Desmentida por José Serra, Sheila reafirma que mulher dele fez aborto
POR CHRISTINA NASCIMENTO
Santa Catarina – A coreógrafa Sheila Canevacci Ribeiro, 38 anos, ex-aluna de Monica Serra no curso de Dança na Unicamp, em Campinas (SP), ficou impressionada com a repercussão que seu relato no Facebook atingiu e reagiu contra nota oficial da campanha de José Serra a desmentindo ao afirmar que a esposa dele “nunca fez um aborto”.
“Reafirmo cada palavra. Só fiz um relato de uma pessoa que percebeu uma incongruência e fez uma reflexão”, disse Sheila, que publicou o testemunho na Internet depois de ver Serra se esquivando do assunto aborto no debate da Band (no dia 10 de outubro).
“Isso chocou tanto os brasileiros que os petistas me acusam de ser uma armação do PSDB e as pessoas do PSDB ficam falando que eu sou da campanha suja de boatos do PT. Acho isso muito interessante porque as pessoas não botam fé, não acreditam que uma simples cidadã possa se manifestar porque viu um debate”, afirmou. “Também achei interessante porque me procuraram para falar que ganhei dinheiro. Não sei se dá vontade de rir ou de chorar, mas comecei a brincar com meus amigos e falar que não ganhei, mas deveria ganhar. Sabe de quem? Do governo federal. Sabe por quê? Pela minha espontaneidade e com a maneira de fazer política cidadã no cotidiano tranquilamente. Fiz uma educação nacional do que é praticar a cidadania”, completou Sheila, que é filha de socióloga, foi aluna da mulher de Serra em 1992 e é casada com o respeitado antropólogo Mássimo Canevacci.
Procurada ontem pela equipe de O DIA para comentar o testemunho de Sheila, a assessoria de Serra não retornou as ligações.
‘É muito fácil declarar alguns valores que o mundo acha corretos’
Professor da Universidade La Sapienza, em Roma, e docente convidado da Federal de Santa Catarina, o antropólogo Massimo Canevacci, pensador reconhecido internacionalmente, conversou com O DIA sobre as repercussões da revelação feita por sua mulher. Leia abaixo a íntegra da entrevista:
O DIA: Professor, porque o susto das pessoas, ao ponto de falarem sobre mudança de rumo eleitoral, com as declarações da sua esposa?
Massimo Canevacci: Em primeiro lugar, acho que o tipo de política tradicional, que você pode dizer até conservadora, tem uma diferença fundamental entre os valores declarados e os valores praticados. Essa dicotomia, que é baseada sob uma forma política, que crer e reproduz um sistema de hipocrisia, porque é muito fácil declarar alguns valores que mais ou menos todo mundo (ou uma parte do mundo e do Brasil) acha correto, depois fazer exatamento o contrário.
Essa maneira que é um clássico do estudo da Antropologia (a diferença entre valores declarados e valores praticados), acho que é o elemento que criou a revolta da Sheila. A gente estava escutando muito tranquilamente a programação televisiva, que era uma pouco violenta, que não era muito interessante, ou era interessante porque tinha um pouco mais de agressividade, quando a Dilma fez pergunta a Serra que a mulher dele, a Mônica Serra, falou que ela era uma mulher que queria matar criancinha, a Sheila abriu o corpo inteiro: olho, orelha, boca. Sheila ficou em silêncio, não falou nada. No dia seguinte (segunda-feira), acordou, escreveu essas coisas no Facebook.
Eu, pessoalmente, me solidarizei totalmente com ela, porque acho que esse tipo de história dela (de uma mulher que foi aluna da Mônica Serra) e, num momento muito importante da universidade, seja para Sheila, mas também para Mônica, porque ela é uma ótima professora. Então, ela ficou muito triste e desmoralizada ouvindo que a sua professora falava uma coisa e, num momento fundamental para a política do Brasil, e também pela ética do Brasil, pelos valores que unificam este país, ela fez exatamente o contrário.
O DIA: Quando o relato veio à tona,na internet, a discussão não era se a Mônica Serra fez ou não o aborto, mas se a Sheila existia. Por que a preocuapação das pessoas era exatamente essa?
MC: Ótima pergunta e que tem diferente níveis de resposta. Vou fazer, primeiramente, um discurso mais sociológico. É que tem uma diferença fundamental de papel. O papel de Mônica Serra é um papel bem determinado, conhecido socialmente. O papel da Sheila é desconhecido socialmente. Então, esse tipo de verticalização cria uma posição de poder onde um lado é aceitado, certo, verdadeiro.
