sábado, 16 de outubro de 2010
Nas últimas semanas, o Brasil, especialmente a partir do dia três de outubro está vivendo um clima de tragédia grega, transformando a primavera comumente conhecida como um festivo de final de Big Brother Brasil, numa narrativa épica. Dentre os personagens que se destaca está Marina Silva, acriana, analfabeta até a sua adolescência que, pela mão generosa do destino se transformou numa espécie de “jóia da coroa”. Mas o que fez Marina para merecer tamanha honra de mudar o rumo da história, escolhendo qual lado vai ficar? É inegável o peso depositado em suas mãos, nos próximos dias, mas é inegável, também, que nem tudo depende dela e, sim, das circunstâncias que mudam dia após dia, como sabemos. A história é implacável e não permite erros de cálculo, muito menos de percepção. Ao lembrarmos de onde surgiu Marina, criamos uma alternativa de colocar a questão em seu devido lugar. No caso de conseguimos entender o que podemos esperar dessa frágil criatura humana, tanto melhor; e se por alguma razão esta se ver diante da mesma questão, o alerta provará que o velho ditado popular, “o que é do homem o bicho não come”, é verdadeiro. Veremos!!!
Qual o maior patrimônio político de Marina Silva, candidata derrotada (?) na eleição do primeiro turno de 2010? Segundo ela mesma (que sempre fez questão de sublinhar), é o seu convívio com Chico Mendes, líder seringueiro, assassinado em dezembro de 1988. Paradoxalmente, ele caiu numa tocaia pouco depois de o Brasil ter votado à sua nova Constituição, precedida de um grande debate, Nacional, o que permitiria entrarmos no século XXI sem o atraso do qual era refém. A primeira aparição de Chico Mendes, para nós que vivemos no sul do país, aconteceu num Encontro Nacional da CUT, naquele mesmo ano. Foi ali que conhecemos o líder sindical que nos foi apresentado por Clara Ant, na oportunidade, além de outras atividades, era diretora do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo. Chico Mendes pretendia conhecer todos os seguimentos profissionais, e esta apresentação tinha como objetivo a aproximação com os artistas que, na oportunidade, não tinha a mesma força do início da década. Mesmo assim, na rápida conversa que tivemos deu para perceber que Mendes possuía plena convicção de sua força e procurava ampliá-la a respeito do homem, como sendo o centro do Universo. Pena que o conteúdo dessas denúncias, só veio a ter visibilidade, após o seu assassinato. Ele trouxe àquele Encontro um documento, intitulado União dos Povos da Floresta, o qual foi discutido e aprovado. Nele, ele defendia a união de seringueiros, indígenas, e a população trabalhadora da Região Amazônica. Não me recordo de ter visto Marina neste encontro, mas não é difícil imaginar a sua importância nesse contexto, pois ela já havia passado por uma eleição visando a Constituinte, dois anos antes (sem sucesso) e, naquele momento, lutava para ocupar uma vaga na câmara municipal de Rio Branco, capital do estado do Acre. Dessa vez, Marina foi eleita, em novembro daquele mesmo ano, poucas semanas antes da violência contra o seu líder, Chico Mendes. Não tenho nenhuma dúvida de que tanto o prestígio como e a clareza desse grande líder foi fundamental para garantir a sua eleição, naquele pleito. Também não tenho dúvidas que o confronto proposto pelo líder seringueiro, tinha como objetivo desafiar os poderosos reunidos em torno da UDR, até porque foram eles que subsidiaram a sua morte, semanas depois. As questões ambientais entre nós, até meados de 88 (há 24 anos, portanto) eram conhecidas não mais como um exercício de liberdade, praticado pelo Partido Verde, na Alemanha, ou através de notícias vagas a respeito do Greenpeace, no combate da caça ás baleias. Foi Chico Mendes, ainda, quem superou todas as contradições entre a luta social e a luta pela proteção da floresta e do planeta. Ele utilizou a questão ambiental para impulsionar a luta social, e não o contrário. Muito diferente, portanto, do que pregam todos os líderes dos verdes, hoje, sem distinção.
Na atualidade, outubro de 2010, Marina Silva tem dois caminhos a seguir: um social, ao lado da camada da população que começa a experimentar perspectivas de uma vida melhor, ou uma aliança justamente com os principais adversários de Chico Mendes, que misturam a conservação da floresta e do meio ambiente com a conservação de privilégios, que não nos deixam entrar com vigor e alegria no que os próprios “verdes” anunciam como Futuro. Imagino que esta não seja lá uma decisão muito fácil, pois é de se esperar que não tenha esquecido de sua origem humilde, e também como a sua luta política teve início. Juntamente com o impasse dessa acriana, que repentinamente se tornou a “jóia da Coroa” assistimos uma outra mulher passando de uma das vítimas da ditadura, para uma criminosa através de uma campanha vil e covarde, aonde se vê mecanismos de infâmia desde os mais arcaicos sendo utilizados, como a condenação daqueles que não tem fé, até o uso de instrumentos mais modernos como a disseminação virtual de e-mail’s, a exemplo do tal Emílio Canalha. Permeando isso tudo setores da imprensa agem, não como um retrato crítico e independente da sociedade, mas fazendo parte dessa engrenagem sórdida e de interesses econômicos explícitos e inequívocos. Esta perseguição não é muito diferente, daquela sofrida por Chico Mendes. A diferença é que neste caso, a conhecemos após a sua morte. Por esta razão, é sempre bom lembrar, e Marina sabe disso, que numa de suas prisões (antes 79) ele foi torturado por seus opositores, em Xapuri. Chico Mendes lutou, bravamente, para processar seus algozes após a Anistia, mas a Justiça não lhe deu ganho de causa.
