segunda-feira, 22 de março de 2010

Temporão: Estratégia para combater gripe suína é sólida

por Conceição Lemes

Essa semana começou em todo o Brasil a campanha de imunização contra a influenza A (H1N1), ou gripe A, mais conhecida como gripe suína.

Acontecerá em cinco etapas distintas. Profissionais de saúde e indígenas. Gestantes, doentes crônicos e crianças de 6 meses a 2 anos. Pessoas de 20 a 29 anos. Idosos com doenças crônicas.

População de 30 a 39 anos. A meta é imunizar até 21 de maio pelo menos 80% do público-alvo de 91 milhões de brasileiros.

“Nossa estratégia é baseada evidências científicas e epidemiológicas muito sólidas”, salienta o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. “Tem o respaldo das maiores autoridades em saúde pública e da comunidade científica do Brasil.”

Temporão tem especialização em Doenças Infecciosas e em Saúde Pública, mestrado e doutorado em Saúde Coletiva. É pesquisador e professor da Escola Nacional de Saúde Publica, da Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, no Rio de Janeiro. Nesta entrevista exclusiva ao Viomundo, ele encarou com tranquilidade os questionamentos e pontos polêmicos.

Viomundo – Ministro, eu já ouvi em metrô, restaurante, hospital, sala de espera de consultório, muita gente perguntando: por que não vacinar toda a população contra a gripe suína? O que o senhor acha?

José Gomes Temporão – A vacinação em massa não é o caminho para o enfrentamento da segunda onda da influenza A. Por um motivo simples: não é mais possível a contenção em todo o mundo. Nenhum país está vacinando a população inteira. Além de desperdício de dinheiro, exporia essas pessoas a uma vacina que não é necessária para elas. A intenção da campanha é proteger os mais vulneráveis. São aquelas pessoas que, em função de faixa etária, grupo biológico ou de determinadas doenças crônicas preexistentes, são mais frágeis e podem desenvolver complicações da gripe A e morrer.

Viomundo – Como o ministério chegou ao público-alvo?

José Gomes Temporão
– Estudando o que aconteceu em 2009 no Brasil e no restante do mundo. Também considerando o que foi publicado na literatura científica e por organismos internacionais, como a
Organização Mundial de Saúde (OMS), o Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças [ECDC é a sigla em inglês] e o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA (o CDC, de Atlanta). Além disso, discutimos exaustivamente com todas as sociedades médicas brasileiras.

Viomundo – Os grupos que serão vacinados são os mesmos no mundo inteiro?

José Gomes Temporão
– Não. A OMS recomenda para gestantes, profissionais de saúde, indígenas e portadores de doenças crônicas. Os países estão seguindo essas indicações mas com algumas diferenças, já que tem de se levar em conta como a doença se apresentou em cada região. Nós estamos indo além do que preconiza a OMS.

Viomundo – A propósito, o Brasil vai vacinar crianças de 6 meses a 2 anos e a população saudável de 20 a 39 anos. Por quê?

José Gomes Temporão – Analisando os óbitos de 2009 pela gripe A, verificamos que, além de gestantes e portadores de doenças crônicas, eles se concentraram em crianças pequenas (com menos de 2 anos) e em adultos saudáveis de 20 a 39 anos. Daí a decisão de incluí-los entre os grupos prioritários. Estados Unidos e Canadá também vacinaram a população saudável de 20 a 39 anos. Ainda não se sabe por que esse grupo etário tem mais risco de desenvolver a forma grave da gripe A. O fato é que tem.

Viomundo – Por que as crianças com menos de 6 meses não estão incluídas?

José Gomes Temporão – Não há estudos demonstrando que a vacina atual garante proteção a elas. Portanto, não tem sentido vaciná-las.

Viomundo – Toda pessoa com doença crônica deve se vacinar?

José Gomes Temporão – A maioria delas, sim. A presença de determinadas patologias por si torna as pessoas mais vulneráveis. E a concomitância com a infecção pelo vírus influenza H1N1 [causador da gripe A] aumenta o risco de doença grave e óbito. Em 2009, tivemos alto percentual de casos da síndrome respiratória aguda grave (SRAG) pelo H1N1 em portadores, por exemplo, de doenças respiratórias e cardiovasculares crônicas. SRAG é a temida complicação da gripe A.

