A ficção do Amaury
Merval Pereira, O Globo
O
livro “Privataria tucana”, da Geração Editorial, de autoria de Amaury
Ribeiro Jr, é um sucesso de propaganda política do chamado marketing
viral, utilizando-se dos novos meios de comunicação e dos blogueiros
chapa-branca para criar um clima de mistério em torno de suas denúncias
supostamente bombásticas, baseadas em “documentos, muitos documentos”,
como definiu um desses blogueiros em uma entrevista com o autor do
livro.
Disseminou-se a idéia de
que a chamada “imprensa tradicional” não deu destaque ao livro, ao
contrário do mundo da internet, para proteger o ex-candidato tucano à
presidência José Serra, que é o centro das denúncias.
Estariam
os “jornalões” usando dois pesos e duas medidas em relação a Amaury Jr,
pois enquanto acatam denúncias de bandidos contra o governo petista,
alegam que ele está sendo processado e, portanto, não teria
credibilidade?
É justamente o
contrário. A chamada “grande imprensa”, por ter mais responsabilidade
que os blogueiros ditos independentes, mas que, na maioria, são
sustentados pela verba oficial e fazem propaganda política, demorou mais
a entrar no assunto, ou simplesmente não entrará, por que precisava
analisar com tranqüilidade o livro para verificar se ele realmente
acrescenta dados novos às denúncias sobre as privatizações, e se tem
provas.
Como assim? Qual a responsabilidade na denúncia de que foram entregues centenas de milhares de dólares em um envelope no Palácio do Planalto? E a do "consultor" Ruben Quícoli, que dizia que com propina seria possível levantar R$ 10 bi no BNDES para uma fabriqueta? E a denúncia de que Dilma encomendaria dossiês para o Ministério da Justiça, ou a ficha falsa de Dilma? Merval deveria ter mais responsabilidade ao escrever, ainda mais criando para si esse papel de jornalista sério em veículo sério. É evidente que ataques, como aos blogueiros, são da lavra do Serra. Não é do estilo do Merval essas manifestações de indignação. Corto um dedo se o ghost writer dessa tertúlia não é o próprio Serra.
Outros
livros, como "O Chefe", de Ivo Patarra, com acusações gravíssimas
contra o governo de Lula, também não tiveram repercussão na "grande
imprensa" e, por motivos óbvios, foram ignorados pela blogosfera
chapa-branca.
Desde que Pedro
Collor denunciou as falcatruas de seu irmão presidente, há um padrão no
comportamento da “grande imprensa”: as denúncias dos que participaram
das falcatruas, sejam elas quais forem, têm a credibilidade do relato
por dentro do crime.
Quem disse que Pedro Collor participou de alguma coisa no governo do seu irmão? Sua bronca maior era de não estar dentro.
Deputado
cassado e presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson desencadeou o
escândalo do mensalão com o testemunho pessoal de quem esteve no centro
das negociações, e transformou-se em um dos 38 réus do processo.
O
ex-secretário de governo Durval Barbosa detonou a maior crise política
da história de Brasília, com denúncias e gravações que culminaram com a
prisão do então governador José Roberto Arruda e vários políticos.
Fantástico Merval! Seu brilhantismo consagrou uma nova máxima jurídica: criminoso tem credibilidade porque participou do crime; não criminoso não tem porque, por não ser criminoso, não conhece os escaninhos do crime.
E
por aí vai. Já Amaury Ribeiro Jr. foi indiciado pela Polícia Federal
por quatro crimes: violação de sigilo fiscal, corrupção ativa, uso de
documentos falsos e oferta de vantagem a testemunha, tendo participado,
como membro da equipe de campanha da candidata do PT, de atos contra o
adversário tucano.
O livro,
portanto, continua sendo parte da sua atividade como propagandista da
campanha petista e, evidentemente, tem pouca credibilidade na origem.
Na
sua versão no livro, Amaury jura que não havia intenção de fazer
dossiês contra Serra, que foi contratado “apenas” para descobrir
vazamentos internos e usou seus contatos policiais para a tarefa que,
convenhamos, conforme descrita pelo próprio, não tem nada de
jornalística.
Ele alega que a
turma paulista de Rui Falcão (presidente do PT) e Palocci queria tirar
os mineiros ligados a Fernando Pimentel da campanha, e acabou criando
uma versão distorcida dos fatos.
No
caso da quebra de sigilo de tucanos, na Receita de Mauá, Amaury diz que
o despachante que o acusou de ter encomendado o serviço mentiu por
pressão de policiais federais amigos de José Serra.
Enfim, Amaury Ribeiro Jr, tem que se explicar antes de denunciar outros, o que também enfraquece sua posição.