Penso ser difícil afirmar de que lado estaria hoje personagens, como Chico Mendes, Vladimir Herzog e Aurora, até porque todos estão mortos, e isso é o que temos a lamentar. Podemos afirmar se eles estivessem vivos, com certeza, o mundo seria muito melhor. Mas quem foi Aurora? Ela é a terceira personagem, vítima de um mundo em transformação (Aurora Maria Nascimento Furtado - nascida em 13/6/1946, e morta em 10/11/1972, no Rio de Janeiro). Foi uma mulher, igualmente filha da classe média e que, igualmente jovem, escolheu lutar para libertar o seu povo. Aurora, da mesma forma ingressou na luta clandestina contra o regime militar. Quando presa durante um confronto contra as forças de segurança, foi levada às pressas para os porões da Ditadura e lá lhe aplicaram um instrumento, monstruoso, conhecido como “Coroa de Cristo”. Consistia num torniquete redondo, que colocado em sua cabeça com vários parafusos atarraxados iam sendo apertados, na medida em que ela resistia ao interrogatório. A ação dos torturadores tinha como objetivo, arrancar dela o mais rápido possível, informações de onde se encontravam seus companheiros, antes que estes apagassem provas e que outros parceiros pudessem fugir de um cerco. Aurora, como conseqüência, morreu com o cérebro esmagado e o que sobrou dela, além da dor dos amigos e familiares foi uma foto em branco e preto, desfocada. Além desse macabro intento (arrancar confissão á força), os órgãos de repressão pretendiam semear o terror, e conseguiram. A partir daí qualquer preso, em poder dos órgãos de repressão, poderia ser supliciado dessa mesma forma. O que se sabe (felizmente), é que este tormento não voltou a ser utilizado até o final do Regime (1979), quando justamente Marina começou a sua vida sindical, e o Brasil entrava em nova etapa histórica, dessa vez com a Anistia.
Esperamos que ela, Marina Silva, possa lembrar que tem, sim, uma grande responsabilidade em suas mãos e que, por isso, não poderá titubear - a história não lhe dará duas chances. A senadora deve saber que os subterrâneos da luta política não vêm a público, salvo para desqualificar os seus personagens. Ela há de pensar em Chico Mendes, seu tutor, e talvez também em Aurora. Não poderá esquecer que a História foi escrita, não por santos, mas por homens e mulheres, entre estes, os milhares que deram sua própria vida por um mundo melhor e mais humano.
Jair Alves - dramaturgo - São Paulo
www.torturanuncamais-rj.org.br/MDDetalhes.asp?CodMortosDesaparecidos=109
Qual o maior patrimônio político de Marina Silva, candidata derrotada (?) na eleição do primeiro turno de 2010? Segundo ela mesma (que sempre fez questão de sublinhar), é o seu convívio com Chico Mendes, líder seringueiro, assassinado em dezembro de 1988. Paradoxalmente, ele caiu numa tocaia pouco depois de o Brasil ter votado à sua nova Constituição, precedida de um grande debate, Nacional, o que permitiria entrarmos no século XXI sem o atraso do qual era refém. A primeira aparição de Chico Mendes, para nós que vivemos no sul do país, aconteceu num Encontro Nacional da CUT, naquele mesmo ano. Foi ali que conhecemos o líder sindical que nos foi apresentado por Clara Ant, na oportunidade, além de outras atividades, era diretora do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo. Chico Mendes pretendia conhecer todos os seguimentos profissionais, e esta apresentação tinha como objetivo a aproximação com os artistas que, na oportunidade, não tinha a mesma força do início da década. Mesmo assim, na rápida conversa que tivemos deu para perceber que Mendes possuía plena convicção de sua força e procurava ampliá-la a respeito do homem, como sendo o centro do Universo. Pena que o conteúdo dessas denúncias, só veio a ter visibilidade, após o seu assassinato. Ele trouxe àquele Encontro um documento, intitulado União dos Povos da Floresta, o qual foi discutido e aprovado. Nele, ele defendia a união de seringueiros, indígenas, e a população trabalhadora da Região Amazônica. Não me recordo de ter visto Marina neste encontro, mas não é difícil imaginar a sua importância nesse contexto, pois ela já havia passado por uma eleição visando a Constituinte, dois anos antes (sem sucesso) e, naquele momento, lutava para ocupar uma vaga na câmara municipal de Rio Branco, capital do estado do Acre. Dessa vez, Marina foi eleita, em novembro daquele mesmo ano, poucas semanas antes da violência contra o seu líder, Chico Mendes. Não tenho nenhuma dúvida de que tanto o prestígio como e a clareza desse grande líder foi fundamental para garantir a sua eleição, naquele pleito. Também não tenho dúvidas que o confronto proposto pelo líder seringueiro, tinha como objetivo desafiar os poderosos reunidos em torno da UDR, até porque foram eles que subsidiaram a sua morte, semanas depois. As questões ambientais entre nós, até meados de 88 (há 24 anos, portanto) eram conhecidas não mais como um exercício de liberdade, praticado pelo Partido Verde, na Alemanha, ou através de notícias vagas a respeito do Greenpeace, no combate da caça ás baleias. Foi Chico Mendes, ainda, quem superou todas as contradições entre a luta social e a luta pela proteção da floresta e do planeta. Ele utilizou a questão ambiental para impulsionar a luta social, e não o contrário. Muito diferente, portanto, do que pregam todos os líderes dos verdes, hoje, sem distinção.