Viomundo – E os idosos, por que não vacinar todos?

José Gomes Temporão – É preciso deixar bem claro: todos os idosos serão vacinados contra a gripe comum, como ocorre todo ano. Mas só receberão a dose contra a gripe A aqueles que tiverem alguma doença crônica. Isso porque a gripe A não se mostrou agressiva em idosos saudáveis. A gripe sazonal, essa sim, é a que causa um alto número de internação e doença grave em idosos em geral.

Viomundo – Como fica então a recomendação para quem tem mais de 60 anos?

José Gomes Temporão – Se você não tem doença crônica, vai tomar apenas a vacina para a gripe comum. Agora, se tem doença crônica, tomará duas vacinas: contra influenza A e contra a gripe sazonal, comum. Uma em cada braço. Serão no mesmo dia.

Viomundo – No Parlamento Europeu, a OMS foi acusada de ter exagerado no alerta da pandemia em 2009. Levantou-se até a suspeita de ela ter cedido às pressões da indústria farmacêutica. Vacinas contra a gripe suína e o Tamiflu (a droga é o oseltamivir) estão sobrando no mercado internacional. Em alguns países, como França, Inglaterra e Espanha, a vacinação foi rechaçada por certos segmentos da sociedade. Aqui, há cidadãos questionando a vacinação. O que senhor tem a dizer sobre isso?

José Gomes Temporão – Quem faz esse questionamento, olhou apenas para a Europa. Não olhou para Canadá, Estados Unidos e México, onde não houve polêmica sobre o assunto. Nesses países, a população se vacinou normalmente. A responsabilidade do Ministério da Saúde é proteger a população vulnerável. E é isso que estamos fazendo.

Viomundo – O que aconteceu na Europa?

José Gomes Temporão – Na minha avaliação, houve uma superestimativa de que a segunda onda da pandemia poderia ser uma grande tragédia, com muitas mortes. O que não se confirmou. Lá, a segunda onda foi mais fraca do que se imaginava. Por sinal, nós, aqui, tivemos uma postura muito prudente desde o começo. Lembra-se da pressão imensa para que distribuíssemos o Tamiflu indiscriminadamente e nós, embora tivéssemos o remédio em estoque, não o fizemos? Os estudos demonstraram que a posição do Brasil estava correta. Pois bem, qualquer predição de que vai ser uma catástrofe ou de que não vai dar em nada é mera especulação. Estamos lidando com uma doença nova, desconhecida, cujo comportamento ainda estamos descobrindo. De novo: nossa postura, aqui no Brasil, é de prudência, alerta e responsabilidade; vamos proteger a população que mais precisa.

Viomundo – O movimento antivacina na Europa foi geral?

José Gomes Temporão – Não. Aliás, é preciso que fique bem claro. O Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças, que corresponde ao CDC da Europa, recomenda a vacinação, assim como as sociedades médicas europeias. O que acontece lá é o seguinte. Em certos países, existem movimentos de contracultura a todo tipo de imunização. Eles aproveitaram esse momento, para recolocar a questão, usando como alvo a vacina contra a gripe A. Uma situação absolutamente distante da realidade brasileira.

Viomundo – Em que medida?

José Gomes Temporão – No Brasil, temos um programa nacional de imunizações com mais de 30 anos de experiência, que é copiado e admirado no mundo inteiro. Nós construímos uma tecnologia de fazer grandes campanhas com resultados fantásticos. Tanto que estamos eliminando a a maioria das doenças prevenidas por vacinação, como poliomielite, rubéola, sarampo, tétano neonanatal, ou estamos buscando controlá-las com a introdução de novas vacinas no calendário de imunização.

Rejeitar a vacina é como se nós estivéssemos voltando a 1904, quando os positivistas criticaram violentamente Oswaldo Cruz por ter tornado obrigatória a vacina contra a varíola. Eles alegavam que era uma intromissão indevida num corpo e num espaço das pessoas. No Rio de Janeiro, houve a Revolta da Vacina. O tempo se encarregou de mostrar que, do ponto de vista de saúde pública, Oswaldo Cruz estava certo, enxergava à frente do seu tempo.

