O jantar anual da associação dos correspondentes estrangeiros em Washington é uma oportunidade para políticos locais dizerem coisas que normalmente não diriam e rirem de si mesmos.
Começando pelo presidente da República, que é sempre convidado a falar e sempre fala no tom autodepreciativo que se espera de um cara legal, gente como a gente.
Num desses jantares mostraram um clip, especialmente gravado para a ocasião, do George Bush no gabinete da Presidência olhando dentro de gavetas, atrás das cortinas e embaixo dos móveis e dizendo: “Aquelas armas de destruição em massa têm que estar em algum lugar...”
Seria mais engraçado se a invasão do Iraque ordenada por Bush, motivada pelas armas de destruição em massa que não estavam lá, já não tivesse matado alguns milhares de pessoas. No mesmo jantar, Bush fez outra piada tática.
Falou da elite econômica americana, dos milionários e dos arrogantes barões de Wall Street, “que vocês chamam de gatos gordos e insensíveis e eu chamo de... meu eleitorado”. Risos. Palmas. O cinismo faz muito sucesso nos tais jantares.
Bush não decepcionou seu eleitorado. Foi fiel à tese de que deixando os gatos gordos se lambuzarem com concessões e privilégios, como cortes dos seus impostos e pouco controle dos seus excessos, algum benefício escorreria para a maioria.
A famosa trickle-down economics da era Reagan ainda perdura, e Bush tornou o melado ainda mais doce para os ricos. Essa briga entre os republicanos e o Barack Obama sobre elevar ou não o teto para o endividamento americano e como fazer para diminuir o déficit nacional é — ou era, imagino que já tenha se resolvido, ou dado empate — entre o legado de Bush e a mínima ação do Obama de defender o seu eleitorado do poder da ganância.
Um lado quer diminuir o déficit cortando gastos sociais e mantendo intocados os privilégios dos ricos, o outro quer manter os gastos sociais e taxar mais os ricos.
O Obama não está sendo, no governo, exatamente o que seu eleitorado esperava. Compreende-se, tem que ser mais flexível do que coerente para lidar com um Congresso hostil e cuidar da sua sobrevivência, não só política mas — a julgar pela retórica cada vez mais furiosa da direita contra ele — física também.
Mas na questão de quem deve pagar pelo déficit nenhuma flexibilidade era possível. Tratava-se de escolher entre leite para crianças e mais lucro para banqueiros, Fada Boa contra Fada Má.
Mas estou escrevendo antes do desfecho da briga, não sei se o Baraca cedeu. As Fadas Boas andam em recesso no mundo todo.
Luís Fernando Veríssimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário