A Jogada da Copa
Por que deveríamos confiar agora em quem não foi confiável no passado e segue não sendo?
Seis meses depois dos protestos que tomaram inúmeras cidades
brasileiras, decantadas as insatisfações apresentadas pelos
manifestantes e as múltiplas soluções aventadas por todos os atores
políticos para a estranha crise que se formou, temos um quadro bem
claro. A maioria da população quer mudanças no país, mas prefere que
elas sejam conduzidas por Dilma e não pela oposição. A presidenta lidera
em todas as sondagens de intenção de voto.
Falta muito tempo até as eleições, certamente, e já assistimos a
oscilações espetaculares de intenção de voto nos pleitos anteriores,
inclusive candidaturas que “atropelaram” na reta final e venceram. Tudo
pode acontecer, portanto, até que se proclamem os resultados. Mas, até
segunda ordem, quem lidera é Dilma. A soma dos votos de seus adversários
não supera os votos da candidata governista e tudo indica que a eleição
será definida já no primeiro turno.
Sim, mas há um outro roteiro possível para este ano. Nele, as massas
sairiam novamente às ruas em junho, em plena Copa do Mundo, e causariam
tal transtorno à competição que seria impossível ignorá-las. A mídia
mundial distribuiria a todo o globo imagens de multidões pedindo
reformas, de black blocs destruindo seus alvos habituais e das polícias
reprimindo com a cortesia conhecida.
As cenas passariam a impressão de um país sem governo e de um governo
sem legitimidade – impressões absolutamente falsas. Mas o que é mesmo a
verdade, nessas coisas da mídia e da enunciação de seus conteúdos?
Um governo “ilegítimo”, pressionado externamente, ficaria acuado também
pelos adversários internos. Estes amplificariam ao máximo possível os
protestos e tentariam conduzir a sua pauta, exatamente como fizeram em
2013. Para criar um clima de megacrise, que nenhum ponto de contato tem
com o real. Mas o que é exatamente o real, quando se tem o controle do
que a mídia diz sobre ele?
Quem sabe se, em meio ao eventual fiasco da Copa – corre-corre e
pancadaria nas imediações dos estádios, os inevitáveis problemas
organizativos amplificados ao extremo, as queixas e angústias dos
turistas constrangidos pelo clima de guerra política no Brasil e, prêmio
final, uma boa derrota da seleção nacional -, os eleitores não
embarquem na ideia de jogar toda a culpa em Dilma? Quem sabe não
escolham na urna uma alternativa de oposição?
Acumulam-se as evidências de que setores conservadores, descrentes de
sua capacidade de sedução do eleitorado pelas vias convencionais,
cogitam se lançar na aventura catastrofista da Copa. Pretendem que o
maior evento já realizado no país fracasse espetacularmente, para o
máximo constrangimento e desgaste do governo atual. Acham que colherão
os louros dessa ação de lesa-pátria.
É simplesmente doentia a ideia de que, para conquistar o poder de
“consertar” o país, alguém considere aceitável que a nossa imagem
internacional seja destruída. Que o Brasil seja penalizado por décadas,
pela “incapacidade” de realizar grandes eventos internacionais. E que
isso aconteça fundamentado em mentira e manipulação da opinião pública.
Mas, infelizmente, a possibilidade é bastante concreta. Daqui até junho,
provavelmente veremos novas convocatórias para que as massas voltem às
ruas e façam manifestações “espontâneas”. Assistiremos à incitação
explícita de atos destinados à desestabilização do governo. “Não vai ter
Copa!”, bradarão outra vez os carbonários – com todas as câmeras e
microfones à sua disposição.
Dias atrás, na primeira vez em que externei essa preocupação, recebi o
previsível fogo de barragem. Disseram que é paranóia minha, exagero. Que
as convicções democráticas da oposição e de sua mídia são
inquestionáveis. E que a eleição transcorrerá dentro das regras, sem
tentativas de tapetão.
Será mesmo? O pré-golpe de 1964, em que muitos não acreditavam que a
legalidade fosse demolida, talvez nos ensine melhor sobre os métodos do
conservadorismo para tomar o poder. E sobre como ele é campeão em
destruir a democracia, para “salvá-la” da ameaça dos governos populares.
Por que deveríamos confiar agora em quem não foi confiável no passado e segue não sendo?
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