Viomundo – Mas a vacina contra a gripe A não é compulsória….

José Gomes Temporão – De jeito nenhum. Só esperamos que as pessoas vulneráveis se vacinem espontânea e conscientemente. Além de se proteger, ajudarão a proteger quem está ao seu redor. Serão menos pessoas transmitindo o vírus H1N1, causador da nova gripe.

Viomundo – Na Europa, sobrou muito vacina. Foi só devido ao boicote à vacinação?

José Gomes Temporão – Não. Lá, a segunda onda havia começado e eles ainda não dispunham da vacina. Foi difícil planejar. Assim sendo,muitos países compraram número de doses acima do que seria razoável. Já aqui, não. Nós tivemos condições de pensar e planejar. Vamos vacinar metade da população brasileira antes do inverno. É uma atitude muito importante para proteger a população de uma coisa que nós não sabemos como vai se comportar no Brasil e no restante do hemisfério sul. Seria uma grande irresponsabilidade pautarmos a nossa atuação pelo o que aconteceu no inverno do hemisfério norte.

Viomundo – Já ouvi pessoas dizerem: “já que a gripe suína é igual à gripe comum, eu não vou me vacinar”. O que o senhor diria para elas?

José Gomes Temporão – É muito simples. Se elas estão incluídas em algum grupo do público-alvo definido para se vacinar, ela tem de saber que está mais exposta a ter complicações se pegar gripe. Todo o nosso esforço é no sentido de evitar agravamentos e mortes. Não queremos que brasileiros morram devido a uma doença que tem uma vacina eficaz, segura.

Viomundo – O fato de a segunda onda no hemisfério norte ter sido mais branda do que se esperava não contraindicaria a vacinação aqui?

José Gomes Temporão – Não, porque simplesmente não temos nenhum instrumento que nos permita antecipar o que vai acontecer no nosso inverno. A segunda onda da pandemia também pode ser branda aqui, mas existe a possibilidade de ser mais violenta do que foi no hemisfério norte. A única arma de que dispomos agora e não tínhamos em 2009 é a vacina. Logo, seria um disparate total a gente deixar de usá-la. A responsabilidade maior da autoridade sanitária é proteger a saúde da população.

Viomundo – No final de 2009, o Ministério da Saúde adquiriu 83 milhões de doses da Glaxo Smith Kline (GSK), Sanofi-Pasteur (via Instituto Butantan) e Fundo Rotatório de Vacinas da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Recentemente, comprou mais 30 milhões de doses da Novartis. Essa compra extra era mesmo necessária? O preço foi menor?

José Gomes Temporão – Essas 30 milhões de doses a mais vão nos permitir vacinar a população saudável de 30 a 39 anos, inicialmente não prevista, já que não havia disponibilidade do produto no mercado internacional. Elas custaram menos, sim. As primeiras doses, adquiridas por meio de licitações internacionais, custaram 11 a 12 reais a dose. Agora pagamos 7 reais.

Viomundo – Essa vacina tem contraindicações?

José Gomes Temporão – Pessoas alérgicas à proteína do ovo não podem tomá-la. É a única contraindicação. O vírus vacinal é “criado” em embrião de ovo de galinha.

Viomundo – E os efeitos colaterais?

José Gomes Temporão – Até o momento, não foi comprovado a ocorrência de efeito adverso grave associado à vacina contra influenza A. A grande maioria das pessoas que apresenta sintomas tem reações leves, semelhantes à da vacina contra a gripe comum: dor local, febre baixa, dores musculares, que se resolvem em torno de 48 horas.

Viomundo – Doentes crônicos têm mais risco de reações adversas?

José Gomes Temporão – Não. A possibilidade é a mesma de qualquer outra pessoa.

Viomundo – Uma das discussões na internet é que a vacina não teria sido testada suficientemente e poderia provocar efeitos colaterais graves. Isso é verdade?

José Gomes Temporão – Isso não se comprovou. Até o momento 300 milhões de pessoas já usaram essa vacina em todo o mundo e nenhum efeito adverso importante ocorreu. Na prática, se demonstrou que é segura.

