriedades, ao invés de migrarem para a zona urbana em busca de melhores condições de vida. Com a ajuda do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) e do Centro Paula Souza, esta escola foi montada no local com apoio da comunidade e tornou-se alvo recente de uma pesquisa de doutorado do engenheiro agrônomo Luiz Cláudio Antonio Nogueira, o primeiro coordenador da instituição.
Nogueira, que defendeu em dezembro o doutorado na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, orientado pela professora Sônia Bergamasco, constatou na tese que normalmente as escolas técnicas estão inseridas no município, não propriamente na zona rural. Trabalhando no Centro Paula Souza por 16 anos, ele fez outra constatação: o técnico formado nessa instituição nem sempre mantinha contatos com técnicos ligados à área agrícola. Foi ainda notório no trabalho que muitas pessoas da cidade tinham curiosidade de conhecer como funcionava um curso rural, por acharem interessante agregar à sua formação conhecimentos sobre agricultura e pecuária.
As comunidades dos assentamentos da Fazenda Pirituba e de bairros vizinhos, de agricultores familiares e produtores, procuraram a organização do Itesp para buscar alternativas aos estudos. Eles terminavam o ensino médio e verificavam que não tinham mais o que fazer, porque a escola técnica mais próxima dos assentamentos ficava a 70 km de distância, na cidade de Taquarivaí. Ficava inviável viajar todos os dias e ter que desembolsar uma mensalidade para cobrir os custos com alimentação, sem dispor de recursos suficientes para isso.
Consultado pelo Itesp, o Centro Paula Souza comprou a ideia, firmando com ele uma parceria. Criou-se então a Escola Técnica de Agricultura Familiar (Etaf) “Pedro Pomar” em 2004, no bairro Água Azul, em Itaberá. A princípio, era apenas um prédio abandonado. Depois, o Itesp promoveu reformas no local, com a participação da comunidade. Os maiores interessados – os futuros alunos – ajudaram a pintar a escola, a gramar o espaço e a fazer pequenos arranjos. Foi aí que Nogueira entrou na história, tendo um papel decisivo ao defender no campo a inserção de um ensino diferenciado: o ensino tecnicista. Neto de agricultores, ele vibrava quando era hora de visitar o sítio do avô, tal o encantamento produzido pela terra. Mal imaginava que anos depois estaria orientando outros jovens que também nutriam este carinho pela agricultura.
Após ampla divulgação, a primeira turma da Etaf começou com 40 alunos e terminou com 32 alunos. A segunda turma começou com 35 e terminou com 32. A terceira começou com 35 e terminou com 32 também. Observou-se um índice de evasão mínimo, revela Nogueira, comparado aos cursos oferecidos em outras cidades pertencentes ao Centro Paula Souza. Com o quadro de educadores se delineando, a organização optou pela aplicação de parte da Pedagogia da Alternância, por entender que o aluno deve trazer para a sala de aula os problemas que está enfrentando na sua propriedade, partir para a problematização e depois construir possíveis soluções. O objetivo era que os jovens frequentassem a nova escola na parte da manhã e voltassem para as suas propriedades à tarde. “O que o estudante aprendia na escola, já podia ser aplicado no mesmo dia.”
O engenheiro relembra que o período abordado na tese foi problemático em termos gerenciais e que hoje o convênio das duas instituições não tem sido renovado pontualmente por questões burocráticas e judiciais. Mesmo quando ocorria a assinatura, ela era feita muito em cima da hora, não sobrando tempo para divulgação. Nas primeiras turmas, estima, houve até procura de 120 alunos para 40 vagas. Com o tempo, este número diminuiu. E por quê? Na sua visão, não foi feito um trabalho de comunicação efetivo. “Tivemos muitos problemas com professores pela falta de conhecimento sobre agricultura familiar, assentado na agroecologia, no desenvolvimento sustentável, na proposta da educação do campo e nas pedagogias alternativas.”
A escola está passando por outro momento crucial que tem atrapalhado o seu desempenho com uma provável desarticulação de gestão. Existem alguns gargalos a serem corrigidos, como a formação de novas turmas. A sugestão de Nogueira é que hajam profissionais mais envolvidos com a comunidade e professores mais capacitados para atender esse público.
Pelos depoimentos relatados ao pesquisador, o jovem conseguiu alcançar um espaço que não tinha anteriormente. No meio rural, as grandes decisões partiam na maioria das vezes do pai, às vezes da mãe e dificilmente do filho. “A formação do jovem começou a abrir esse leque”, diz. “Tentamos inclusive orientar os jovens para não querer assumir a propriedade toda, pedindo ao pai para trabalhar apenas num pequeno pedaço de terra para depois haver comparação com o que era feito. Não se pode falar que está tudo errado e que vai começar tudo do zero, pois o pai não está disposto a correr riscos.” Uma estratégia, aponta Nogueira, é evitar este conflito.