E outro é falso, inexiste, é um tipo de luta midiática. Então, essa é a primeira explicação sociológica, mas que não acho fundamental. O que está acontecendo agora, no Brasil, mas não somente no Brasil, mas no mundo inteiro, é que a comunicação digital, o networking, tem sempre mais um poder de criar um novo tipo de informação. A nova informação dessa networking, tipo Facebook, Twitter, blog e etc, é muito mais horizontal. Então, esse tipo de horizontalização da comunicação, isto é, a comunicação digital, está virando sempre mais determinante também para fazer política.
Eu acho que esse lado é um pouco atrasado do ponto de vista comunicacional, porque era muito fácil descobrir que a Sheila era verdadeira. Só que ao iniciar fazer esse tipo de questionamento, de problematização sobre a identidade, é um tipo de pessoa que não consegue entender que esse networking, que é a comunicação digital, pode ser sempre mais forte. Então, sendo mais forte, a maneira, vamos dizer um pouco conservadora, de responder é “ela não existe”. Não somente não existe Sheila. Não existe a Network, não existe um tipo de comunicação digital que pode ser muito mais horizontal. Eu que decidi, para mim a decisão foi na hora, eu escrevi (num blog que fazia críticas): eu declaro que Sheila existe e que ela é minha esposa. Para mim, é uma coisa muito louca, mas funcionou. Funcionou porque muitos livros meus são traduzidos no Brasil e algumas pessoas me conhecem, então, ela não é somente Sheila Ribeiro. Ela é Sheila Canevacci Ribeiro.
O DIA: Então, essa discussão se ela é fake ou não, é o reflexo de que vivemos numa sociedade hipócrita, que gosta de jogar a sujeira debaixo do tapete?
MC: Em parte, este tipo de sociedade que é hipócrita, é hipócrita e atrasada. Porque não entende que o Network tem uma maneira, uma ética de comunicação que é muito facilmente verificável. Então, essa mistura de hipocrisia, atraso e dificuldade de entender o novo, não olhar a cultura digital, causou esse problema da identidade dela (Sheila), que é uma maneira muito banal de ofender Sheila. De dizer: “Você não existe. Você precisa mostrar que você existe. Preciso da sua carteira de identidade. Da sua fotografia. Mas a fotografia pode ser falsa!”. Então, como se enfrenta essa situação? É uma coisa interessante da relação entre Ciências Sociais e a nova forma da política.
O DIA: Mas se a Sheila tivesse feito este mesmo relato e no lugar de Mônica Serra, tivesse falado que a Dilma fez um aborto, a imprensa ficaria tão preocupada com a confirmação da identidade dela?
MC: Você está brincando! Em alguns jornais, teria aparecido em primeira página, dizendo: “A Sheila, nossa cidadã, linda, maravilhosa, descobriu que a rainha é nua, que a verdade é que Dilma causou um aborto”. Ela seria, na hora, reconhecida, na hora, na hora. Porque cada posicioanamento da impensa é causado de desnívis. O desnível principal era: Sheila desconhecida, Serra está do nosso lado. É a relação clássic a: amigo x inimigo, que é um clássico das ciências politicas. Então, a primeira página, tenho convencimento extremo, que viria com a fotografia da Sheila, dizendo: “Ela é a heróina da nossa democracia”.
O DIA: Por que o brasileiro tem tanta dificuldade em ser autêntico quando o assunto é polêmico?
MC: Isso é um pouco complexo. Acho que a beleza do Brasil, porque para mim a beleza do Brasil é que o brasileiro tem uma identidade, uma cultura, uma subjetividade muito mais fluida, muito mais cruzada que outros países. Então, essa beleza do Brasil, que tem uma identidade mais flexível, mais multipla, mais fluída do que em outros países, cria no brasileiro um outro problema: é como se a beleza da liberdade que cria identidade a identidade múltipla, fluida, pode apavorar um pouco. Pode desejar uma única identidade clara, certa, única, homogênea.
E tudo isso pode criar um tipo de insegurança pela qual, se questiona: “Será que a identidade da Sheila é verdadeira?” Mas também será que minha identidade é verdadeira? Quem sou eu? Porque eu não a identidade, como, sei lá, na Europa, vamos dizer assim. Mas isso não é verdade. Isso é uma fantasia, porque o Brasil é muito mais na frente na Europa na questão da identidade.
Matéria publicada por Leda Ribeiro (Colaboradora do Blog)
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