Viomundo – Mas o processo de desenvolvimento de uma vacina costuma ser longo. Como foi possível produzir uma tão rapidamente e ainda testá-la suficientemente?

José Gomes Temporão – Os laboratórios já tinham experiência em produzir vacina contra os vírus de influenza comum. Tiveram apenas de adequar o processo ao novo vírus.

Viomundo – Um leitor do site pergunta: o fato da vacina ter sido feita com o vírus que circulou no último inverno não faz com que ela fique “velha”?

José Gomes Temporão – Não. A tendência dos vírus de gripe é circular durante dois a três anos. Além disso, estudos epidemiológicos realizados no Brasil mostram que mais de 90% dos casos graves de influenza são pelo vírus A (H1N1).

Viomundo – Qual a eficácia da vacina que está sendo usada no Brasil?

José Gomes Temporão – Acima de 95%. A resposta máxima de anticorpos se observa entre o 14º e o 21º dia após a vacinação. Ou seja, a pessoa só estará protegida 14 a 21 dias depois de se vacinar. Por isso, a vacinação tem de ser antes do inverno.

Viomundo – Normalmente, o CDC, dos Estados Unidos, é usado como referência. No ano passado, porém, a mídia brasileira e alguns especialistas “esqueceram” do CDC e passaram usar como exemplo a Inglaterra, para exigir do Ministério da Saúde que o Tamiflu fosse fornecido a todas as pessoas sintomas gripais. Quando é que nós vamos ter o nosso CDC? Nós não temos competência técnico-científica para estabelecermos nossa própria estratégia ou a síndrome de vira-lata vai fazer com que se ache que tudo que é de fora é melhor?

José Gomes Temporão – O Brasil é competente, sim. Nós temos a Fiocruz, que não fica a dever nada às grandes instituições internacionais. Nas próximas semanas vamos surpreender com uma nova tecnologia brasileira que vai ajudar a combater a gripe suína. O curioso é que pesquisadores do mundo inteiro respeitam a Fiocruz,que hoje é uma mega-instituição. Ela tem desde ensino, pesquisa, produção de medicamentos e vacinas – é a maior produtora de vacinas da América Latina – até assistência hospitalar. É uma instituição que deve orgulhar os brasileiros.

O Brasil possui também uma rede de alerta e resposta às emergências de saúde pública, a Rede Cievs, coordenada pela Secretaria de Vigilância em Saúde e composta hoje por 42 unidades em todo o país que monitora 24 horas por dia todas as emergências. Com esta dimensão é a única no mundo.

Viomundo – O senhor tem uma frase que eu sempre repito: fazer política com saúde pública é um crime. Infelizmente nós temos visto muito issono Brasil. Aconteceu com a febre amarela em 2008, com a gripe suína no ano passado. Como é lidar com tantas pressões da mídia, dos partidos políticos de oposição, da indústria…?

José Gomes Temporão – É bem tranqüilo. Não me afetam. Acho justo e legítimo que outras pessoas tenham outras visões. O que me trouxe aqui é um projeto, um sonho de construir um sistema de saúde melhor para o Brasil. É o que estou buscando fazer. Trabalhando para fortalecer a base do sistema público de saúde. São 30 anos de estrada, de sonhos. E estou preparado para enfrentar todas as batalhas que venham pela frente.

Matéria publicada por Leda Ribeiro (Colaboradora do Blog)


Um comentário:

Sônia Pachelle disse...

Boa noite, trabalho a 16 anos na saúde pública, tomei desde a primeira campanha de vacina anti gripal em l997, e nunca tive reação. Também todos os anos tive acesso a BULA da vacina e as tenho guardadas, pois, as vacinas contém cepas de virus inativados de tres tipos, os mais incidentes em todo o mundo. Agora, tomei a vacina H1N1, perguntei pela BULA, que não acompanhou as doses das vacinas, procurei na internet não tem.
Para meu espanto, quase todos os funcionários que tomaram tiveram febre baixa, cefaléia, tosse. Mas comigo as reações foram mais sérias, e eu fiquei quase duas semanas com dificuldade até para pisar no chão. Foi terrível.

E pergunto: CADE A BULA?

abraços.