Na atualidade, outubro de 2010, Marina Silva tem dois caminhos a seguir: um social, ao lado da camada da população que começa a experimentar perspectivas de uma vida melhor, ou uma aliança justamente com os principais adversários de Chico Mendes, que misturam a conservação da floresta e do meio ambiente com a conservação de privilégios, que não nos deixam entrar com vigor e alegria no que os próprios “verdes” anunciam como Futuro. Imagino que esta não seja lá uma decisão muito fácil, pois é de se esperar que não tenha esquecido de sua origem humilde, e também como a sua luta política teve início. Juntamente com o impasse dessa acriana, que repentinamente se tornou a “jóia da Coroa” assistimos uma outra mulher passando de uma das vítimas da ditadura, para uma criminosa através de uma campanha vil e covarde, aonde se vê mecanismos de infâmia desde os mais arcaicos sendo utilizados, como a condenação daqueles que não tem fé, até o uso de instrumentos mais modernos como a disseminação virtual de e-mail’s, a exemplo do tal Emílio Canalha. Permeando isso tudo setores da imprensa agem, não como um retrato crítico e independente da sociedade, mas fazendo parte dessa engrenagem sórdida e de interesses econômicos explícitos e inequívocos. Esta perseguição não é muito diferente, daquela sofrida por Chico Mendes. A diferença é que neste caso, a conhecemos após a sua morte. Por esta razão, é sempre bom lembrar, e Marina sabe disso, que numa de suas prisões (antes 79) ele foi torturado por seus opositores, em Xapuri. Chico Mendes lutou, bravamente, para processar seus algozes após a Anistia, mas a Justiça não lhe deu ganho de causa.
Penso ser difícil afirmar de que lado estaria hoje personagens, como Chico Mendes, Vladimir Herzog e Aurora, até porque todos estão mortos, e isso é o que temos a lamentar. Podemos afirmar se eles estivessem vivos, com certeza, o mundo seria muito melhor. Mas quem foi Aurora? Ela é a terceira personagem, vítima de um mundo em transformação (Aurora Maria Nascimento Furtado - nascida em 13/6/1946, e morta em 10/11/1972, no Rio de Janeiro). Foi uma mulher, igualmente filha da classe média e que, igualmente jovem, escolheu lutar para libertar o seu povo. Aurora, da mesma forma ingressou na luta clandestina contra o regime militar. Quando presa durante um confronto contra as forças de segurança, foi levada às pressas para os porões da Ditadura e lá lhe aplicaram um instrumento, monstruoso, conhecido como “Coroa de Cristo”. Consistia num torniquete redondo, que colocado em sua cabeça com vários parafusos atarraxados iam sendo apertados, na medida em que ela resistia ao interrogatório. A ação dos torturadores tinha como objetivo, arrancar dela o mais rápido possível, informações de onde se encontravam seus companheiros, antes que estes apagassem provas e que outros parceiros pudessem fugir de um cerco. Aurora, como conseqüência, morreu com o cérebro esmagado e o que sobrou dela, além da dor dos amigos e familiares foi uma foto em branco e preto, desfocada. Além desse macabro intento (arrancar confissão á força), os órgãos de repressão pretendiam semear o terror, e conseguiram. A partir daí qualquer preso, em poder dos órgãos de repressão, poderia ser supliciado dessa mesma forma. O que se sabe (felizmente), é que este tormento não voltou a ser utilizado até o final do Regime (1979), quando justamente Marina começou a sua vida sindical, e o Brasil entrava em nova etapa histórica, dessa vez com a Anistia.
Esperamos que ela, Marina Silva, possa lembrar que tem, sim, uma grande responsabilidade em suas mãos e que, por isso, não poderá titubear - a história não lhe dará duas chances. A senadora deve saber que os subterrâneos da luta política não vêm a público, salvo para desqualificar os seus personagens. Ela há de pensar em Chico Mendes, seu tutor, e talvez também em Aurora. Não poderá esquecer que a História foi escrita, não por santos, mas por homens e mulheres, entre estes, os milhares que deram sua própria vida por um mundo melhor e mais humano.
Jair Alves - dramaturgo - São Paulo
www.torturanuncamais-rj.org.br/MDDetalhes.asp?CodMortosDesaparecidos=109
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