Apesar disso, alguns avanços também puderam ser notados. Com a formação adquirida, foi possível tornar o pedaço de chão da família mais lucrativo. Os resultados se mostraram promissores sobretudo para os alunos, com crescimento profissional, pessoal, de convívio e grupal. Além disso, o jovem foi encorajado a ter voz mais ativa em sua própria propriedade. Muitos filhos passaram a se apropriar de argumentos mais contundentes para revelar aos pais o que estava errado na sua prática ou como seria melhorar algumas atividades.
Perfil
Segundo o Censo Agropecuário de 2006 divulgado em outubro de 2009, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apurou que mais de 80% dos produtores brasileiros são agricultores familiares. A característica do agricultor familiar é que ele não utiliza exclusivamente, mas muitas vezes, a mão de obra familiar e cujo sustento vem da propriedade. “Então ele produz para vender, mas também para consumo”, informa Nogueira.
O foco dele no doutorado foi avaliar o grupo que estava iniciando a escola em julho de 2004, estendendo a avaliação a janeiro de 2005 e a janeiro de 2006, quando começaram as três primeiras turmas da escola. Depois de aproximadamente dois anos, voltou a abordar os mesmos jovens que se formaram em 2005. Isso foi no final de 2007 e início de 2008. “A comunidade Pirituba é constituída por grupos familiares com renda entre um e três salários mínimos”, conta.
O engenheiro aplicou um questionário aos entrevistados enfatizando, nos períodos estudados, as técnicas empregadas na propriedade em que eles residiam, a tecnologia, a renda familiar e os executores do trabalho na sua propriedade. Ele os procurou para saber o que tinham vivenciado após a conclusão do curso. Um dos fatores analisados foi a comparação do ensino dos alunos na Etaf com o ensino de uma escola de ensino médio normal.
Os resultados na Etaf foram os mais positivos, notando-se um aumento até na renda familiar. O pesquisador, porém, relativiza o achado dizendo que não é possível constatar se foi exatamente por causa da escola técnica, pois alguns benefícios sociais foram propiciados igualmente pelo Governo Federal, o que também pode ter influenciado este aumento. Mesmo assim, o engenheiro realça que melhorias foram perceptíveis em todos os sentidos, desde benfeitorias e maquinários até aumento de área produzida, de tecnologias e técnicas aprendidas na escola e muitos ganhos como cidadão.
A conquista dos alunos foi para além da agricultura, pecuária e agroindústria. Exemplo disso é que, dentro do módulo de agricultura, eles tinham a disciplina de Comercialização. Nela aprendiam como chegar ao preço de um determinado produto e ao mesmo tempo realizavam visitas à Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) a fim de compreender que a comercialização não carece de atravessadores para acontecer, que são os grandes compradores na região.
Os alunos aprenderam muito, garante Nogueira. Foram apresentados à atividade de compostagem, que consiste em empregar matéria orgânica de origem animal e vegetal para ser transformada em adubo; e a trabalhar com biofertilizantes, obtidos dos restos das fezes de animais para pulverização e controle de pragas e doenças. “Oferecemos ainda alguns cursos de produção de frango e aí eles começaram a trabalhar com um projeto que chama Frango Feliz, da Esalq. Este frango não requer uso de ração. Ele vai ciscando e se alimentando do que existe na própria propriedade. Vai mudando de lugar neste cercado, ao mesmo tempo que as suas fezes vão fertilizando o solo”, relata.
Outro projeto desenvolvido com apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), denominado Balde Cheio, os colocou diante de uma situação em que, numa pequena área de um alqueire, era preciso criar vacas com uma alta produção de leite, tendo que sobreviver da renda deste produto.
A principal contribuição de Nogueira, admite, foi mostrar que uma escola inserida na área rural permite trabalhar melhor dentro da realidade do jovem e conhecer as suas maiores dificuldades. “Nada vem pronto para ele. É preciso preparar hipóteses, discuti-las e opinar sobre prováveis caminhos”, pontua. Também concluiu que a escola da zona rural possibilita uma formação técnica que o jovem não teria em outras condições. “Temos hoje cinco jovens fazendo universidade. Mas a base foi a nossa escola. Tem havido casos em que muitos jovens desistem de permanecer na cidade, voltam e percebem que são muito mais felizes no campo – isso com relação à qualidade de vida ou ao ganho que não tinham na propriedade e que estão conseguindo porque aprenderam a fazer projetos, onde buscar verbas e condições de produzir, e como escolher a cultura e a atividade para ser produzida.”
Matéria publicada por Leda Ribeiro (Colaboradora do Blog)
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