Não casualmente, o atual projeto de lei do Executivo que penaliza pais que batem em seus filhos gerou amplas controvérsias. As reações vieram de toda parte, principalmente das famílias conservadoras de todo gênero e classe social que acreditam, ainda, na lógica da violência como estratégia de educar seus rebentos. A maioria destas vêm usando de mil e um subterfúgios para legitimar a velha prática brasileira de maltratar seus filhos em nome da ‘boa educação’.
Está-se longe da ótica da delicadeza, cantada em prosa e verso, pelos poetas populares da mais recente modernidade do país, desenvolvida a partir da década de 1960. Este modo de ver o problema jamais alcançou a todos e, hoje, parece ter submergido, como um artefato considerado ultrapassado pelos adeptos da barbárie de sempre. A idéia de usar a palavra e o entendimento mútuo, no lugar da força, no processo educacional familiar, vem perdendo espaço frente ao forte conservadorismo social do tempo presente.
Os que reclamam que a violência verbal foi excluída estão parcialmente certos. Contudo, os que assim se postam, também estão em uma posição desfavorável, por várias razões. Isto porque, comumente, a violência verbal é a porta de entrada na ação direta, onde os fortes torturam os fracos. É difícil separar uma coisa da outra. O constrangimento que começa no verbo acaba de algum modo chegando a algum dano físico, por mais que ele seja escamoteado ou negado.
Estão certos os poucos que lembram que o problema não pode ser resolvido integralmente pelo edifício jurídico nacional. Existe uma forte diferença entre a letra da lei e a prática da mesma. O diploma legal pode ser rejeitado pelo tecido social ou aplicado pelo Estado de modo equivocado. Tudo isto é verdade. Tem-se o exemplo da lei Maria da Penha que não tem impedido crimes rumorosos, cometidos contra as mulheres brasileiras. Todavia, um dos seus méritos foi o de fixar o clamor dos que não acham nada natural e aceitável a violência contra o segundo sexo. Outro, mais importante, foi o de dar às mulheres vítimas da violência androcêntrica um mecanismo de defesa, mesmo que imperfeito e incompleto.
A existência de leis que penalizem os crimes de ódio social é sempre algo a ser comemorado. Tem-se, no Brasil, uma das mais radicais leis antiracistas do mundo. Alguns poderão dizer com razão, que elas não eliminaram o racismo do cenário nacional. Todavia, constata-se que no plano público o racismo está acuado. As leis, quando são progressistas, têm um forte impacto, mesmo que a sociedade seja reativa e tente impedir que elas sejam lembradas e aplicadas. Não é por acaso que os regimes autoritários são igualmente os que desenvolvem mecanismos legais ultraconservadores, para destruir direitos democráticos e impor a lógica do poder.
Presentemente, os racistas têm enorme dificuldade de se manifestar fora do âmbito privado. Em um exemplo, não se encontram mais nos jornais os anúncios de emprego que pediam pessoas de ‘boa aparência’, isto é, brancas. As forças vivas antiracistas brasileiras podem se apoiar nas leis para exigir direitos e mudanças. O mesmo expediente, aplicado à questão do direito das crianças a não-violência, consistiria em um instrumento a mais na luta pela modernização das relações entre pais e filhos. Na mesma direção, espera-se para breve, a lei sobre a alienação parental.
O Brasil é tributário de um passado escravista colonial. Nele, a tortura do escravo ‘organizava’ a vida social. A família senhorial não dava direitos humanos expressivos às mulheres e aos filhos. Os jesuítas, primeiros organizadores de nossos sistemas educacionais, defendiam a idéia de que com ‘sangue a letra entra’, isto é, a educação de crianças e adolescentes deveria ser acompanhada pela palmatória e muitas outras sevícias. A tortura na sala de aula foi sendo progressivamente abandonada e fortemente criticada pelos modernos educadores do país, a partir da década de 1930. Infelizmente, volta e meia, o país é confrontado com a existência contemporânea de traços deste passado.
A instituição familiar no Brasil é relativamente nova e se embriagou nas tradições sociais, religiosas e políticas da formação histórica nacional. Bater nos filhos foi visto, durante muito tempo, como algo normal, desde que o assassinato não se consumasse. Não é difícil explicar a reação dos que defendem este tipo odioso de educação. Normalmente, foram vítimas dela e na idade adulta a reproduzem com beligerância. Têm como certo que é isto o que forma homens e mulheres de verdade. Acham que os filhos são uma espécie de propriedade e que ninguém deve dar palpite no modo usado por eles para educá-los.
Nem todos os que foram brutalizados na infância se transformam em pessoas violentas e perigosas. O resultado pode ser outro. O castigo físico imposto às crianças, além de provocar possíveis danos físicos, acarretam danos psicológicos, levando, por exemplo, ao aparecimento de adultos inseguros e incapazes de construírem suas próprias vidas. Os violentos e os inseguros serão conduzidos a defender idéias conservadoras e a reproduzir a educação que tiveram. Este processo é possível de ser interrompido. Existem os que sofreram violências e as repudiam, criticando seus algozes.
Estudos relativamente recentes mostram a ligação bem nítida entre os problemas sociais e um tipo de educação violenta e castradora da humanidade de cada criança. Ao contrário de serem capazes de interpretar o mundo em que vivem, os reprimidos na infância podem se tornar incapazes de compreender a si próprios e ao entorno social. Isto não ocorre obrigatoriamente. Entretanto, o fato acontece freqüentemente. É fácil de se vê-lo nos casos dos adultos que defendem posições absurdas, porque se trata idéias e práticas que lhes trazem inúmeros prejuízos.
*Luís Carlos Lopes é professor e escritor
Matéria publicada por Leda Ribeiro (Colaboradora do Blog)
Sou de uma época em que alguns professores batiam nos alunos, apoiados pelos pais ,que pediam que os colocassem de castigo, dessem puxões de orelha, deixassem sem recreio, etc., imaginando que assim, aprenderiam melhor. E os "mestres" (nem todos) cumpriam esse triste papel. Ignorância recíproca total. Sequer imaginavam o que poderia ficar introjetado nas mentes infantis. Porém, nem todos agiam assim. Nem pais e nem professores. Por aí se vê as diferentes visões que se tem sobre o complexo assunto. Pessoalmente e na condição de educadora, acho inadmissível qualquer tipo de coação física ou psicológica para "educar" alguém. Algumas pessoas falam na "palmada que educa"(parece que até existe um livro com este título). A meu ver, palmada não educa ninguém. Amedronta, isso sim. Bloqueios na aprendizagem muitas vezes vêm daí. Normalmente a criança fica dispersa, com a capacidade de concentração inibida, porque, ao invés do diálogo, altamente educativo, lhe foi aplicado o castigo físico e psicoclógico. Na maioria dos casos a criança irá reproduzir esta violência na sociedade. Conheço várias pessoas, já adultas, que nutrem verdadeiro ódio pelos professores que as castigavam. Outras riem e acham que naquela época é que era bom. Daí para agressões mais violentas, é um pulo. Basta um olhar mais atento no que vem acontecendo na sociedade atual. Tanto a educação repressiva quanto a permissiva são danosas para os educandos. Buscar um ponto de equilíbrio, em cada caso específico, é, a meu ver, a solução. Quem leu a Inteligência Emocional, do Goleman, sabe disso. Trata-se de um livro que deve ser estudado porque ajuda muito os educadores a cumprirem sua difícil função.
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