O criminoso não precisa explicar suas intenções: basta ter participado dos crimes. O Amaury tem que explicar. Merval ambiciona a imortalidade tornando-se membro da ABL. Jornalistas ambicionam a imortalidade escrevendo reportagens definitivas. Acho que Merval se esqueceu definitivamente do que é a emoção de construir uma grande reportagem.
Ele e seus apoiadores ressaltam sempre que 1/3 do livro é composto de documentos, para dar apoio às denúncias.
Mas
se os documentos, como dizem, são todos oficiais e estão nos cartórios e
juntas comerciais, imaginar que revelem crimes contra o patrimônio
público é ingenuidade ou má-fé.
Documentos oficiais obtidos nas ilhas Virgens. Se eram tão inocentes assim, qual a razão de terem sido abafados na CPI do Banestado?
Que trapaceiro registra seus trambiques em cartórios?
Aquele que tem medo de ser enganado por testas de ferro e só confia na própria família. Aliás, outro fato que poderia ter sido explicado é a razão do casal Verônica Serra ter mudado o regime de bens do casamento pouco antes de começarem as transferências de recursos.
Há, a começar pela escolha do título – Privataria Tucana – uma tomada de posição política do autor contra as privatizações.
E
a maneira como descreve as transações financeiras mostra que Amaury
Ribeiro Jr. se alinha aos que consideram que ter uma conta em paraíso
fiscal é crime, especialmente se for no Caribe, e que a legislação de
remessa de dinheiro para o exterior feita pelo Banco Central à época do
governo Fernando Henrique favorece a lavagem de dinheiro e a evasão de
divisas.
Utilizam contas em paraísos fiscais empresas para planejamento tributário (como se financiar em leasing). Se quiser uma defesa eficiente, basta Serra/Merval explicar a razão de Verônica Serra precisar de conta em paraíso fiscal. Mais que isso: mostrar a origem dos recursos que enviou para o Brasil e que permitiram ao pai esquentar a casa em que morava desde fins dos anos 80. Se não foi propina, foram resultados de empresas no exterior. Que empresas foram essas, quais os resultados apresentados? Simples assim.
É
um ponto de vista como outro qualquer e ele tenta por todas as maneiras
mostrar isso, sem, no entanto, conseguir montar um quadro factual que
comprove suas certezas.
Vários
personagens, a maioria ligada a Serra, abrem e fecham empresas em
paraísos fiscais, com o objetivo, segundo ilações do autor, de lavar
dinheiro proveniente das privatizações e internalizá-lo legalmente no
País.
Para quê é, então?
Acontece
que passados 17 anos do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, e
estando o PT no poder há 9 anos, não houve um movimento para rever as
privatizações.
O que isso tem a ver com suspeitas de pagamento de propina?
E
os julgamentos de processos contra os dirigentes da época das
privatizações não dão sustentação às críticas e às acusações de
“improbidade administrativa” na privatização da Telebrás.
A
decisão nº 765/99 do Plenário do Tribunal de Contas da União concluiu
que, além de não haver qualquer irregularidade no processo, os
responsáveis “não visavam favorecer em particular o consórcio composto
pelo Banco Opportunity e pela Itália Telecom, mas favorecer a
competitividade do leilão da Tele Norte Leste S/A, objetivando um melhor
resultado para o erário na desestatização dessa empresa”.
A escolha do Opportunity, por si, caracteriza um benefício. Na sequência, o Opportunity deposita US$ 5 milhões na conta da Verônica. Verônica transfere para o Brasil e "compra" a casa em que o pai mora. Por acaso o TCU analisou essa sequência de episódios? Claro que não: apenas a montagem do consórcio em si.
Também
o Ministério Público de Brasília foi derrotado e, no recurso, o
Tribunal Regional Federal do Distrito Federal decidiu, através do juiz
Tourinho Neto, não apenas acatar a decisão do TCU mas afirmar que “não
restaram provadas as nulidades levantadas no processo licitatório de
privatização do Sistema Telebrás. Da mesma forma, não está demonstrada a
má-fé, premissa do ato ilegal e ímprobo, para impor-se uma condenação
aos réus.
Claro que não restaram. Na época não havia documentos, nem evidências de pagamento de propina. Agora, há.
Também
não se vislumbrou ofensa aos princípios constitucionais da
Administração Pública para configurar a improbidade administrativa.”.
O
livro de Amaury Ribeiro Jr. está em sexto lugar na lista dos mais
vendidos de “não-ficção”. Talvez tivesse mais sucesso ainda se estivesse
na lista de “ficção”.
Merval está na Academia Brasileira de Letras por apenas um livro que é coletânea de artigos. E o grande feito jornalístico que menciona é o de ter participado de uma reportagem que teve em Amaury um dos autores. Sua participação foi na condição de... diretor da sucursal.
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