quarta-feira, 7 de julho de 2010

No laboratório de Serra

07/07/2010 - 09:54h

MARCELO COELHO – FOLHA SP

Se a escolha do vice já foi tão espinhosa, como haveria de ser a montagem de seu ministério?

Há muitas teorias para explicar a derrota da seleção na África do Sul. Dou a todas o crédito da minha ignorância. Qualquer uma é razoável; o fiasco brasileiro não constitui, provavelmente, a notícia mais enigmática destes dias. Acho mais intrigante o processo de escolha do vice na chapa de José Serra, que deu no deputado Índio da Costa (DEM-RJ).
Recapitulando. Foi uma sequência de rumores e balões de ensaio, de hipóteses e fórmulas mágicas, formando uma verdadeira escalação de futebol.
Aécio Neves, Francisco Dornelles e Álvaro Dias; Jarbas Vasconcelos, Itamar Franco e José Roberto Arruda; Kátia Abreu e Tasso Jereissati; Valéria Pires Franco, ex-vice-governadora do Pará, e Patrícia Amorim, presidente do Flamengo. Não pensaram no Belluzzo? É um time para Dunga nenhum botar defeito.
Alguns dias a mais e o próprio Dunga poderia ter sido cogitado. Aplaudiram-no em sua volta ao país; é popular; é sério; é realista; sua ficha, ao que consta, é limpa; veste-se com apuro, não gosta de demagogia e já não promete muita coisa.
Ademais, Dunga não deve ter críticas à exploração do pré-sal, nunca falou em plebiscito sobre a pena de morte, e há de considerar radical demais a proposta de multar os cidadãos que deem esmolas na rua. Três pontos que o tornam mais moderado, ou menos exótico, do que Índio da Costa.
Multar quem dá esmolas! Em matéria de Estado policial, creio que nunca se imaginou ameaça tão severa contra as classes privilegiadas.
Brincadeiras à parte, o problema da escolha de um vice nunca é fácil de resolver. Há sempre a questão dos palanques estaduais, o tempo na TV, a composição com os demais partidos da aliança.
Provavelmente, tudo ficou mais complicado para o PSDB por alguns motivos de ordem política e outros de ordem pessoal.
Passo rapidamente pela questão política. A candidatura Serra hesita entre a identidade puramente oposicionista (Álvaro Dias reforçaria isso) e o perigo de confrontar-se com a popularidade de Lula. A situação partidária força uma aliança à direita (Dornelles e Kátia Abreu seriam os nomes adequados), mas o clima predominante é redistributivista e pró-Estado, e o próprio Serra se sente desconfortável quando levado a defender o oposto.
O vice do tucano, assim, teria de ser precisamente alguém que não significasse nada, que não inclinasse a balança para nenhum lado.
A questão não é apenas política, mas também pessoal. Fulano? Não suporta Serra. Beltrano? Serra não o engole.
Ninguém é bom o bastante para que Serra o aceite, e ninguém é tão ruim que não possa rivalizar com ele.
Fico lembrando a velha história do casamento da Dona Baratinha, com fita no cabelo e dinheiro na caixinha, recusando um a um os pretendentes ao noivado. A mensagem psicanalítica do conto infantil não é outra senão a da fobia ao sexo; haveria em Serra, incrivelmente, algo como uma fobia à política, ou pelo menos à negociação política, à convivência política. Não o recrimino; talvez seja apenas um individualismo levado ao extremo.
Tanto, que ele se dispõe a acumular o cargo presidencial com o de superintendente da Sudene, e não sei com que outro ministério. Imagino que gostaria também de ser o secretário do Planejamento e presidente do Banco Central. Se a escolha do vice foi tão espinhosa, como haveria de ser a montagem do ministério?
Entendo melhor, assim, o estranhíssimo e desastrado conselho de Serra à Índio da Costa, recomendando-lhe que tivesse amantes, desde que com discrição. Traduzindo em termos políticos, Serra não acredita na fidelidade dos aliados, mas espera que não apareçam, que fiquem à sombra, que não existam.
Índio da Costa quase não existe. Olho suas fotos: é um belo rapagão moreno, não muito diferente de Aécio Neves, com a vantagem de não ser Aécio Neves.
O enigma se dissolve: é como se ele fosse um similar, ou um genérico, de Aécio. Trata-se do remédio sem marca para os males de Serra. Famoso hipocondríaco, foi o tucano quem criou os medicamentos genéricos, e não por coincidência: nenhum nome próprio, nenhuma marca conhecida, nenhuma singularidade identificável pode subsistir ao lado de Serra. Surge então Índio da Costa, o vice de todos os vices, prontinho do laboratório. É só engolir.

coelhofsp@uol.com.br

Postado por Luis Favre
Tags: , , ,

Matéria publicada por Leda Ribeiro (Colaboradora do Blog)

Um comentário:

josé lopes disse...

Gastos sociais.

Seria bom esclarecer que o precursor do programa Bolsa Família foi o Programa Nacional de Garantia de Renda Mínima, um programa cujo mérito cabe ao senador petista Eduardo Suplicy. Ainda no governo FHC, este programa petista foi extinto para dar lugar ao programa Bolsa-Escola estendido às famílias que tinham renda per capita de até meio salário mínimo por mês. Cada criança matriculada, até três por família, recebia apenas R$ 15 por mês. No governo do presidente Lula este programa foi ampliado e recebeu o nome de Bolsa Família. A finalidade do programa, que atende cerca de 11,1 milhões de habitantes, é a transferência direta de renda do governo para famílias pobres (renda mensal por pessoa entre R$ 69,01 e R$ 137,00) e em extrema miséria (renda mensal por pessoa de até R$ 69,00). O programa foi uma reformulação e ampliação, repito, do programa Bolsa-Escola do governo FHC que tinha uma abrangência bem mais tímida. Existem vários trabalhos acadêmicos que mostram que no período FHC, por trás das rubricas sociais, existia uma série de gastos que pouco ou nada ajudaram os pobres, pessoas que por definição deveriam ser os maiores beneficiários desse tipo de ação pública. Na realidade, o governo tucano de FHC, Serra & Cia. gastou muito dinheiro para ajudar quem não é pobre e pouco para ajudar os pobres. O problema surgia também em outras áreas. No caso da educação, os gastos com o ensino médio eram direcionados aos mais ricos. Para citar um número: apenas 8% do que era gasto no ensino médio foi para alunos do grupo 20% mais pobres. Mas a grande distorção estava no ensino superior. Quase metade de todo o orçamento das universidades públicas beneficiava os alunos das famílias pertencentes ao extrato dos 20% mais ricos. A metade mais pobre praticamente não se beneficiava do dinheiro (público) das universidades - que pertence ao que sabemos ao chamado "gasto social". Conclusão semelhante pode ser obtida ao olharmos a saúde. Embora os gastos fossem menos concentrados nos ricos do que no caso do ensino superior, também aí os pobres acabam tendo pouco acesso ao dinheiro. Exemplos: 53% dos pacientes das clínicas do SUS vêm de famílias pertencentes aos 20% mais ricos, contra apenas 2% dos 20% mais pobres. No caso dos hospitais do SUS, esses números são respectivamente, 45% dos 20% mais ricos e 8% dos 20% mais pobres.
A conclusão, a partir de uma série de números é simples, no governo FHC o dinheiro dos chamados “gastos sociais” simplesmente não atingiu os pobres. Ele foi capturado por pessoas relativamente ricas para o padrão brasileiro.
Fonte da pesquisa:
A era FHC um Balanço.
Wikipédia.