quinta-feira, 8 de julho de 2010

Os três erros de Dilma

A confusão em torno do programa de governo de Dilma Rousseff é o primeiro grande erro de sua campanha. Nisso todos concordam. O que certamente divide as opiniões é saber onde está o erro. No envio de um documento errado? No recuo ante a pressão midiática? Na incapacidade de prever essa pressão? Trata-se de um erro eleitoral, político ou ideológico? Por falar nisso, há diferença entre os três?

Bem, respondo primeiramente a última pergunta. Sim, há diferença. Um erro eleitoral acontece quando um candidato, mesmo bem intencionado, comete um deslize que afeta sua imagem e consequentemente suas intenções de voto, ainda que não tendo feito nada de errado em termos políticos. Um exemplo disso foram as manifestações de destempero emocional de Ciro Gomes em 2002, que mataram sua candidatura.

Um erro político ocorre quando se maltrata um aliado ou não se consegue evitar que um conflito partidário venha a público. Exemplo: a comédia de Serra em busca do vice sagrado.

O erro ideológico nasce de uma visão radicalizada de mundo. A extinção do PSTU, que não conseguiu eleger sequer um vereador em todo país, é o melhor exemplo.

O episódio do programa de governo enviado, reenviado e agora transreenviado, em minha humilíssima opinião, foi um erro nas três dimensões: eleitoral, política e ideológica.

Não acredito que a petista vá perder a eleição por causa disso. Mas é importante transformar a identificação de um erro numa oportunidade para refletirmos. Afinal, não se trata apenas da vitória de Dilma; há uma luta ideológica em curso, que irá prosseguir após as eleições; há também eleições regionais, para o senado e para a câmara. Faltam 86 dias para o pleito. Qualquer erro agora pode ser fatal. Que este seja o último erro, ou pelo menos o último erro grave da campanha de Dilma.

Analisemos o erro pelos três ângulos mencionados:
  1. Erro eleitoral. A blogosfera e o twitter estão cheios de ataques pesados à Dilma Rousseff por ter enviado um texto dito "radical" para o TSE. O maior prejuízo, porém, não é nem esse, e sim a demonstração de tibieza, para uns; de radicalismo, para outros; de desorganização, para todos. Serra fez pior? Fez, registrou duas falas sua como "programa de governo", mas o tucano é intocável e tem muito mais liberdade. Dilma não. Dilma não pode errar.

    Solução: Não tem. É pedir desculpas e aguentar as pancadas. Forçando um pouco a barra, pode-se até enxergar um aspecto positivo. A mídia ganhou um osso para mordiscar. Como não se trata de um erro capaz de alterar votos, apenas mexe com os brios dos segmentos mais reacionários da imprensa, é bom que lhes ocupa mentes e corações, as quais poderiam, de outra maneira, estar à cata de problemas maiores.

  2. Erro político. O PT desrespeitou seus aliados. O petismo tem que se esforçar mais para evitar a arrogância e o salto alto. Suas idéias não representam o néctar dos deuses. É muito fácil elaborar teses, o difícil é resolver os problemas práticos do país e do mundo. O lulismo significou um tratamento de choque de bom senso na intelectualidade de esquerda, que deve ter a humildade de continuar no mesmo caminho, perseguindo o desenvolvimento e a justiça social com pragmatismo. Os pobres querem ver resultados.

    Solução: Tem. Tratar melhor seus aliados. Conter o salto alto. Não pretender ter a última palavra para tudo. A política, assim como a filosofia, é construída dialeticamente, através de um elaborado e longo processo de avanços e recuos, troca de idéias, aperfeiçoamento constante. Nem sempre a idéia mais "socialista" é a forma mais eficaz de se fazer justiça social. No caso da reforma agrária, o maior avanço obtido pelo governo Lula foi alcançado através do aumento dos recursos destinados à agricultura familiar. O pequeno agricultor não quer soluções mirabolantes idealizadas por militantes eufóricos: quer financiamento a juro baixo, seguro rural, preço mínimo, assistência técnica, e boas estradas.

  3. Erro ideológico. Esse é o ponto mais delicado. O recuo de Dilma decerto provocou nova onda de desencantados. Encontrei ecos disso em artigo publicado hoje por Carlos Chagas. Alguns radicalismos soam um pouco como vingança do PT pré-Lula. A questão da mídia, por exemplo, embute um problema sério, mas é bobagem resolvê-lo a base de canetadas. Não adianta dar uma de Xerxes e mandar açoitar o oceano. Invista-se em banda larga de qualidade e custo baixo, só isso. Pronto. Acaba o monopólio da mídia corporativa sobre a opinião pública. Comprar briga com a mídia apenas a fortalece e a faz se aproximar da oposição. Sempre haverá grandes grupos de mídia. É uma realidade do capitalismo global. Na TV aberta, por exemplo, basta continuar incentivando o desenvolvimento dos outros canais e investir numa tv pública de melhor qualidade. Para que ficar falando em "controle social" da mídia? Minha conta 3G Claro (internet banda larga sem fio) ficou em 650 reais, porque baixei alguns filmes para um trabalho que estou fazendo. Ainda não pude pagar, e cortaram. Estou usando o 3G da minha mulher. Está tudo bem, a produtora que me contratou vai me dar o dinheiro; mas agora eu tenho uma idéia nítida, dolorosa, do quão absurdamente cara é a banda larga no país. Mudar isso é a prioridade.

    Solução: Tem solução. Já está em curso. Registrar outro documento no TSE, mais trabalhado. Evitar o radicalismo e apostar na inteligência e no bom senso dos brasileiros. O Brasil quer justiça social, quer reforma agrária, quer uma melhor comunicação pública. Quer ver esses problemas resolvidos na prática, porém, e não transformados em guerrinha acadêmica entre a esquerda e a mídia.
Em suma, o grande erro da campanha de Dilma foi não ter elaborado um documento definitivo, uma proposta de governo tranquila, consensual, em linha com os partidos aliados, com ênfase no desenvolvimento econômico e na redução da pobreza, deixando as polêmicas para serem debatidas no seu lugar de direito: o futuro Congresso Nacional.


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